Cisco e Totó

André, meu irmão, é um sujeito bom de presente. Com os sobrinhos, chega a ser exagerado. Foi assim que presenteou Júlia, minha primogênita

15/02/2015 | Tempo de leitura: 4 min

“O cão é a virtude que, não podendo fazer-se homem, se fez animal”
 
Victor Hugo, escritor francês
 
 
André, meu irmão, é um sujeito bom de presente. Com os sobrinhos, chega a ser exagerado. Foi assim que presenteou Júlia, minha primogênita e sua primeira sobrinha, com um maltês branquinho como algodão. O cãozinho chegou em casa no dia em que Júlia completava quatro anos. Foi, durante muito tempo, um grande companheiro para ela. Efe (sim, o maltês tinha nome de letra) tornou-se parte da família. “Ele era o amorzinho mais fedido do mundo”, lembra Julia, ainda hoje, com saudades. Efe, também chamado de Paratolefe, Fedido, Carniça, morreu em 2010, no mesmo dia em que minha filha completava 12 anos, exatamente nove anos depois de ser presenteado a ela. Foi um baque. 
 
Quando João se aproximava dos três anos, meu irmão resolveu que era hora do seu sobrinho caçula ter um cãozinho. André e sua mulher, Débora, sugeriram um Lulu da Pomerânia. Para mim, que passei boa parte da infância numa chácara, cercado por vira-latas grandes como o Gaúcho, parecia bizarro demais. O tal Lulu tem mais jeito de peso de papel do que de cachorro. Vetei. Quis um buldogue francês. Sempre achei que o tipo tinha personalidade. É feio, muito feio, tão feio que fica até charmoso. Além disso é pequeno, mas não frágil, e me parecia dócil. 
 
Foi assim, por insistência única e exclusiva minha, que João ganhou um buldogue francês no lugar de um Lulu da Pomerania. Se arrependimento matasse, certamente eu não estaria por aqui escrevendo este texto. Para começar, Totó, como foi “batizado” por João, é muito burro. Não adianta tentar ensinar. Quase nada ele aprende. O pouco que aprende, desaprende. Aconteceu com o próprio nome. O buldogue demorou seis meses para entender que “Totó” é como nos referimos a ele. Um ano depois, ainda “escapa a marcha”. Vira e mexe, esquece... Haja paciência até alguém conseguir fazê-lo entender, de novo, que quando dizemos “Totó” é a ele que estamos nos dirigindo.
 
Ordens básicas, o buldogue não aprendeu nenhuma. “Senta”. Totó continua de pé. “Não pode”. Totó continua no sofá. “Dentro de casa, não!”. Totó ignora e invade a sala. Coleiras, já comeu três. O colchão onde dorme, foram cinco. A fiação da iluminação do jardim, triturou, assim como fez com três limoeiros. Os móveis da varanda são seus brinquedos favoritos. Já tentamos de tudo, até passar pimenta no pé das poltronas. Não adianta. Ele lambe e ainda faz cara de “delícia!”. Isso, claro, para não falar do João, com quem Totó disputa território como se meu filho fosse um dobermann. 
 
Desesperado, apelei para o adestrador Dino. Tinha certeza de que a culpa só podia ser minha. Falta de jeito, de habilidade, de competência... Dino veio, olhou, fez cara de mistério. Levou o Totó para tomar banho um dia, testou suas habilidades... Nenhuma melhora. Dino resolveu então levar o Totó para sua própria casa para um intensivão. O progresso foi discreto. O diagnóstico, desolador.
 
Dino explicou que há níveis de inteligência diferentes para as distintas raças dos cães. E que, nesta escala, os buldogues franceses são bem limitados. Para piorar, Totó é hiperativo. “A partir de uns dois anos de idade, ele se acalma”, tentou consolar Dino, que mantém a esperança de adestrar Totó. Por enquanto, o cachorro continua charmoso, incansável - e burro - como sempre.
 
Exatamente por isso, não sei o que me deu na cabeça quando, semana passada, fiz mais uma besteira. Denise Silva, gerente da Crazz, nossa agência de publicidade, entrou na minha sala carregando uma bolinha de pelos de 45 dias. Era um maltês de uma ninhada de três, “branquinho como algodão”. O pessoal da Crazz queria autorização para criar um deles na própria agência. Neguei. Diz o ditado que “cachorro de muitos donos morre de fome”. Mas a imagem daquele cachorrinho não me saía da cabeça.
 
Mandei uma foto dele para minha mulher. Apesar de ser louca por cachorros, Milena estava traumatizada com o Totó. Mas mãe é mãe e, ainda que reticente, compartilhou a imagem com o João, já antevendo o que aconteceria. Obviamente, ele ficou alucinado. Queria por que queria o maltês. Cedemos.
 
No mesmo dia, comprei o cachorro. Desde então, uma pequena revolução acontece aqui em casa. João assumiu a “paternidade” do Cisco. Cuida dele como nunca fez com Totó - ou com coisa alguma. Alimenta, põe para dormir, remove a sujeira. Se preocupa e não larga do cachorro nem um minuto, o que me faz ter certeza de que João será tão apegado ao Cisco quanto Julia foi com o Efe. É uma relação muito bonita de se ver. 
 
E o Totó? A chegada do Cisco fez com que ele entrasse em depressão. O buldogue é burro, mas tem sentimentos. Sua tristeza é nítida. Não corre mais, tem destruído menos coisas, quase nada come. Tem sido consolado pelo João, que repete sempre que “gosta muito dos dois”. Acho que Totó não acredita. Nem eu. Mas que ninguém se preocupe. Burro como ele só, daqui a pouco Totó esquece que está triste. Pode acreditar.
 
PS: senti um frio na espinha na sexta-feira. Resolvi dar uma olhada naquele ranking da inteligência canina. Há 79 raças classificadas. O buldogue está na 58ª. posição. O maltês, na 59ª. Teoricamente, Cisco é ainda mais limitado do que o Totó. Que São Francisco de Assis nos ajude. 
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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