Tapioca, coco e maracujá


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Pudim brasileiríssimo, pelos ingredientes nativos que o compõem, é iguaria que vem dos tempos da colonização portuguesa  e costuma agradar como sobremesa ou naquela hora em que bate a vontade de comer um doce
Pudim brasileiríssimo, pelos ingredientes nativos que o compõem, é iguaria que vem dos tempos da colonização portuguesa e costuma agradar como sobremesa ou naquela hora em que bate a vontade de comer um doce
Há um certo preconceito a respeito da culinária desenvolvida pelos nosssos índios, tida como primitiva. Melhor adjetivo seria “simples”. Porque basta dar uma olhada nos alimentos que conseguiam elaborar a partir da mandioca, para reconhecer que revelavam criatividade, se mostravam habilidosos. Quando se sabe que criaram mais de trinta tipos de beijus, passa-se a respeitar mais essa gastronomia só aparentemente selvagem. Havia o beiju simples, tipo de bolacha feita com a massa de mandioca passada pela urupema, peneira de fibras vegetais. O beiju-ti canga, seco ao sol. O beijuaçu, usado para fazer um tipo de mingau. O curadá, misturado a castanhas. O tarubá, envolto em folhas de bananeira antes se serem assados. E outros.
 
Presente na Amazônia há pelo menos 7 mil anos, a raiz foi a base da alimentação de muitas tribos indígenas sul-americanas; e também dos colonizadores, a partir da chegada dos navegantes da Península Ibérica à América dita portuguesa. O escrivão Pero Vaz Caminha a cita na carta em que dá notícias do descobrimento ao rei de Portugal, Dom Manuel, o Venturoso. Cinquenta anos depois, o padre José de Anchieta a chamou “pão da terra”. O historiador Joselito Motta lembrou em suas obras que “não fosse sua presença, a ocupação das terras brasileiras teria sido mais difícil”. E o folclorista Luís da Câmara Cascudo criou para a planta um aposto: “a rainha do Brasil”. 
 
Logo nas três primeiras décadas da chegada da esquadra lusitana, os portugueses que se fixaram em Pernambuco perceberam o fundamental papel representado pela raiz na sobrevivência dos índios que a chamavam mandioca. Sua importância já estava implícita na mitologia subjacente à palavra e remetia à expressão “morada de Mani’. Essa Mani era uma indiazinha diferente, que nascera muito branca numa tribo que se distinguia pela cor acobreada da pele. Diferente em tudo, suave e amorosa, morreu menina e foi enterrada pelos pais inconformados. Pois não é que na cova rasa brotou , nove meses depois, uma planta cujas raízes eram saborosas e nutritivas? Acharam que era um presente de Tupã ao povo de Mani. Comiam-na cozida e assada. Descobriram que poderiam ralá-la e extrair seu líquido, separando sua massa. Com o primeiro produziram bebidas como o taquiri. Com a segunda, farinha, polvilho e... tapioca, este nome poético que significava “pó que coagula”.
 
Desde o início os colonizadores perceberam que a tapioca servia como bom substituto para o pão. Bastavam goma e água para formar as placas nas gamelas de barro colocadas sobre as fogueiras. Assim, uma das primeiras edificações erguidas pelos portugueses em Olinda foi uma Casa de Farinha. Depois viria a de Itamaracá. Sustento garantido, a tapioca logo se espalhou pelos demais povos indígenas, como os cariris no Ceará e os tapuias na Amazônia oriental. Posteriormente entrou na dieta dos africanos escravizados no Brasil. Tudo isso serviu para transformá-la num dos mais tradicionais símbolos da culinária nordestina.A tapioca de maior qualidade ainda vem daquela região brasileira. 
 
Não faz muito tempo, atraiu a atenção de alguns criativos chefs. Eles criaram versões inovadoras com o ingrediente. Uma delas, assinada por Claude Troigros, emprega a goma de tapioca (em bolinhas de cerca de meio centímetro de diâmetro, que lembram o sagu) banhada com molho Shoyu, produzindo um acompanhamento de cor escura para peixes. Ficou com aparência de caviar. E passou a ser chamado justamente de ‘caviar de tapioca.’
 
E é com este tipo de tapioca que fiz o pudim da foto. Ela é vendida nos supermercados pela Yoki com o nome de tapioca granulada. O primeiro passo é hidratá-la com leite fervente. Um litro para 200 gramas. Vai demorar uma hora para que as bolinhas bebam todo o leite e fiquem macias. Mexa de vez em quando para que não empelotem no fundo da vasilha. Ao mingau formado acrescentam-se pela ordem: ovos bem batidos, leite de coco, leite condensado, coco ralado. A cada adição volte a mexer bem. Estando pronta a mistura, caramelize uma forma redonda, com buraco no meio, e despeje a massa. Cubra com papel alumínio, leve ao forno já aquecido a 220 º, em banho-maria. Depois de meia hora retire o papel e mantenha no forno a 180 º por mais 30 minutos ou até que espetando um palito na massa este saia limpo. Enquanto o pudim assa, faça a calda que vai acompanhá-lo. Corte ao meio dois maracujás grandes (ou quatro pequenos), retire a polpa, mantendo as sementes. Leve ao fogo numa panelinha, cubra com água, junte o açúcar. Ferva em chama baixa até engrossar. Resfrie, leve à geladeira e sirva ao lado do pudim, que deve estar também bem gelado. 
 
Dois adendos. O coco não é nativo do Brasil. Sua história em nosso país é quase lúdica: chegou nas ondas do mar, escapado dos porões de navios naufragados na costa brasileira. Enterrado naturalmente pela força das águas sobre a areia, mostrou que havia encontrado ambiente tão propício como o das Indias, seu torrão de origem. Em algumas décadas o litoral nordeste seria marcado pelos lindos coqueirais. Mas o maracujá é coisa nossa até no nome, que desmembrado é uma frase: maracu’ya, algo mais ou menos como “fruto que se serve na cuia”. Podia ser também denotativo, reconheçamos, o idioma que Anchieta verteu, depois de estenuante trabalho, para o português. 
 
 
INGREDIENTES
 
 200 gramas de tapioca
 200  gramas de coco ralado
 1 litro de leite
 1 vidro pequeno de leite de coco
 1 lata de leite condensado
 2 ovos 
 1 pitada de sal
 
Para a calda
 2 maracujás grandes (ou 4 pequenos)
 ½  xícara (chá) de açúcar
 2 xícaras (chá) de água
 
porção: 4 pessoas
dificuldade: fácil
preço: médio

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