Depois do tapa na cara

O tapa na cara do marceneiro Hélio Vissoto, desferido pelo líder do prefeito na Câmara Municipal, Luiz Vergara (PSB), em plena sessão

08/03/2015 | Tempo de leitura: 5 min

‘Que continuemos a nos omitir da política é tudo que os malfeitores da vida pública mais querem’
 
Bertolt Brecht, poeta alemão
 
 
O tapa na cara do marceneiro Hélio Vissoto, desferido pelo líder do prefeito na Câmara Municipal, Luiz Vergara (PSB), em plena sessão legislativa na manhã da última terça-feira, chocou o Brasil. Impressionou o mundo. Envergonhou Franca. 
 
O ato - registrado com exclusividade pelo repórter fotográfico Dirceu Garcia, do GCN, que publica o Comércio - fala por si. Não importa o que Hélio Vissoto tenha dito - e, é bom que se reforce, as imagens e sons captados não registram qualquer excesso por parte do cidadão - , nada justifica a reação de Vergara. É uma violência que prescinde de explicações, independe de justificativas, ignora quaisquer limites de civilidade.
 
A agressão foi tão absurda quanto inédita. Há casos de políticos que agridem outros políticos. Existem também ocorrências, em menor escala, de ocupantes de cargos públicos que atacam fisicamente jornalistas. É possível encontrar, ainda, uns poucos episódios, raríssimos, onde um político dá um “chega para lá” num eleitor no meio da rua ou em restaurantes, invariavelmente sucedidos por um pedido de desculpas.
 
O que nunca se viu é político que tenha agredido fisicamente um cidadão na sede do Legislativo, durante uma sessão de trabalho, e que, ainda por cima, ao invés de se desculpar, tenha sustentado a tese de que a vítima “mereceu”. Vergara é único e seu nome, hoje, é sinônimo de vergonha.
 
Tão ruim e indigesto quanto o tapa foi a reação de outros personagens desta história: os demais vereadores, com duas exceções; o prefeito de Franca, Alexandre Ferreira (PSDB), que escolheu Vergara para seu líder; e os principais dirigentes do PSB, partido do agressor. Enquanto o mundo exige providências, o grupo não toma qualquer atitude. 
 
A própria sessão onde aconteceu a agressão é uma boa síntese do que viria a seguir. Aquela terça-feira marcava a estreia de Vergara na condição de líder do prefeito Alexandre Ferreira. O cargo é de estrita confiança. Quem o ocupa tem a missão de defender, no Legislativo, todo e qualquer projeto ou assunto de interesse do prefeito. Vergara fazia naquele instante o seu debut. Quem presidia a sessão era o primeiro-secretário, Adérmis Marini (PSDB). A discussão e o tapa de Vergara já foram vistos e repetidos milhares de vezes. E depois?
 
Nada do que alguém possa se orgulhar. Adérmis tomou a palavra instantes depois do tapa ser desferido. Começou a fazer um sermão... para a vítima! “Peço ao Hélio Vissoto que colabore com os trabalhos desta casa”, diz, melancolicamente, dirigindo-se ao sujeito que acabava de receber um tapa na cara. “São pessoas honestas, dignas, que trabalham pela cidade”, insistiu Adérmis, defendendo seus pares. “Você, como cidadão, não tem correspondido”, critica, implicitamente culpando Vissoto por ter sido agredido. 
 
Ninguém oferece ajuda a Hélio Vissoto, que fica inerte, estupefato. A sessão é suspensa por cinco minutos. Só. Os trabalhos são depois retomados, como se nada tivesse acontecido. Apenas dois vereadores se manifestam sobre o que acabava de acontecer. Valéria Marson (PSDB) e Daniel Radaelli (PMDB). Ninguém mais. Vergara tinha deixado a Câmara para prestar queixa. Isso mesmo. O agressor foi reclamar na polícia. Impossível imaginar maior desfaçatez. 
 
O presidente da Câmara, Marco Garcia, prometeu agir, mas suas palavras não transmitiram grande convicção. Nenhum outro vereador, muitos deles ativos participantes das redes sociais, tampouco veio a público defender a cassação do vereador por “quebra de decoro”. A comissão de Ética, presidida pelo Pastor Otávio (PTB), até agora não fez nada.
 
O prefeito de Franca, Alexandre Ferreira, poderia ter destituído Vergara da condição de líder. Poderia ter emitido nota oficial condenando o ocorrido. Poderia ter convocado uma entrevista coletiva para se posicionar a respeito. Poderia ter oferecido solidariedade ao cidadão agredido. Deveria ter liderado pelo exemplo. Não fez nada disso. Durante dois dias, fingiu que o assunto não era com ele. 
 
Quando falou, deixou tudo ainda pior. Foi na manhã de quinta, durante cerimônia no teatro municipal. No comando, Alexandre. Que chamou, ao palco, ninguém menos que Luiz Vergara, a quem fez questão de se referir como “líder do prefeito”. Para piorar, numa entrevista concedida depois do evento, evitou condenar Vergara, limitando-se a dizer que é contra “qualquer tipo de violência”. Como era de se esperar, confirmou que o “líder” continua. “Ele não roubou”, concluiu. Pelo visto, bater na cara dos cidadãos e xingá-los, no conjunto de valores morais do prefeito de Franca, não constitui qualquer problema. É justo concluir que Vergara e Alexandre se merecem.
 
Tem ainda o PSB, o partido do esbofeteador, mesma legenda do ex-deputado federal Marco Aurélio Ubiali. Havia uma reunião para decidir o que fazer prevista para a noite de sexta-feira. Advinha o que houve? Nada. Faltou quórum. Apareceram poucos integrantes para a tal reunião, a maior parte preocupada em afagar Vergara. O encontro foi cancelado. Uma nova reunião foi programada para esta semana. De concreto, por enquanto, nenhuma ação. Nem do partido, nem de Ubiali, que desapareceu.
 
Vergara escreveu seu nome na história. Será eternamente lembrado como o soturno vereador de Franca que deu um tapa na cara de um cidadão que “ousou” lhe cobrar coerência e transparência. Resta agora saber como serão lembrados os demais personagens deste lamentável enredo. Por tudo que se viu até agora, difícil imaginar que qualquer um deles, com exceção do marceneiro agredido e dos dois vereadores que se posicionaram, venham a ser um dia reconhecidos por grandes feitos. É uma pena. Franca merecia mais.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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