‘É o que eu gosto de fazer’


| Tempo de leitura: 12 min
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN, declara seu amor ao jornalismo e ao  Comércio. Mais jovem, teve que argumentar muito com o pai para poder trabalhar no jornal, mas sabe que isso é exatamente o que queria fazer
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN, declara seu amor ao jornalismo e ao Comércio. Mais jovem, teve que argumentar muito com o pai para poder trabalhar no jornal, mas sabe que isso é exatamente o que queria fazer
A pauta sugerida pelo jornalista Corrêa Neves para a vida do filho passava longe das redações. Corrêa Neves Júnior herdou o nome do pai, mas profissão, que seguisse outra. Júnior não se ateve à sugestão, brigou por uma pauta própria, provou que o talento era nato e a aptidão para aprimoramento um traço de sua personalidade.
 
Forjado em meio a papel, tinta, impressoras, gráfica, redação, afeto da mãe e severidade do pai, Júnior tomou posse do jornalista que havia em si aos 19 anos. Hoje, aos 41, é diretor executivo do GCN, assina a coluna Gazetilha, no jornal Comércio da Franca, além de ser comentarista do programa Hora da Verdade, da rádio Difusora, e da TV, canal 23. Seu sucesso resulta de empreendedorismo, paixão pela informação e muito suor.
 
Nascido em fevereiro de 1974, Júnior foi gerado junto com as primeiras edições do Comércio publicadas sob a gestão de sua família, que havia assumido a administração da empresa em abril de 1973. A mãe professora, Sonia Machiavelli, foi decisiva na formação do hábito de leitura. “A leitura estava presente todos os dias em minha casa. Meus pais sempre leram muito. Minha mãe, todos os clássicos, originais em francês; é até irritante (risos)”, brinca Júnior.
 
Uma de suas primeiras memórias afetivas vinculadas ao Comércio tem como cenário a casa da infância na rua Manacá, Vila Flores, endereço da família no final da década de 70. Nesta época, Sonia escrevia em casa e à mão, uma coluna de opinião, assinada sob o pseudônimo Diadorim (personagem de Guimarães Rosa). “Lembro-me de que tinha ‘o menino do jornal’ que todos os dias buscava os textos que minha mãe escrevia”, diz. O garoto que buscava os textos também virou jornalista como aquele que o assistia buscar a matéria. Era Nelson Fradique, hoje jornalista esportivo.
 
Outra lembrança de infância que o liga ao jornal são as raras visitas que fazia à sede da empresa. “Meu pai não gostava (que eu fosse). O prédio era muito ruim, tudo improvisado, lugar pouco asséptico.” Nos raros momentos em que lá estava, especialmente no parque gráfico do prédio da Ouvidor Freire, Júnior se lembra de alguns funcionários dizerem que um dia ele “dirigiria aquilo”. A imaginação superlativa do garoto sonhava algo bem diferente.  “A impressora antiga, a Goss Community, tinha umas rodas que pareciam direção de veículo; os rolos de impressão giravam de um lado para outro. Para mim, “dirigir” era manusear essa roda; e nunca conduzir uma empresa de comunicação”, disse.
 
Bem antes de Júnior entender o real sentido de “dirigir”, seu Corrêa revelava convicções bem claras sobre as aspirações para o futuro do filho: “jornalismo, não!” Era quase um mantra. “Meu pai era visceralmente contra qualquer associação do meu nome ao jornalismo. Minha mãe também. Mas meu pai era veemente. Ele dizia ‘isso aqui é uma loucura, não é vida, escraviza a gente.”
 
Júnior concluiu o ensino fundamental na Dinâmica Espiral e, aos 14 anos, quis alternativas mais promissoras para seus estudos; decidiu cursar ensino médio na capital. Após aprovação em disputados vestibulinhos, matriculou-se no Colégio Bandeirantes, célebre por preparar alunos para cursos de exatas. Dois anos depois, saturado pelo excesso de disciplinas ligadas a cálculos, mudou de escola e cidade. Foi para Campinas terminar o ciclo. Os vestibulares chegaram e as áreas escolhidas foram as mais inimagináveis possíveis para quem sabia, desde muito cedo, que sua vocação era a arte de “contar histórias por escrito”. 
 
A mãe, observando a inquietação do filho, lhe sugeriu que prestasse jornalismo na “Cásper Líbero”, referência no País. Aprovado, matriculou-se, mas abriu mão da vaga um ano depois por entender que a formação acadêmica lhe seria pouco válida. “Só tem uma coisa que agradeço: a faculdade me mostrou que era aquilo mesmo que eu realmente queria.” 
 
Em 1992, alguns dias de férias em família foram vistos por Júnior como a oportunidade para expor ao pai suas vontades. “Estávamos no Grande Hotel Araxá e eu achava que o Comércio precisava de um tônico.” O modus operandi para abordar o pai incluiu “invadir” o quarto dele munido de sulfite, caneta e coragem. Revelou o desejo de criar um suplemento dominical com notícias sobre televisão, cinema e música. “Prometi que voltaria e faria o curso de Direito, que ele então considerava importante, se pudesse trabalhar no jornal. Desenhei oito páginas, fiz o rascunho, capa, tudo ali. Mostrei: é isso, pai, que quero fazer.”
 
A sentença saiu rápida: “Está bom. Deixo você fazer três números. Não pode pedir ajuda a ninguém, nem ocupar gente do jornal; e se não tiver repercussão positiva, paramos’.” Mas o Caderno de Domingo deu muito certo. O jornalista relata que o jornal carecia então de estrutura técnica e de profissionais. “Não tinha redação, não tinha nenhum repórter, não tinha fotógrafo, não tinha editor, não tinha nada. Na redação havia praticamente só a minha mãe; o “sêo” Nego, repórter policial; e o Sidnei Ribeiro, editor que chegava apenas à noite. Meu pai, que tinha 47 anos quando eu nasci, estava envelhecendo rapidamente. Vi aquilo ali e pensei: ou a gente faz alguma coisa, ou isso aqui vai acabar.” 
 
Com bom humor, ele afirma que o pai o “atrapalhou” o quanto pôde, mas tem um alento ao reconhecer que o que não é fácil, tem mais valor. “Como a briga com ele era dura, para cada coisa que eu quis fazer no jornal, lutei muito”,  disse. 
 
De corpo e alma na redação
A esta altura, Júnior estava com 19 anos, o Comércio era uma realidade profissional em sua vida (mesmo recebendo um modesto salário mínimo como pagamento) e o Caderno de Domingo, que tinha a sua assinatura, brilhava. A relação entre o pai de 67 anos, e o filho de 20, mantinha-se porém salpicada de rusgas até chegar ao desentendimento. “Houve um momento em que discordamos feio e ele me demitiu. Eu precisava viver, não tinha mesada, não tinha nada.”
 
A saída que Júnior encontrou foi procurar emprego no mercado regional de jornalismo. A porta que se abriu foi na sucursal da Folha de S.Paulo, em Ribeirão Preto. Sua primeira matéria - uma abordagem sobre a queda de braços entre o então prefeito, Antônio Palocci, e o presidente da Câmara, Cícero Gomes da Silva - a respeito do orçamento participativo - emplaca, é publicada na edição nacional e gera grande repercussão. “Adorei aquilo. Curiosamente, a primeira matéria que fiz de grande repercussão não foi no Comércio.”
 
Mas se o ditado “o bom filho à casa torna” tem algum fundamento, para Júnior, ainda que meio às avessas, ele foi real. Seu Corrêa havia sofrido recentemente um infarto; a mãe do único editor, Sidnei Ribeiro, também não estava bem de saúde; alguém precisava se encarregar do fechamento diário das edições. “Um dia não tinha quem fechasse o jornal. Trabalhei até às oito da noite na Folha, em Ribeirão, e vim fechar a edição do Comércio. Uma quantidade de droga tinha sido apreendida dentro de um avião. Foi a primeira capa que eu desenhei na vida. Tudo muito primitivo, no papel. Ficou muito feia.”
 
Após algumas semanas, a rotina de conciliar as duas árduas atividades se mostrou impossível. Ele se viu obrigado a abrir mão do emprego na Folha. “Meu pai se restabeleceu e voltou rápido ao trabalho. Rápida também foi a volta ao padrão de alternância de humor dele. Fui demitido de novo, meses depois”, diz Júnior, com bom humor.
 
No vaivém das incertezas, Júnior decidiu traçar um caminho paralelo e fundou a revista Atual, publicada por 18 meses, com impressão em Uberlândia (MG) e circulação em Franca. “Foi a primeira revista periódica de Franca. Fazíamos com muita garra e coragem. Ela foi muito bem”, avalia. A equipe tinha quatro pessoas.
 
Mas a relação com o Comércio sempre foi umbilical e, após um sopro de trégua entre pai e filho, seu Corrêa pediu mais uma vez que ele voltasse ao Comércio. Agora, sim, definitivamente. Em 1995 Júnior fez novo check-in no departamento pessoal, para nunca mais sair. 
 
A experiência de Júnior em outra redação o levou ao desejo de implantar inovações “em casa”. Sua primeira constatação era óbvia: não era possível ter uma redação sem jornalistas. “Sidnei era sozinho e chegava à noite para concluir o jornal que minha mãe tinha redigido durante o dia com as notícias trazidas pelo ‘Seo’ Nego. Comecei a ganhar um pouco melhor (...), mas, na média, os salários eram muito ruins, as pessoas não ficavam e  comecei a usar o meu salário para pagar uma diferença , um bônus para os profissionais, prática que se seguiu por uns dez anos”, disse Júnior, afirmando que, aí sim, com três ou quatro repórteres atuantes, foi possível implantar uma reunião de pauta, no formato das que havia vivenciado na Folha de S.Paulo.
 
Por esta época, Corrêa Neves começou a restringir sua atuação aos setores administrativos do jornal, deixando para Júnior a tarefa de lidar com o cotidiano da redação. “ Mas a manchete ele continuava escolhendo. Minha autonomia foi progressiva, lenta, e não houve um momento de ‘passagem do bastão’”, disse.
 
Os anos se passaram, Corrêa Neves começou a ter a saúde debilitada por uma hidrocefalia e foi reduzindo ainda mais a sua participação na empresa. Nas questões administrativas, entretanto, Júnior “tinha zero influência. E isso seguiu assim até o último dia de saúde de meu pai, 10 de fevereiro de 2005, quando fez a primeira cirurgia em Ribeirão Preto. Ele administrava o jornal apenas com a ajuda da Dulce Xavier e da Sandra Lima (hoje diretora administrativa e executiva de contas premium, respectivamente). Apesar de a redação já estar desenvolvida, as demais áreas eram precárias.”
 
Com a morte de Corrêa Neves, em agosto de 2005, entra em cena o Júnior empreendedor.
 
O empresário e a nova era
Aos 31 anos de idade, enlutado pelo falecimento do pai, Junior sentiu que chegara a hora de abrir o que ele chama de “caixa de Pandora” e descobrir tudo o que precisava ser organizado. “Digo que 2005 foi ano de sobrevivência, a partir da morte do meu pai. Havia pendências financeiras enormes e desconhecidas que tínhamos que administrar. Foram 20 anos em dois (entre 2005 e 2007).” Não seria hipérbole dizer que as decisões tomadas por Junior, mais que definir seu próprio destino, nortearam também os rumos da imprensa regional.
 
Uma nova era se iniciava. A Difusora, aquisição feita nos últimos meses de vida de Correa Neves, passa a “conversar” com o jornal impresso - são os primeiros passos da integração de redações que culminariam na criação do GCN Comunicação, um aglutinado de empresas e convergência de mídias até então inédito no País, especialmente com relação à maneira de produzir o conteúdo de forma unificada. Mas no começo de 2006, um problema pedia solução urgente: o prédio da Ouvidor Freire tornava-se incompatível com a proporção que a empresa havia tomado. Não era mais possível contratar gente, nem comprar equipamentos.
 
Júnior, junto de sua mãe, Sonia Machiavelli, se empenha então na compra de novo e grande prédio para sediar o grupo. O espaço de 4 mil metros quadrados que abriga jornal, rádio, parque gráfico e setores administrativos, foi inaugurado em 6 de setembro de 2007, no Jardim Ângela Rosa. O GCN reúne, hoje, além do jornal e da rádio, um portal de notícias, uma editora de revistas e uma agência de publicidade.
 
Impossível não lembrar que reina no local outra “ousadia” de Júnior: o “monstro da impressão”, a Pressline 30, rotativa importada da Índia, que fez o parque gráfico do Comércio ser alçado à condição de terceiro maior do interior paulista.
 
O diretor responsável pelo Comércio da Franca deixa claro que, por mais que mudem as estruturas, pessoas, perspectivas e formas de se produzir informação, as competências básicas do bom jornalismo são imutáveis. “Jornalismo não é para bater palmas, não é para adular. Jornalismo, na precisa definição dos mestres, existe para incomodar o poder, para dizer o que pode ser melhor. É onde encontramos muita dificuldade, (já que estamos) em uma cidade acostumada a resolver as coisas no conchavo, no ‘deixa disso’. Essa é uma dificuldade grande que o meu pai já apontava.”
 
Júnior também investiu em um jornalismo versátil e polivalente, na diversificação das mídias e apostou no advento das tecnologias que estão dando novos rumos ao jornalismo. “Entendemos que a internet era um caminho irreversível. Somos um dos 25 maiores portais do Brasil hoje. Isso me enche de orgulho.”
 
No momento em que se celebram os cem anos do Comércio, Junior é enfático ao comunicar seu amor por este projeto de vida: “Nunca saio do jornal pior do que cheguei. Tem dias penosos e intermináveis, mas nunca é um fardo. Tenho consciência de que donos são transitórios. Somos a quinta família a tocar o Comércio e cada uma fez isso da melhor maneira possível. Que venham outras. O importante é que a história continue”, disse.
 
Vida pessoal 
O perfil combativo e enérgico do empresário Corrêa Neves Júnior é apenas uma das facetas de sua personalidade. De risada fácil e gosto exigente para assuntos que vão de moda à gastronomia, Júnior é o que se pode chamar de colecionador de várias paixões: jornalismo, família, culinária, amigos, bate-papo, política e... “charutos”, exclama ele às gargalhadas.  Na política, estreou em 2014 como candidato a deputado federal pelo PV e conquistou 30 mil votos: “Aprendi muito nesta campanha, conheci pessoas incríveis, vivi a cidade em todas as suas instâncias ao percorrer seus bairros e conversar com os moradores.”
 
O hábito de cozinhar, praticado nos jantares com a família, é paixão herdada da mãe. “Quando me lembro da minha infância, o que mais me vem à memória não são imagens, e sim aromas da cozinha da minha casa. Lembro-me do cheiro de doces, da carne de panela, de pães... Igual à minha mãe, acho que a mesa acolhe e aproxima.” Casado com a advogada Milena Toledo Franchini, Júnior afirma ver nos filhos a verdadeira tradução do amor. O caçula, João Toledo Franchini Corrêa Neves, 4 anos, fisicamente muito parecido ao pai, faz questão de manusear diariamente “o seu” jornal - que é o suplemento infantil do Comércio, Clubinho, editado pela avó Sonia. Júlia Ribeiro Corrêa Neves, a primogênita, filha do primeiro casamento, tem 16 anos e sonha ser diretora de fotografia de cinema. “Tenho certeza de que ela vai chegar lá”, diz Júnior.

Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Comentários

Comentários