Se fosse para estabelecer uma comparação, não seria exagero dividir a ditadura brasileira em quatro quinquênios e dizer que o terceiro e quarto períodos já davam sinais de definhamento do regime. O período mais sombrio, com o aparato do Estado perseguindo, torturando e matando opositores, começava a dar lugar a uma insatisfação popular cada vez maior.
Ao presidente Ernesto Geisel coube dar início ao processo de redemocratização “lenta e gradual” do Brasil. Embora não fosse considerado propriamente um militar “linha-dura”, o general, já entrando na segunda metade de seu mandato, que terminaria em março de 1979, deu demonstração de força ao fechar o Congresso Nacional, em 1º de abril de 1977, e implementar o “Pacote de Abril” duas semanas depois.
A ideia por trás da ação estava em garantir que uma emenda constitucional permitisse a escolha do novo presidente de forma indireta nas eleições de 1978, já que a Constituição em vigor previa que ela deveria ser direta, pelo voto. Como a Arena, partido do governo, não tinha os dois terços necessários à aprovação da emenda, a saída foi fechar o Congresso por 14 dias.
No pacote, usando de atribuições garantidas pelo AI-5 (Ato Institucional número 5), de 1968, Geisel ainda instituiu a eleição indireta para um terço das 22 cadeiras de senadores, que deu origem à expressão “senador biônico”, estendeu para seis anos o tempo do mandato presidencial, que era de cinco, e reduziu para maioria simples a exigência do quórum para aprovação de novas emendas à Constituição.
Neste contexto de mudanças políticas é preciso destacar dois fatos que marcaram o período. O primeiro deles foi a morte, sob tortura, do jornalista Vladimir Herzog, em 29 de outubro de 1975, nas dependências do Doi-Codi, em São Paulo. Uma fotografia apresentada pelo órgão de repressão mostrava o jornalista com uma tira de tecido presa ao pescoço e amarrada a uma janela na tentativa de sustentar a tese de suicídio.
Seis dias depois desse evento, mais de 10 mil pessoas participaram de um ato ecumênico em memória de Herzog na Praça da Sé, em São Paulo. A morte do jornalista foi um dos episódios que mais marcaram negativamente a ditadura brasileira e deu início à distensão do regime.
Ainda assim, uma ala radical dos quartéis, apoiada por setores políticos e empresariais conservadores, trabalhava ostensivamente para a manutenção do status quo. A prova de que militares brasileiros estavam empenhados na política de repressão está em documentos e testemunhos de presos capturados em países diferentes e trocados entre Chile, Brasil, Argentina, Bolívia e Uruguai, na colaboração entre governos militares da América do Sul conhecida como “Operação Condor” e que duraria até 1980.
A morte do ex-presidente Juscelino Kubistchek, em 22 de agosto de 1976, sempre esteve envolta em dúvidas. JK, que era opositor aos militares, e nome forte para as eleições de 1978, morreu em um acidente no sul do Rio de Janeiro, quando seu carro foi atingido por um ônibus na Rodovia Presidente Dutra, batendo de frente com um caminhão que vinha no sentido contrário.
Durante anos restou a suspeita de que o acidente não fora casual, mas sim encomendado pelos militares. A tese ganhou reforço com o ferimento na cabeça do motorista de JK, que, acreditava-se, poderia ter sido resultado de um tiro.
Em 2013, a Comissão Nacional da Verdade declarou que o ferimento ocorreu em decorrência do impacto sofrido no acidente, descartando a hipótese de assassinato.
Com a garantia das eleições indiretas em 1978, o general João Baptista de Figueiredo é escolhido o 30º presidente brasileiro, mandato que cumpriria até 15 de março de 1985. Naquele mesmo ano, Ernesto Geisel revoga o AI-5.
A abertura política iniciada por seu antecessor continua com Figueiredo. Em 23 de agosto de 1979, o Congresso aprova a lei de Anistia, sancionada cinco dias depois. Dos 52 presos políticos existentes, 17 foram soltos de imediato. A lei beneficiou diretamente 4.650 pessoas, entre exilados, cassados, banidos e trabalhadores destituídos de seus empregos.
Após a lei, Leonel Brizola volta ao Brasil após 15 anos de exílio, assim como o ex-governador Miguel Arraes e o ex-deputado Márcio Moreira Alves. No Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, Luis Carlos Prestes é recebido por mais de 10 mil simpatizantes.
No auge de uma crise econômica e de legitimidade, o Brasil recebe pela primeira vez a visita de um papa. João Paulo II percorreu diversas capitais e estima-se que tenha levado mais de 4,5 milhões de pessoas por onde passou.
Mas nem a passagem do líder da Igreja Católica conseguiu aliviar o quadro de penúria pelo qual o Brasil passava. Para se ter uma ideia, a inflação acumulada de 1979 foi de 77,21%. O governo estabelece uma meta de 45% para o ano seguinte, mas o custo de vida em 1981 subiria 110,24%. Em 1983, o índice foi de 211,02% e em 1984, 223,9%.
O governo então negocia um empréstimo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), de US$ 5,5 bilhões, mas recebe pouco mais da metade do valor. A economia em frangalhos selava o fim dos militares no poder.
Entre 1983 e 1984, várias manifestações públicas começam a ser feitas em diferentes cidades. O movimento, que começou com 100 participantes em Pernambuco, em março de 83, salta para 400 mil manifestantes em fevereiro de 84, chega a 1 milhão de pessoas no comício da Praça da Candelária, no Rio de Janeiro, em 10 de abril, e alcança 1,5 milhão uma semana depois, na Praça da Sé, em São Paulo, no mais famoso comício pela “Diretas Já”. Apesar da mobilização popular, a emenda do deputado Dante de Oliveira para estabelecer eleições diretas foi rejeitada pelo Congresso.
Elis, Senna, Nelson, Paralamas e Mazzaropi
O cinema e a música brasileiros perderam grandes nomes na década de 1980, enquanto o rock nacional via nascer alguns de seus maiores representantes.
De forma sequencial, o Brasil viu morrer o dramaturgo, escritor e jornalista Nelson Rodrigues (1980), o ator, comediante e cineasta Mazaropi (1981), o também cineasta Glauber Rocha (1981), a cantora Elis Regina (1982),o compositor e cantor Adoniran Barbosa (1982) e a cantora Clara Nunes (1983).
Neste último ano, o escritor Marcelo Rubens Paiva, com 23 anos, se torna um dos mais vendidos do País, com seu livro Feliz ano velho. Paulo Leminsky (Caprichos e relaxos), Rubem Fonseca (A grande arte) e Carlos Drummond de Andrade, com O elefante, também marcaram a literatura nacional.
No esporte, o ano de 1982 ficou marcado pela participação da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo da Espanha. Tida como uma das melhores seleções brasileiras em todos os tempos, a equipe, comandada pelo técnico Telê Santana, perdeu para a Itália, ainda na fase de classificação, por três a dois, com o jogador Paolo Rossi marcando todos os gols italianos.
Pouco tempo mais tarde, os fás da fórmula 1 assistiam ao surgimento de um ídolo. Em 1984, o brasileiro Ayrton Senna fazia sua estreia no campeonato mundial de automobilismo, no antigo autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, pilotando um carro da Toleman. Senna, no entanto, abandonaria a prova algumas voltas depois da largada com problemas no motor.
No mesmo ano, nas Olimpíadas de Los Angeles, nos Estados Unidos, Joaquim Cruz ganhava sua medalha de ouro na prova dos 800 metros rasos.
Na música, o País vive uma de suas fases mais produtivas. O rock nacional surge com força e apresenta ao público bandas como Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Legião Urbana, Titãs, Barão Vermelho, além de Raul Seixas e Lulu Santos e outros nomes que marcariam uma geração inteira de admiradores com seus sucessos que misturavam rebeldia, contestação e amor.
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