Adeus, ano velho

Sempre tive implicância com Pollyana, personagem imortalizada pela escritora americana Eleanor Porter na obra homônima que se tornou um clássico.

28/12/2014 | Tempo de leitura: 5 min

“O que não provoca minha morte faz com que fique mais forte”
Friedrich Nietzsche, filósofo alemão


Sempre tive implicância com Pollyana, personagem imortalizada pela escritora americana Eleanor Porter na obra homônima que se tornou um clássico. O tal “jogo do contente”, ao qual a personagem sempre recorria para ver tudo, qualquer que fosse a desgraça, sob uma ótica positiva, nunca fez para mim o menor sentido. Longe de mim ser pessimista, mas sempre acreditei que negar um problema não o torna menor. Parei o livro antes do fim.

Me lembrei disso porque, nas sempre necessárias reflexões de fim de ano, a conclusão possível sobre 2014 é que não vai deixar saudades. Nem para quem apelar ao “jogo do contente”. Tivemos, por exemplo, a Copa do Mundo. Se o fiasco que muitos previam não aconteceu, quando se examina o resultado final há pouco a comemorar. Os estádios, com raras exceções, são elefantes-brancos de bilhões de reais. Os ganhos de mobilidade urbana e infraestrutura foram mequetrefes. Dentro de campo, o único feito da seleção foi apagar da memória a vergonha da primeira Copa no Brasil. A falha do goleiro Barbosa diante do ataque uruguaio nos anos 50 é nada perto da humilhante goleada de 7 a 1 sofrida pela milionária seleção de Scolari contra a Alemanha. É verdade que os torcedores deram show. Mas somos assim. Não precisamos de Copa para fazer festa. Muito menos, festa tão cara.

Depois, vieram as eleições. E, com a disputa, a comoção provocada pelo estúpido acidente aéreo que matou Eduardo Campos (PSB). Coube a Marina Silva (PSB) a missão de substituí-lo. No começo, foi bem. Bastou para que máquina da infâmia controlada pelos amigos do ex-presidente Lula entrasse em ação. Cumpriram a missão. Em poucos dias, destruíram Marina — que, registre-se, também se mostrou aquém da resiliência que se espera de alguém que ocupe a presidência.

Aécio foi um pouco mais longe mas, com Marina fora do jogo, virou alvo único. Além dos problemas reais, como o mal-explicado aeroporto de Cláudio (MG), Dilma tascou em Aécio as pechas de exterminador de programas sociais, de drogado, de vagabundo. Ainda assim, os eleitores racharam e Dilma quase perdeu. Em São Paulo, tomou uma lavada. Mas, em Minas, aconteceu o que ninguém esperava. Aécio foi derrotado e Dilma acabou reeleita.

O escândalo da Petrobrás enojou o Brasil e, dado o tamanho da empresa e suas ramificações por distintos países, assustou o mundo. As revelações do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor Paulo Costa acabaram levando à prisão o primeiro escalão das maiores empreiteiras nacionais. O rombo se mede na casa dos bilhões de dólares. Dilma tem tentado se defender dizendo que não sabia de nada, papel representado também por sua amiga Graça Foster, presidente da Petrobras, que igualmente jura inocência. Só não consegue ser convincente sobre porque não agiu após ter recebido inúmeros e-mails direcionados a ela, com denúncias, desde 2009. Se a comandante de uma gigante como a Petrobrás, com centenas de advogados à sua disposição, nada faz de efetivo diante de relatos de corrupção, de duas uma: ou é corrupta ou é burra. Qualquer que seja a opção, não poderia ficar no cargo. Mas Graça Foster permanece.

Aqui em Franca, Alexandre Ferreira (PSDB) continuou absorto na gestão de uma cidade que só existe na sua cabeça. Fez ouvidos moucos para a série de sete mortes por falha de atendimento na rede de saúde pública. Não puniu ninguém, não se desculpou e as sindicâncias que diz ter aberto há um ano, obviamente, não chegaram a conclusão alguma.

Enfrentou ainda denúncias do Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) por uma série de irregularidades na área. A principal, um esquema que ficou conhecido como “indústria de horas extras”, artifício pelo qual alguns médicos ganhavam de R$ 40 mil a R$ 83 mil num único mês por plantões que não seriam possíveis nem se o dia tivesse 72 horas.

Houve ainda o fim das parcerias com os programas Jornal Escola, do Comércio, e Proerd, da Polícia Militar, ambos gratuitos para os cofres públicos e que ajudavam a educar milhares de crianças; o truculento enfrentamento dos servidores durante a greve; a pressão sobre a Câmara de Vereadores; as denúncias de corrupção na Feac e na Copel, a buraqueira por toda a cidade.

Neste 2014, perdi uma eleição. Se é verdade que fiquei extremamente honrado pelos quase 30 mil eleitores que me confiaram seu voto e aos quais serei eternamente agradecido, que minha equipe lutou com bravura, e que sai transformado da disputa, também é verdade que não alcancei o resultado pretendido. Queria ser deputado federal para participar de discussões que, tenho certeza, são fundamentais para o país, além de defender Franca e região com paixão e energia. Não deu.

Poderia dizer que faltou apoio do partido, que enfrentei boatos mentirosos, que esperava muito mais de alguns políticos que se diziam meus amigos, que fui prejudicado por alianças impensáveis de pessoas que eram adversários viscerais mas que se juntaram vergonhosamente apenas para me atrapalhar... Tudo isso é fato, mas não justifica, nem explica. Perdi porque faltaram votos. É matemática.

Paciência. O ano, felizmente, está chegando ao fim. Enquanto lamento os últimos mensaleiros petistas deixarem a prisão, vou ler O zero e o Infinito, de Arthur Koestler, presente de Natal de uma amiga. O romance aborda os horrores do totalitarismo e a coragem que alguns indivíduos têm de se opor à tirania. Pollyana, nem pensar. Adeus, ano velho. Que venha logo 2015.

Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN
email - jrneves@comerciodafranca.com.br 

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