Um flerte trágico com a injustiça

Três decisões judiciais, tornadas públicas ao longo dos últimos dez dias em Franca e região, caíram com uma ducha de água gelada sobre os ânimos daqueles

17/05/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“O sistema de impunidade é também o promotor dos crimes”
Marques de Maricá, político brasileiro 

 
 
Três decisões judiciais, tornadas públicas ao longo dos últimos dez dias em Franca e região, caíram com uma ducha de água gelada sobre os ânimos daqueles que resistem em manter sua crença nos poderes constituídos como os instrumentos fundamentais para balizar a vida em sociedade. Numa tacada só, colocaram em xeque premissas elementares, como a de que o “crime não compensa” ou a de que a “vida é um valor absoluto”. As tais decisões mostraram que, na opinião de alguns magistrados — respaldados, é importante que se registre, pela jurisprudência dos tribunais superiores — tudo é relativo. Muito mais relativo, inclusive, do que a decência recomenda admitir.
 
A primeira decisão foi conhecida na sexta-feira, quando a Justiça de São Sebastião do Paraíso colocou em liberdade Cláudio Mumic Neto, 19 anos. O sujeito é o irresponsável que no finalzinho do ano passado, numa madrugada de sábado, 27 de dezembro, invadiu com seu Fiat Strada uma congada que acontecia nas ruas de São Tomas de Aquino. Bêbado, passou por cima de um cavalete que interditava a rua, atropelou quinze pessoas, algumas delas crianças, e só parou depois de acertar três carros. Covardemente, deixou as pessoas estiradas ao solo e tentou fugir. Só não conseguiu porque foi detido pela multidão. Como seria de se supor, recusou-se a fazer o teste do bafômetro, mas não adiantou: foi preso em flagrante. Três vítimas morreram em razão dos ferimentos. Quatro meses depois, Mumic Neto está livre.
 
Quem ficou ainda menos tempo presa depois de matar foi Elaine Cristina da Silva, 39 anos, vigilante: 108 dias, cerca de três meses e meio. O crime aconteceu na noite de 25 de janeiro, um domingo. Inconformada com o fim de seu relacionamento com a policial militar Marcela Oliveira, a vigilante resolveu procurá-la para “conversar”. Ao chegar na casa que dividiu com a ex-namorada, não gostou de encontrá-la com sua nova parceira. Discutiram. A vigilante foi embora. 
 
Marcela imaginou que o pior tinha passado e decidiu sair com seu filho, em garoto de oito anos, e a namorada, para dar uma volta de carro e comer um lanche. Foi um erro. Elaine continuava à espreita e seguiu o carro de Marcela, que estava no banco do passageiro. Poucos metros adiante Elaine “fechou” o carro da ex-companheira. Marcela desceu assustada e só teve tempo de pedir à nova namorada que voltasse para casa com o filho. Instantes depois, Elaine disparou três vezes contra o peito de Marcela, que caiu morta na rua. A vigilante ainda atirou contra o próprio peito, mas não repetiu consigo a eficácia que demonstrou para matar os outros. Sobreviveu, foi internada, acabou presa. Está livre desde a última semana, graças à canetada do juiz Wagner Carvalho Lima, da 2ª. Vara Criminal de Franca.
 
Igualmente agraciados, na mesma semana, pela caneta do magistrado Wagner Carvalho Lima, foram os 20 presos na Operação “Lavoura Limpa”, deflagrada pelos promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e repressão contra o Crime Organizado) e investigadores da Polícia Civil em dezembro do ano passado. A quadrilha, que foi monitorada por cinco meses com a ajuda de escutas telefônicas, interceptação de e-mails, mensagens e até drones (aviões não tripulados), falsificava agrotóxicos e movimentava R$ 10 milhões por mês. O bando “fabricava”, embalava, rotulava, distribuía e vendia os agrotóxicos falsos através de uma intrincada rede de “colaboradores”. Foram apreendidos mais de 60 veículos. Alguns, de luxo, como um Camaro amarelo, além de cinco armas de fogo. Os bens apreendidos somam R$ 20 milhões. “Dizimamos uma estrutura empresarial especializada na geração de lucro ilícito”, comemorava então o delegado Leopoldo Novais. “A única maneira da quadrilha não se reorganizar é que eles permaneçam preventivamente presos”, advertiu Novais.
 
De nada adiantou o apelo. Para o juiz Wagner Carvalho Lima, tudo se resume a uma comparação. No entendimento do magistrado, se os bandidos envolvidos no escândalo da Lava Jato, que desviaram bilhões de reais dos cofres da Petrobrás para pagar propina a políticos e em causa própria, tem o direito de responder por seus crimes em liberdade, conforme garantiu o Supremo Tribunal Federal, por que negar aos indigitados de Franca a mesma sorte? 
 
Tem mais. Movido por uma generosidade singular, o juiz resolveu aplicar suas convicções por atacado. Ao apreciar o pedido de liberdade provisória de apenas um réu, Luciano Soares, o magistrado aproveitou para garantir o benefício a outros 19 presos na mesma operação, ainda que eles não tivessem pedido coisa alguma. Não duvido que vários deles coloquem o juiz permanentemente em suas orações.
 
O Brasil precisa amadurecer e parar com essa bobagem de que o direito de defesa tem que ser exercido em liberdade, ainda que em caso de réus confessos, mesmo diante de assassinos presos em flagrante. Tem também que abandonar o pensamento pueril de que cadeia é para “ressocializar”, como se todo bandido fosse recuperável, como se todo assassino merecesse uma segunda chance. Há uns poucos casos em que isso é possível, mas são exceção. Na maior parte das vezes, a cadeia é simplesmente punição, um jeito de afastar quem não cumpre a lei daqueles que a cumprem. Não é justo que no país em que mais se cometem crimes no mundo seja garantido aos marginais o direito de continuarem vivendo ao nosso lado. Basta. Ninguém aguenta mais. Nem a violência, nem fazer papel de palhaço.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Fale com o GCN/Sampi! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Franca e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.