Crônica do absurdo

Franca, 3 de março de 2015. Tudo começou com um tapa, desferido pelo vereador e líder do prefeito na Câmara, Luiz Carlos Vergara (PSB)

29/03/2015 | Tempo de leitura: 5 min

“O processo ditatorial, o processo autoritário, traz consigo o germe da corrupção. O que existe de ruim no processo autoritário é que ele começa desfigurando as instituições e acaba desfigurando o caráter do cidadão”
 
Tancredo Neves, presidente brasileiro
 
 
Franca, 3 de março de 2015. Tudo começou com um tapa, desferido pelo vereador e líder do prefeito na Câmara, Luiz Carlos Vergara (PSB), na face do marceneiro Hélio Vissoto, um tipo de cidadão que incomoda profundamente os políticos brasileiros, especialmente os canalhas, porque cobra coerência e denuncia desmandos. Os métodos de Vissoto podem não ser os mais elegantes, mas ele está no seu direito. Quem quer ocupar cargo eletivo, que se sujeite à cobrança. Quem não tolera críticas, que saia da vida pública. 
 
O que fizeram os vereadores após a agressão? Nada. A sessão continuou, presidida por Adérmis Marini (PSDB), como se um tapa na cara fosse coisa normal. Imagino que se Dirceu Garcia, repórter do Comércio, não tivesse capturado de forma brilhante as imagens, é possível que os parlamentares insistissem na tese de que tinha sido a cara do Vissoto que acertou a mão do Vergara, tamanha a inversão.
 
A primeira medida efetiva só seria adotada na semana seguinte - para “proteger” a Câmara, não a vítima. Na sessão do dia 10 de março, por ordem do presidente, Marco Garcia (PPS), guardas civis municipais e seguranças particulares transformaram a sede do Legislativo num bunker. No dia seguinte, o Conselho de Ética finalmente começou a “apurar” o caso, como se fosse preciso grande investigação para analisar um tapa - ainda por cima, filmado. Logo de cara, a imprensa foi impedida de acompanhar os trabalhos. Bizarro.
 
Três dias depois, numa quinta-feira, 19 de março, o prefeito Alexandre Ferreira (PSDB) resolveu discursar no lançamento da Expoagro 2015. Com a cara mais deslavada do mundo, “Xandão” - como prefere chamar um de seus cada vez mais escassos fãs, o sempre fashion Laercio do Paiolzinho (PP) - esbravejou que quiseram destruir a Expoagro nos últimos dois anos mas que, agora, ela estava “salva”. 
 
É verdade, assim como é verdade que quem tentou destruir a feira foi o próprio Alexandre. Quem não se lembra do prefeito de Franca dizer em 2013 e repetir em 2014, orgulhosamente, que a feira “enfim” havia se tornado um espaço “para a família”, que quem quisesse organizar shows “que fizesse em outro lugar”, e que o FestCultura, que em sua noite de apoteose reunira duas dúzias de pessoas, havia chegado “para ficar”? Ou o prefeito sofre de lapsos de memória ou está severamente doente. Qualquer outra alternativa implica constatar que seu caráter inexiste. Preocupante.
 
Chegamos, então, a esta última semana. Os servidores municipais haviam decretado “estado de greve” em função da intransigência da prefeitura na discussão do reajuste da categoria. O secretário de Recursos Humanos, Humberto Mazza, havia dito e repetido que não pagaria um centavo além da proposta inicial. Ameaçou ainda cortar o cartão-alimentação, como se isso fosse possível.
 
Na sessão de terça-feira, sem que houvesse acordo firmado, o líder do prefeito na Câmara, o esbofeteador Vergara, atravessou um projeto em regime de urgência, a ser discutido em duas sessões, para fixar os vencimentos dos servidores nos termos definidos pela prefeitura, sem concordância do sindicato. Os servidores protestaram, em vão. Com apenas três votos contrários - de Valéria Marson (PSDB), Daniel Radaeli (PMDB) e Márcio do Flórida (PT) - a sandice foi aprovada em primeira votação. Vergonhoso.
 
Igualmente vergonhoso foi constatar, na mesma sessão, o nível das conversas mantidas no plenário. A sessão era transmitida ao vivo pela TV Câmara. De repente, vaza o áudio de um diálogo entre Jépy Pereira (PSDB) e Daniel Radaeli. O vereador tucano, enciumado com os aplausos que seu colega, Marcio do Flórida (PT), havia recebido, diz a Radaeli que vai “fod...” o petista. Explicitamente. Jépy, que é corregedor, diz ainda que pediu a um amigo para fazer uma “denúncia” contra Márcio por conta do vereador desempenhar também a função de oficial de justiça, como se isso fosse ilegal. Tudo cercado de muitos “vou fod... ele”. A tal denúncia foi feita e caberia ao próprio Jépy, que a inventou, “analisá-la”. Mais absurdo, nem em Cuba, lugar que tanto agrada o caribenho “vereador do bairro”. 
 
Como parece não existir fundo do poço na política de hoje, Alexandre Ferreira, na quinta-feira em que se tornou réu, junto com outras nove pessoas, numa ação por fraude e desvio de recursos públicos, ainda encontrou tempo para outra rasteira. A Comissão de Justiça e Redação da Câmara, da qual fazem parte Vergara, Jépy e Radaeli, “inspirada” pela prefeitura, simplesmente resolveu que o projeto que fixava os salários “não precisava” mais de uma segunda votação. Jépy e Vergara - Radaeli votou contra, em separado -, com a anuência do presidente, Marco Garcia, rasgaram o regimento interno e mandaram o projeto para sanção do prefeito à revelia do plenário. Alexandre deu o seu “de acordo” na hora. Tudo para confundir os servidores e tentar fragilizar a greve da categoria. 
 
Deu tudo errado. Os servidores, irritadíssimos, decretaram greve numa assembleia que lotou o teatro Judas Iscariotes. Valéria Marson, Daniel Radaeli e Marcio do Flórida, inconformados, ingressaram com mandado de segurança para anular a medida na Justiça, idêntico caminho adotado pelo sindicato dos Servidores.
 
Ainda na mesma quinta, o agredido marceneiro Hélio Vissoto foi ouvido pela tal Comissão de Ética. Foi obrigado a responder a mais perguntas do que seu agressor, como se fosse Vissoto o acusado, e não a vítima. A maior parte delas, sem qualquer relação com o tapa. Para completar, Vergara ainda “convocou” uma entrevista no dia seguinte para repetir que não se arrepende, não se desculpa, e que agiu para defender “sua honra”. Ridiculamente, insinuou que Vissoto “estava armado” na Câmara porque o marceneiro portava um canivete. É de chorar.
 
Tudo isso aconteceu em Franca, num único mês. Sabe o que é ainda pior? Faltam três dias  - e uma sessão - da Câmara para Março terminar. Dá nojo só de pensar no que ainda pode acontecer. 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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