A mãe de todas as reformas

Nasci em meados da década de 70, época em que a ditadura militar perseguia quem pensava diferente, impedia que os mandatários fossem

15/03/2015 | Tempo de leitura: 5 min

“Todas as grandes coisas são simples. E muitas podem ser expressas numa só palavra: liberdade, justiça, honra, dever, piedade, esperança”
 
Winston Churchill, estadista e escritor inglês
 
 
Nasci em meados da década de 70, época em que a ditadura militar perseguia quem pensava diferente, impedia que os mandatários fossem escolhidos por voto popular, censurava música, cinema, televisão, jornais e vetava a criação de partidos políticos. O general Médici estava nas últimas semanas de sua presidência. Foi sucedido por outro general, Geisel, que prometeu aos brasileiros fazer uma abertura “lenta, gradual e segura”. 
 
Depois, houve apenas mais um militar na presidência, João Batista de Oliveira Figueiredo, que cumpriu a promessa de seu antecessor. Foi promulgada a “Lei da Anistia”, em 1979, que permitiu a volta dos exilados. Os brasileiros recuperaram o direito de escolher livremente os governadores de Estado, senadores da República e prefeitos das Capitais. E a presidência, ainda que por via indireta, foi enfim transferida a um civil em 1985.
 
Tinha então dez anos e vi o embrião da “Nova República”. Grandes comícios mobilizavam multidões. Haveria eleições diretas para presidente num futuro próximo. Terminaria a censura prévia e haveria liberdade para se dizer livremente o que se pensava. 
 
Uma nova Constituição, para reescrever as leis mais fundamentais do país, seria convocada. Viriam então as “reformas”: tributária, trabalhista, política. Seria uma chance única de reescrever o “manual” de funcionamento do país, de estabelecer prioridades, de universalizar saúde e educação, de erradicar a miséria.
 
Trinta anos depois, é óbvio que o país avançou - e, é bom que se diga, por mérito de muita gente, a começar do povo. Mas é certo dizer também que alguma coisa de fundamental deu muito errado. Tão errado que nem sei mais dizer se aquelas reformas tão sonhadas e até hoje engavetadas ainda são prioritárias. Há, antes dessas, uma outra transformação que, tenho convicção, deve ser imediata: a reforma moral, a “mãe” de todas as outras reformas. 
 
Minha certeza deriva de uma constatação simples: perdemos, no Brasil, a noção de certo e errado, de justo e injusto, de elogiável e execrável. Estamos à deriva e quem tenta manter inalterados princípios elementares sente que rema contra a maré. É como se aquele maldito “jeitinho brasileirinho”, um comportamento que se traduz na indiferença por todas as regras, substituídas por “gambiarras” retóricas quaisquer que fazem o inaceitável tornar-se palatável, tivesse virado a regra do jogo. 
 
Cambaleamos nesta lógica perversa. Para que cumprir a lei? Ignore. Se for pego, chame um advogado e recorra até o infinito, já que enquanto não houver “trânsito em julgado” ninguém pode ser punido. Assim, assassinos de gente indefesa têm direito de responder em liberdade pelos atos abomináveis que praticaram. Motoristas embriagados que atropelam, matam e fogem saem das delegacias pela porta da frente. Um juiz que confessa ter sumido com R$ 1 milhão guardado sob sua responsabilidade, e que é flagrado dirigindo o carro de luxo que mandou apreender de um réu, pode continuar livre, se “explicando”.
 
No plano federal, depois do abismo do mensalão, surge agora o “petrolão”. Maior empresa do Brasil, a Petrobrás foi transformada num imenso balcão de negócios escusos. Empreiteiras bandidas se conluiavam com outras da mesma espécie para combinar licitações. Tudo era facilitado por funcionários da companhia que, mediante propinas milionárias, avalizavam tudo. O mesmo partido que liderou o mensalão e que segue no comando do governo federal repetiu a dose e, em troca de uma comissão para seus cofres, deixou a sangria correr solta. Enquanto a Petrobrás empobrecia, dezenas de petistas ficaram milionários, bem como colegas de outras legendas da base aliada e, até, da oposição. Estima-se que, no acumulado, o roubo tenha chegado a mais de R$ 85 bilhões, dinheiro suficiente para pagar todas as despesas de uma prefeitura como Franca por 150 anos. Dilma Rousseff diz que não sabia de nada, seu antecessor idem, nenhum ministro viu coisa alguma. Mas que o dinheiro que foi para as campanhas eleitorais eles usaram, ninguém nega.
 
Aqui em Franca, o quadro também é sombrio. Acumulam-se descalabros sem punição. De horas-extras fraudadas na Saúde Pública e acusações de irregularidade cometidas por quem deveria zelar pelas compras da prefeitura, até o superfaturamento na construção de creches municipais, passando por todo tipo de truculência da parte de quem deveria liderar pelo exemplo. Como se não bastasse, um vereador que ocupa a função de líder do prefeito na Câmara deu um tapa na cara de um cidadão dentro do plenário. Até agora, o agressor, que teve o desplante de prestar queixa contra o agredido, não foi afastado do cargo de líder pelo prefeito tucano, não foi punido pelo seu partido, não sofreu qualquer sanção de seus pares. Inversão de valores maior do que essa, difícil encontrar. 
 
Há absolutos morais - e isso nada tem a ver com ideologia política ou cor partidária. Trata-se apenas daquelas poucas coisas que são simplesmente certas - ou erradas. A reforma moral tem que ser feita imediatamente, custe o que custar, sob risco de crescer o sentimento de quem sente “saudades” da ditadura, como se o regime de força fosse uma alternativa válida, o que é absurdo só de imaginar. O antídoto é começar já a depuração da classe política. De preferência com um imenso grito de advertência - dado por milhões de brasileiros, democraticamente reunidos nas ruas neste domingo - capaz de ser ouvido na Capital Federal, em Franca e em todos os rincões do país. Grita, Brasil! Bem alto.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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