Costa revolucionou o jornal


| Tempo de leitura: 5 min
Alfredo Costa (de óculos e de pé) aparece rodeado de amigos e funcionários do jornal, em confraternização do Comércio da Franca
Alfredo Costa (de óculos e de pé) aparece rodeado de amigos e funcionários do jornal, em confraternização do Comércio da Franca
Ricardo Pucci encerrou suas atividades no jornal em 1955, vendendo o Comércio da Franca ao trio de sócios Alfredo Henrique Costa, Jorge Cheade e Márcio Bagueira Leal. Pela primeira vez em sua história a venda do periódico foi dissociada da livraria que o acompanhava a Livraria do Comércio continuou sob propriedade de Pucci. O homem que se tornaria uma referência na imprensa francana fazia parte da diretoria que assumiu a gazeta e deu a ela um necessário choque de modernidade, transformando-a no porta-voz oficial da cidade.
 
A mudança foi comunicada na capa da edição de número 2690, publicada dia 9 de julho de 1955. A manchete principal falava do 40ª aniversário do jornal, comemorado com um almoço no Hotel Francano, e citava os novos proprietários, que usam o título O primeiro número para anunciar a nova fase do Comércio, que já trazia novidades.
 
Alfredo Henrique Costa nasceu em Franca no dia 25 de agosto de 1912. Filho de Honorina Marconi Costa e Manoel Thomaz Costa, era irmão de Walter, Osmar, Dalva e Wanda. Casou-se com a professora Olívia Corrêa Costa em 1935 e teve três filhos: Alfredo Henrique Costa Filho, Alice Helena Costa Parra e Anita Heloísa Costa Berbel.
 
Tornou-se arrimo de família muito cedo, uma vez que seu pai morreu quando ele tinha apenas 7 anos, e seu padastro pouco tempo depois, quando tinha 14. Alfredo logo começou a trabalhar em uma fábrica de gravatas e financiou os estudo dos seus irmãos. “Autodidata, inteligentíssimo, perdeu o pai aos sete anos, foi arrimo de família desde os 14. Formou-se em Direito.  Era muito influente em seu tempo, um líder nato que liderava sem oprimir, um mediador de conflitos. Ele imprimiu seu dinamismo ao jornal,” elogiou sua prima Lúcia Garcetti Ribeiro, em entrevista concedida por ocasião dos 92 anos do Comércio.
 
Muito trabalhador, Costa foi gerente da Casa Clube Hertz e da Rádio Clube Hertz de Franca, e instalou uma fábrica de meias no antigo distrito da Estação em sociedade com seu irmão Oscar. Desejoso de ampliar seus estudos, formou-se em Direito em uma faculdade de Passos. A graduação lhe abriu novas portas: ministrando as matérias de Economia e História Econômica, foi professor na Faculdade de Direito de Franca e na Uni-Facef (antiga Faculdade de Ciência Econômicas) e professor da Unesp de Franca, instituição da qual foi vice-diretor por dois anos.
 
Professor, advogado, empresário e jornalista, Costa foi proprietário do Comércio por 18 anos e seu período à frente da publicação definiu novos rumos editoriais que causaram uma verdadeira revolução no jornal. O primeiro número publicado com ele como diretor-responsável já trouxe uma grande mudança que entrou para a história da cidade: o Comércio deixou de ser bissemanal e passou a ser publicado diariamente. A apresentação de notícias passou a ser objetiva. Era o lead, com a informação assertiva logo nas primeiras linhas do texto, uma fórmula de se apresentar uma matéria jornalística em síntese, mais curta e escrita de forma direta e impessoal. A coluna Objetiva é criada para estabelecer o limite entre os fatos e a opinião do jornal. Mais fotos são publicadas, e colunas sem cunho jornalístico dão lugar a notícias locais.
 
Alice Costa, filha de Alfredo, disse em entrevista de 2007 que seu pai modernizou o jornal e imprimiu ao Comércio sua marca polêmica. “Ele saiu do linotipo e trouxe uma rotativa. Mudou o visual do jornal, melhorou o papel. Valorizava muito a literatura e a política, dava oportunidade aos escritores em suas páginas, publicava livretos próprios e de amigos. Manteve o jornal por muito tempo por puro idealismo, sem grandes lucros financeiros.”
 
Mas mais do que mudanças estruturais, o Comércio assumiu uma postura combativa e passou a se colocar em defesa dos interesses da cidade, voltando-se para as necessidades da comunidade e tendo sucesso em suas campanhas. O jornal procurava personagens para que se manifestassem sobre múltiplos assuntos. Muito ligado às atividades culturais, suas instalações atraíam a visita de intelectuais e políticos importantes, tonando-se um verdadeiro ponto de encontro das grandes mentes da época.
 
Foi durante a gestão de Costa que houve o golpe militar de 64. Os impactos nas redações de jornais de todo o Brasil foram grandes e o Comércio não escapou da censura. Por ser muito proeminente e não manifestar preconceitos, seu diretor foi duramente perseguido. “Alfredo tinha de fato uma posição de esquerda”, afirmou o professor Luis Carlos Facury ao rememorar os anos de chumbo. Costa enfrentou o Ato Institucional nº 2 em outubro de 1965, que impõe vigilância acirrada à imprensa e trata os profissionais da área com truculência, e foi fiscalizado, delatado, censurado e interrogado. O Comércio chega a ser invadido pela polícia e sofre ameaças de fechamento. Acusado de ser pregador comunista, Alfredo Costa é preso.
 
Alice se lembra da postura de seu pai durante estes anos difíceis. “O papai dizia que, por mais que se sofra, a dignidade não deve se perder jamais. Foi preso cinco vezes, delatado por um ex-funcionário da redação. Ele até brincava que era o ‘Campeão de Xadrez’ da Vila Franca do Imperador. Foi levado ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social) sob a denúncia de chefiar um grupo de esquerda cujas reuniões aconteciam pretensamente às segundas-feiras. Ele se safou porque tinha um álibi perfeito: exatamente às segundas ocorriam as reuniões da Loja Maçônica Independência Terceira, que ele próprio fundara. Reuniões, aliás, que nunca perdia.”
 
Facury relata que depois de sua última prisão, Costa não era mais o mesmo homem. Um orgulhoso defensor das causas de Franca, que procurava sempre ajudar, forçado a passar por humilhações, apanhando e sendo torturado em celas destinadas a literais criminosos, foi acometido pela desesperança e desistiu. Foi com esse espírito que resolveu vender o jornal, concretizando o negócio em 1973, louvando seus auxiliares e cooperadores de tantos anos. Como os filhos já eram crescidos, aposentou-se e recolheu-se em casa, afastando-se de todo o convívio em sociedade. “Ele se auto-condenou ao ostracismo,” resume Facury.
 
Alfredo Costa morreu dia 11 de setembro de 1999, 22 dias depois de sua mulher, Olívia. Ele tinha 87 anos e foi sepultado no Cemitério da Saudade. O Comércio classificou as duas mortes como uma “dura perda para a comunidade”. Foram publicados em sua página necrológica depoimentos de autoridades lamentando a perda daquele que foi um dos homens mais atuantes da cidade, ressaltando que “a cidade lhe perpetuará o nome e a obra através de ato de inteira Justiça.”

Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Comentários

Comentários