Caneta, tempero e paixão


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A biografia da presidente do Conselho Consultivo do GCN, Sonia Machiavelli, mostra um caminho regido por esperança, educação e muito trabalho
A biografia da presidente do Conselho Consultivo do GCN, Sonia Machiavelli, mostra um caminho regido por esperança, educação e muito trabalho
Ela coloca poesia nas panelas, tempero nas palavras, um misto de firmeza e ternura nas decisões e, acima de tudo, paixão em tudo o que faz. Sonia Machiavelli Corrêa Neves age assim ao combinar suas atividades como educadora, escritora e jornalista com a presidência do Conselho Consultivo do GCN Comunicação. Editora dos cadernos Clubinho (para o público infantil), Artes e Nossas Letras, este dedicado à literatura (e dos raros que resistem nos jornais brasileiros), ainda produz uma página semanal sobre culinária. É diretora e voluntária (leciona duas vezes por semana aulas de reforço em Língua Portuguesa) na ONG Academia de Artes, mantida integralmente pelo GCN.  Orienta o programa Jornal na Sala de Aula, por ela idealizado há duas décadas. É autora de quatro livros:  Uma bolsa grená (crônicas), Estações (contos), Jantar na Acemira (romance), O poço e outras histórias (contos). Tem publicadas em antologias algumas dezenas de poemas. Mas seus papéis mais apaixonantes, ela diz, são o de mãe de Corrêa Neves Júnior e André Luís Corrêa Neves, e de avó de Júlia, 16, e João, 5, filhos de Júnior.
 
Para perfilar a mulher que soube metamorfosear as asperezas da vida em flores, é preciso recorrer às suas origens. Sonia é filha de mãe guerreira e aguerrida por seus sonhos que, em 1948, deixou a família em Passos (MG) para buscar um futuro na capital paulista. Vanguardista para a época e impulsionada pelo amor que regeu sua trajetória, encontrou na selva de pedra - no sentido literal e poético - dureza diferente dos cenários mineiros com os quais estava habituada, mas contraditoriamente único terreno que poderia ser fértil para os sonhos do coração.
 
Foi nesse palco, mais precisamente em pensão familiar onde a simplicidade imperava, na rua Vergueiro, que Sonia estreou na vida, sem holofotes. 
 
Na máquina de costura de uma fábrica, Geraldina Machiavelli costurava camisas, e também tecia ilusões para si e planos para a bebê, que ficava na creche.  Um ano mais tarde, novamente o amor, desta vez aliado à meta maior de um futuro melhor para Sonia, trouxe mãe e filha para Franca. “Meu pai, que a havia levado para São Paulo, vivia aqui, mas não era presente em nossas vidas, nunca foi; tinha outra família; sempre ficamos, anos a fio, minha mãe, minha irmã, Sandra Machiavelli do Carmo, e eu, na zona obscura dos seres destinados à invisibilidade.”
 
Os anos que se seguiram, assim como os tempos na capital, não foram fáceis. “Muitas vezes, quando já adulta eu passava por momentos difíceis, minha mãe me dizia: ‘Não, isso não é difícil. Difícil é chegar a uma cidade que você não conhece com uma criança doente nos braços e sem ter para onde ir.’ Isso me emociona até hoje.”
 
Outra pensão, agora na rua José Bonifácio, centro francano, foi o segundo endereço de mãe e filha. O terceiro, a casa humilde na rua Ouvidor Freire (quase esquina com a Líbero Badaró) que guarda alguns dos momentos mais marcantes que pontuam uma infância pobre. Foi lá que nasceu a irmã, Sandra, em uma noite escura em que só o que havia para comer eram tomates plantados no quintal. “Até hoje sinto o cheiro daquele tomate verde. Eu tinha quatro anos. Era uma situação muito precária.”
 
Nada era fácil, mas também não era amargo. Havia amor. A mãe de alma bélica e visionária criou duas meninas com afeto e focada em incentivar a busca por um futuro melhor, mais promissor. Em mente e nas palavras, uma certeza era quase mantra: “só um diploma pode dar um destino melhor para as pessoas”. 
 
Por obediência, mas também por gosto, as filhas seguiram o conselho como regra militar e sempre foram boas alunas. Não decepcionaram.
 
Sonia cursou na escola “Coronel Francisco Martins” os primeiros anos do ensino fundamental e, após passar no exame de admissão da escola “Torquato Caleiro” (instituição concorridíssima), fez, à época, os cursos ginasial e Normal. “Saí do Normal já lecionando em uma escola da fazenda Olhos d’Água”, lembra.
 
No ano seguinte, via concurso público municipal, foi efetivada como professora. “Nunca tinha havido concursos em Franca. Foi o prefeito Lancha filho quem os criou. No primeiro havia quase 400 concorrentes para nove vagas. Estudei muito e o resultado saiu no Comércio da Franca”, afirma, com expressão de dever cumprido. A curiosidade é que a professorinha que alfabetizou crianças e adultos e lecionou para jovens português, francês e até latim, nunca poderia imaginar que teria uma história de décadas com o veículo em que seu nome estava registrado de forma alvissareira em 1967.
 
A partir de então, a jovem traçou um paralelo entre as salas de aula em escolas públicas e as cadeiras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Franca (hoje Unesp), onde cursou letras neolatinas,  motivada por sua  paixão por literatura.
 
A essa altura, ela já havia conhecido aquele que se tornaria seu parceiro de amor, vida, trabalho, futuro e, agora, memória. José Corrêa Neves, que fora secretário de imprensa do governador Adhemar de Barros, se encantou, numa visita à biblioteca da faculdade, pela moça de cabelos lisos e olhar genuíno.
 
Não demorou para que o encantamento se firmasse em namoro, se concretizasse em casamento (em 1972) e se eternizasse em memória. “Ele tinha 21 anos a mais do que eu. Era inteligente, antenado com os fatos do mundo, elegante, charmoso. Para mim, um príncipe encantado. Realmente me apaixonei por ele.”
 
Juntos, passaram o período de um ano em São Paulo, mas foi em Franca que a realidade de hoje deu seus primeiros passos.
 
De volta à terra natal do marido, o casal comprou o jornal Comércio da Franca de Alfredo Costa. Sonia lembra que o dinheiro para o negócio foi levantado com a venda de um apartamento em São Paulo, a comercialização de uma propriedade rural em Cáceres (MT) e a efetivação de uma sociedade com o francano Delcides Essado.
 
Por divergências de opiniões e outras, ideológicas, a sociedade se desfez em menos de dois anos. Para adquirir a parte do sócio, Corrêa Neves contraiu então um empréstimo com o empresário José Bittar, e deu seguimento aos seus ideais como jornalista e diretor do Comércio da Franca.
 
“Foram anos difíceis, em que me valeram muito as duas cadeiras no magistério”, disse Sonia, explicando que sua renda ajudava a manter a casa até que o empréstimo fosse pago, a prestações, por cerca de quatro anos: “tudo o que se ganhava no Comércio era para pagar o José Bittar. Mas valeu muito”.
 
Apaixonada pelas letras e pela informação, ela sempre teve interesse pelo impresso e a vontade de participar mais efetivamente do cotidiano do Comércio. Entretanto, ciumento e preocupado com a exposição de sua mulher, Corrêa Neves mostrava-se arredio à ideia de ver as palavras de Sonia nas páginas do jornal. “Ele era possessivo, vivíamos em outro momento, a cidade sempre foi muito conservadora, acho que ele pensava que eu ficaria exposta.”
 
A saída foi escrever sob pseudônimos. Ora Carolina, ora Diadorim - pseudônimos que adotou -, com jeitinho ela venceu a resistência do marido e passou a usar seu nome real, Sonia - assim mesmo, sem acento, e fazendo jus ao seu significado (sapiência e sabedoria) - que ela avançou como jornalista. “Eu sempre quis assinar o meu nome, tinha essa vaidade sim. Principalmente quando via as pessoas comentando o que eu tinha escrito e não podia falar que era eu. A Alfredo Costa devo a ‘campanha de convencimento’ feita junto a Corrêa para que meu nome constasse no final da coluna diária Ponto de Vista, que então  escrevia. Sempre que penso em Alfredo Costa, é com sentimento de gratidão.”
 
Com os filhos - Corrêa Neves Júnior (diretor-executivo do grupo) e André Corrêa Neves (empresário do ramo da construção civil), nascidos em 1974 e 1977, respectivamente - crescendo e a sua atuação no Comércio se tornando expressiva, Sonia deixou o magistério (no município e também no Estado, onde se efetivara em 1976) em meados da década de 80 e passou a dedicar-se com mais empenho ao jornal.
 
Hoje, realizada pessoal e profissionalmente, ela carrega duas certezas: “o trabalho confere sentido à existência” e “os netos (Júlia e João, filhos de Júnior) são a luz da minha vida”.
 
Ao lado do filho Júnior, ela cuida de perto e diariamente da rotina do GCN Comunicação, grupo embrionado pelo Comércio da Franca em 2007, quando a família, dois anos após a morte de Corrêa Neves, aglutinou diversas empresas de comunicação (jornal Comércio da Franca, rádio Difusora de Franca, GCN Revistas, Crazz Publicidade, Portal GCN e Graphcom), revolucionando o jeito de informar no interior paulista.
 
 
Uma história para lembrar
 
Desde a década de 1980, Sonia Machiavelli recebia alunos para visitas à redação e parque gráfico na antiga sede do Comércio, onde conversava com as crianças sobre a importância da informação.
 
Sonia também recebia, junto com Corrêa Neves, grupos que vinham à cidade e passavam pelo jornal.

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