Cantiga do escárnio

A política anda em crise no mundo todo. Difícil o povo ou nação que esteja contente com seu governo. Raríssimo algum líder conseguir surpreender com suas ideias e inspirar outros a segui-lo.

24/05/2015 | Tempo de leitura: 5 min

“A política é a arte de procurar problemas,  encontrá-los em todos os lados, diagnosticá-los incorretamente e aplicar as piores soluções”
Groucho Marx, comediante americano
 
 
 
A política anda em crise no mundo todo. Difícil o povo ou nação que esteja contente com seu governo. Raríssimo algum líder conseguir surpreender com suas ideias e inspirar outros a segui-lo. Praticamente impossível apontar um mandatário sobre o qual não recaia alguma denúncia de corrupção ou suspeita de desvio de recursos públicos. É um quadro sombrio. Via de regra, a política anda malcheirosa. Em alguns lugares, como o Brasil, muito mais fedida do que em outros.
 
Ainda assim, a crise moral que se abate sobre Franca é singularíssima. É como se uma espécie de epidemia tivesse contaminado a quase totalidade dos ocupantes de cargos eletivos e, ato contínuo, retirado deles o mínimo senso de realidade. Nesta espécie de “surto”, os políticos — e muitos que ocupam cargos comissionados por indicação destes — ignoram os fatos, sacrificam os princípios, rifam a decência e, não raro, debocham sem pudor da população que lhes outorgou o mandato. Flagrados num despautério qualquer, mentem descaradamente. Parecem tão certos da impunidade e da indiferença do povo que sequer se preocupam com uma desculpa crível. Beira a insanidade.
 
Não há nada mais elucidativo deste estado de coisas do que muitas atitudes do vereador Jépy Pereira (PSDB): da criação irregular de funções gratificadas enquanto presidia a Câmara Municipal até a nomeação de um diretor geral que se transformou em pesadelo para os demais funcionários e num constrangimento para o Legislativo, passando ainda pelo imbroglio com as advogadas concursadas que resultou num milionário processo trabalhista que será pago, em última instância, por nós, contribuintes. 
 
Some-se a tudo isso o nada edificante “plano” de Jépy Pereira flagrado pela TV Câmara, que transmitiu tudo, ao vivo, no último dia 24 de março. “Ó, vou foder o Márcio (do Flórida, PT), viu? Vou ficar quietinho na minha... O cara está terminando de fazer a representação lá (...) Ele vai ter que responder, vai se foder”, diz Jépy Pereira a Daniel Radaeli (PMDB). Desde então, Jépy já apresentou ou arquitetou duas representações contra o petista. Tudo porque Márcio foi poupado dos protestos dos servidores em greve, que não economizaram nos impropérios dirigidos à base aliada. Incomodado, Jépy resolveu reagir, com a elegância típica que marca sua atuação.
 
Apesar de relevante, nada disso é tão acintoso para a inteligência do eleitor quanto os episódios que envolvem duas viagens de Jépy. A primeira, em 2 julho de 2013. Então presidente da Câmara, Jépy Pereira conduzia os trabalhos. À tarde, durante a sessão, disse que se retiraria do plenário para tratar de “assuntos administrativos”. Desapareceu. Nos dias seguintes, a cidade foi surpreendida com imagens do sorridente vereador em Cuba, postados por companheiros de viagem em redes sociais. Como não se afastou, tudo que dependia dele na Câmara ficou parado, o que incluía, além de decisões exclusivas da presidência, também empenhos e pagamentos. 
 
Dezoito meses depois, Jépy voltaria a desaparecer. Foi no final de abril deste ano, na semana do feriado de Tiradentes. Jépy Pereira simplesmente faltou à sessão ordinária do dia 22 de abril, quando os servidores, então em greve, distribuíram pizzas no plenário. Perdeu na mesma semana a sessão solene em comemoração do Dia do Demolay e Ordem Paramaçônica. Não foi só. Auditores do TCE (Tribunal de Contas do Estado) estiveram neste período na Câmara para colher as assinaturas do volátil vereador. “O assessor dele pegou os papéis e disse que levaria para ele assinar no escritório. Até agora, não voltou”, constatou o presidente, Marco Garcia (PPS). Quem também precisava da assinatura do vereador era seu colega da Comissão de Ética (sim, parece piada), Pastor Otávio. “Não consigo falar com o Jépy. Ele sumiu”, lamentava.
 
Jépy Pereira não foi encontrado porque, diferente do que dizia seu diligente assessor, ele não estava no seu escritório, nem em Franca, muito menos no Brasil. Novamente, imagens postadas por seus companheiros de viagem mostravam o vereador curtindo as delícias do frio ao lado de sua mulher na cordilheira dos Andes, no Chile. Ali, o grupo comemorava ter se safado da erupção do vulcão Cabulco. 
 
De volta a Franca, o vereador e dublê de Mister M não corou nem um pouco ao apresentar, nesta última semana, uma “justificativa” para que sua falta da sessão solene não seja descontada de seus vencimentos. “Tendo em vista compromisso inadiável, assumido anteriormente, inerente à minha profissão (...) solicito o abono da referida falta (...)”, diz o documento protocolado por Jépy Pereira. 
 
É de chorar. O vereador que falta sem avisar quer agora abonar a sua ausência porque foi resolver “assunto profissional”. Ainda que seja verdade - o que é muito difícil de acreditar diante das imagens de uma viagem de lazer - é absurda a falta de noção do ridículo: Jépy Pereira não faltou porque estava doente, porque representava a Câmara num evento qualquer nem porque atendia algum cidadão. Jépy Pereira faltou para tratar de assuntos que são de seu exclusivo interesse, quer seja pessoal, quer seja profissional. E, agora, quer que a população de Franca pague a conta.
 
Que ninguém se espante ao sentir um cheiro putrefaço nas imediações da Câmara de Vereadores. Depois de tudo que tem acontecido por ali, é imperativo concluir que o mau cheiro só pode ter origem dentro do Legislativo. Para isso, só há uma solução possível: uma ampla faxina eleitoral na disputa para vereador, o único tipo de solvente capaz de remover este tipo de fedor.
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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