Martírio

Há coisas demais no mundo que me parecem incompreensíveis, intoleráveis, abjetas.

01/03/2015 | Tempo de leitura: 5 min

“De todos os presentes da natureza para a raça humana, o que é mais doce para o homem do que as crianças?”
 
Ernest Hemingway, escritor americano
 
 
Há coisas demais no mundo que me parecem incompreensíveis, intoleráveis, abjetas.
 
Nunca aceitei como alguém, em nome de Deus, pode cometer atrocidades e sair matando quem pensa diferente, qualquer um que discorde de seus valores e princípios. O Estado Islâmico, grupo de radicais que degola quem não segue Alá, especialmente cristãos, que trancafia prisioneiros numa jaula e os incendeia vivos, que captura meninas para serem vendidas como escravas sexuais, é o mais cristalino exemplo de quão bárbaros e irracionais alguns exemplares da raça humana conseguem ser.
 
Não há o que me faça concordar com quem se apoia em quaisquer tipos de argumentos, preconceitos ou justificativas para perseguir, atacar, agredir ou discriminar alguém por ser negro, nordestino, caipira, pobre, iletrado ou, ainda pior, por ser gay e, portanto, ser considerado “culpado” apenas por se relacionar afetiva e sexualmente com alguém do mesmo gênero.
 
Jamais consegui entender como há seres humanos capazes de estuprar ou violentar alguém, submetendo suas vítimas a um nível de tortura intraduzível para saciar o que chamam de desejo sexual. Tudo fica ainda mais absurdo quando os algozes são religiosos ou familiares e, suas vítimas, crianças que ainda sequer entendem o que é sexo e muito menos o que está acontecendo com elas.
 
Não entra na minha cabeça que uma pessoa na condução de um veículo se envolva num acidente de trânsito e, da forma mais covarde e nojenta possível, fuja sem prestar socorro com “medo” do que possa lhe acontecer, em nada se importando com quem agoniza no asfalto frio à espera de socorro.
 
Sempre achei impossível ser condescendente com o marginal que tortura ou mata para roubar, sem qualquer tipo de misericórdia, sem traço de arrependimento. Tampouco acho digno de perdão quem planeja e mata alguém, por qualquer razão, ainda mais com “justificativas” que envolvem disputa por herança, bens ou coisa que o valha.
 
Mas nada disso, por pior ou mais nefasto que seja, é comparável à aberração de um infanticídio. Na escala de horrores que seres humanos são capazes de protagonizar, nada supera o ato do criador que destrói a criatura, de pais que assassinam filhos, de uma mãe capaz de tirar a vida de seu próprio rebento.
 
Na manhã da última quinta-feira, numa casa simples de uma fazenda de Cristais Paulista, uma barbaridade destas aconteceu. Jane Aparecida Jardim, 27 anos, mãe de três garotos, de 11, 5 e 2 anos, disse ter ficado irritada quando, ao acordar Adriano Ramos, seu filho do meio, descobriu que ele havia feito cocô na cama. A mulher estava sozinha em casa com o menino. Sua reação foi de uma bestialidade ímpar. Jane espancou Adriano, covarde e brutalmente, com uma cinta e uma vassoura. Adriano chegou a ser internado, mas teve morte cerebral diagnosticada horas depois. Era mantido vivo com a ajuda de aparelhos até a hora que escrevia este texto, na tarde de sábado, sem qualquer expectativa de recuperação, segundo informações do delegado responsável pelo caso. 
 
Fiquei chocado quando soube da história na manhã de sexta-feira. Ver as imagens de Adriano, tão franzino, tão machucado, me entristeceu profundamente. Não fui qualquer exceção à regra. Impossível encontrar alguém de Franca ou região que não tenha ficado abalado com o que houve. 
 
Desde então, não consigo parar de pensar no horror que Adriano experimentou dentro de sua própria casa, no seu sofrimento e tristeza. O garoto, diante de quem deveria protegê-lo, deve ter chorado muito ante o que é impossível entender: a mãe, com uma cinta na mão, o açoitava até deixar feridas em carne viva. Muito provavelmente, Jane atingiu sua cabeça repetidas vezes com uma vassoura, encontrada quebrada dentro da casa. Depois, chacoalhou o corpo, já queimado por bitucas de cigarro de agressões anteriores, e o atirou nas laterais da cama, que ficaram marcadas pelo sangue que esvaía do corpo do menino. Terminada a sessão de tortura, foi “arrumar a casa” e “fazer o almoço”. Jane, estúpida, achava que o filho dormia. Quando tentou acordá-lo enfim percebeu, aparentemente pela primeira vez, a gravidade do que havia feito. Tarde demais. O menino já estava mortalmente ferido.
 
Adriano é da idade do João, meu filho. Quando penso no quanto João é amado por todos que o cercam, em como nos preocupamos com ele, no tanto que suas pequenas conquistas nos encantam e comovem, fico ainda mais revoltado com o que houve. Quando ouço ele me dizer, como faz com frequência, “Papai, te amo infinito”, não consigo deixar de pensar que bestas como Jane Jardim não são humanas. Quando olho para o meu filho, sempre desenhando ao meu lado enquanto escrevo as Gazetilhas, e penso que Adriano era um garoto como ele, cheio de potencialidades e expectativas, é impossível conter as lágrimas. Quando vejo todos os cuidados e preocupações que minha mulher reserva para sua cria, e me recordo de tudo que minha mãe sempre fez por mim e pelo meu irmão, não consigo deixar de lamentar muito que Adriano não tenha tido alguém que o amasse absolutamente, “até o infinito”.
 
Espero que em algum lugar feliz e tranquilo Adriano Jardim encontre, enfim, a paz e o amor que lhe faltaram neste mundo tão esquisito. Também espero e desejo, fortemente, que o destino apresse o encontro de Jane Aparecida Jardim com o inferno, o único lugar adequado para monstros como ela.
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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