A bunda

Tenho um grande amigo com quem falo todo dia. Como ambos temos rotinas corridas, conversamos por WhatsApp. É prático. Quem está ocupado

08/02/2015 | Tempo de leitura: 5 min

“Existem três coisas que os homens podem fazer com as mulheres: amá-las, sofrer por elas ou torná-las literatura”
 
Stephen Stills, músico americano
 
 
Tenho um grande amigo com quem falo todo dia. Como ambos temos rotinas corridas, conversamos por WhatsApp. É prático. Quem está ocupado, responde mais tarde. Naquela segunda-feira, 26 de janeiro, recebi um aviso dele. “Não perca Felizes para Sempre?. Vai ser muito boa”. Não adiantou. Perdi o capítulo de segunda, o de terça e, com eles, uma cena de três segundos que acabaria elevando a minissérie e, especialmente, uma de suas personagens, à categoria de fenômeno mundial.
 
Sim, admito: demorei quase 24 horas para conferir a bunda da Paolla Oliveira. Foi só no final da tarde de quarta-feira - quando a sequência em que a personagem Danny Bond, interpretada por ela, caminha sobre saltos altíssimos coberta apenas por uma minúscula calcinha preta rumo à sacada do quarto de um hotel de luxo, já era reproduzida por sites de todo o Brasil - que fui entender do que se tratava. 
 
Sim, admito também: gostei muito. Paolla estava linda, sexy, perfeita. Gostei tanto que recaí em erro quase infantil. Após chegar em casa, enquanto preparava o jantar, cometi o desatino de comentar sobre a Paolla com minha mulher. Sem perceber o precipício do qual me atirava, perguntei se ela tinha visto a tal cena.
 
“Vi sim, por quê? Não achei nada demais”, sentenciou, já com a voz ríspida. Achei que fosse brincadeira. Afinal, como alguém poderia não ver nada demais na cena sensual protagonizada por Paolla e sua bunda? Como descobriria bem rápido, minha mulher, a esta altura já com a face transfigurada por uma tromba que crescia, rapidamente, a cada vez em que eu mencionava as palavras Paolla ou bunda, não via.
 
Pensei que o spaghetti a carbonara que eu preparava melhoraria seu humor. Nada. Que uma noite de sono a faria compreender a beleza da cena. Sem chance. Que elogios ao seu próprio derrière trariam paz. Negativo. A semana seguiu assim, sem melhoras. Enfim chegou o sábado. Enquanto escrevia, João desenhava. De repente, meu caçula, muito provavelmente marcado por uma carga genética da qual será impossível se livrar, sentou-se no meu colo e, quase sussurrando, pediu: “papai, me mostra a moça do bumbum”. Comecei a rir. Imediatamente, busquei a cena que pretendia dividir com o João. Foi mais um erro.
 
Mulheres são dotadas de um tipo estranho de radar, habitualmente infalível, e que quando acionado ainda as transforma em predadoras sorrateiras. Foi assim que eu e o João, absortos naqueles três segundos de magia, não percebemos uma certa mulher se aproximar furtivamente até nos flagrar, num ângulo teoricamente impossível, naquilo que, para ela, era crime hediondo. “O que vocês estão fazendo?”, Milena exigiu saber, em tom inquisidor. Fiquei quieto. O João, não. “O papai está vendo a moça com bumbum de fora”, disse o pequeno delator, rindo com suas covinhas salientes. 
 
Não teve jeito. Nenhuma argumentação foi possível. O jantar foi abortado. O filme previsto para a sequência, cancelado. Os diálogos dentro de casa, extintos. Às 20h30, minha mulher foi para o quarto... dormir. O João, idem, coagido pela mãe que ostentava, neste instante, uma tromba que se arrastava pelo chão. Terminei meu texto e fui ler, com esperança de dias melhores. Domingo receberíamos um grupo grande para almoçar em casa. Torcia para que a tromba desaparecesse.
 
Errei de novo. O almoço foi uma delícia, preparado por minhas queridas amigas cubanas Guadalupe e Aniete Renom. Nada conhecia da culinária da ilha dos irmãos Castro e, de uma tacada só, experimentei tostones (banana verde frita), chicharritas (idem, mas como se fossem chips), tasajo (paçoca de carne seca e pimentões) e boniato (batata doce com açúcar mascavo). Continuei experimentando também a fúria da minha mulher, que ganhou reforços importantes quando a bunda da Paolla Oliveira surgiu no meio do almoço.
 
Mulheres são, essencialmente, cruéis quando se referem umas às outras. E foi assim que, naquela tarde marcada por sabores caribenhos, a perfeita bunda da Paolla Oliveira acabou reduzida a uma massa flácida e disforme, sem atrativos ou encantos. Minha mulher, como fazia há dias, menosprezava Paolla. Aniete, aparentemente ainda sob efeito da anestesia a que fora submetida semanas antes, dizia que a Paolla tinha “bunda gorda”. Uma prima, Maira, que é dentista, deu o golpe mais baixo. “Olha o rosto dela. Tem mordida cruzada”. Hã? Como? Fiquei pasmo. Diante da perfeição esculpida em forma de bunda, minha prima criticava a moça por conta da mordida? Paolla pode ter a mordida invertida, cruzada, espelhada que, ainda assim, não faz a menor diferença. Pergunte para qualquer homem. Aposto.
 
É claro que a tromba da minha mulher continuou grande a semana inteira. De nada adiantaram meus esforços para mostrar que o mundo inteiro falava da Paolla, que a cena tinha sido vista milhões de vezes, que o Roberto Carlos tinha classificado a bunda da moça como “fantástica!”, ou mesmo o apelo do João, que passou a dizer que “mamãe é muito mais bonita”. Foi inútil.
 
Ontem, percebi um sorriso sarcástico. Foi logo depois da Milena descobrir que Danny Bond morreu no capítulo final de Felizes para sempre?. “Bem feito”, regozijava, como se o triste fim do personagem fosse capaz de arruinar os dotes de Paolla. Fiquei quieto. Confesso que estou com um pouco de receio do que pode acontecer quando minha mulher, que nem imagina o tema desta coluna, abrir hoje a página 3 do Comércio. No mínimo, a tromba chega a Restinga. Paciência. A bunda da Paolla vale a ousadia.
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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