Milagre em três minutos

Quando parti para os Estados Unidos com minha família e um grupo de amigos, no início do mês de novembro, esperava muita coisa. Queria descansar

14/12/2014 | Tempo de leitura: 5 min

“As viagens dão uma grande abertura à mente: saímos do círculo de preconceitos do próprio país e não nos sentimos obrigados a assumir aqueles dos estrangeiros”
 
Montesquieu, político e escritor francês
 
 
Quando parti para os Estados Unidos com minha família e um grupo de amigos, no início do mês de novembro, esperava muita coisa. Queria descansar depois da exaustiva maratona eleitoral. Desejava revisitar alguns lugares que já tinha tido a oportunidade de conhecer ao mesmo tempo em que exploraria novos destinos com os quais sonhava há tempos, como a mítica Savannah, na Georgia. 
 
Tinha muita vontade de experimentar formas mais baratas de hospedagem e, por isso, em Orlando, havíamos alugado uma casa. Queria estar com meu caçula na Disney enquanto ele ainda acredita que heróis, princesas e fadas - para não falar do Mickey, Donald e Pluto - são reais. Enfim, queria me lançar em companhia de pessoas queridas nos prazeres que só uma boa viagem pode proporcionar.
 
O que nunca poderia imaginar é que uma das maiores surpresas experimentaria no número 3250 da Vineland Road, uma avenida gigante que corta Kissimmee, nos arredores de Orlando, na Florida, e onde está instalado um WalMart. Isso mesmo, um supermercado.
 
Era noite de sábado, 22 de novembro. O dia, chuvoso, não chegara a atrapalhar nossas aventuras no SeaWorld, parque onde a grande atração é o show da Shamu, a “baleia-assassina” - na verdade, como toda Orca, um golfinho. Antes de voltar para casa, passaríamos mais uma vez no Walmart para nos abastecer com comidas, bebidas e o que mais fosse preciso para a “nossa” casa de Orlando. As mulheres estavam mais interessadas nas virtudes de um certo “creme” para os cabelos, um troço chamado “Aussie”.
 
Logo nos esparramamos pelos imensos corredores. Eu fui com João tratar de comprar queijo, pão e leite. Um grupo se enfurnou na seção de roupas. Pouco depois, reencontramos minha mulher; minha mãe; Dulce Xavier, grande amiga; e a sua filha, Ana Flávia. Pareciam confusas. O tal creme não era único. Havia várias opções e, naquele instante, discutiam se o “certo” a comprar era o Moist, o You can Shine ou o Confidentialy Clean
 
Como elas pareciam estar sem ter muito o que fazer, resolvi pedir ajuda. Apesar de habitualmente rejeitar encomendas, havia aceitado a “missão” de encontrar uma raquete de tênis para uma amiga querida. Uma Wilson BLX Juice 100. 
 
Já tinha procurado a tal raquete pelo surpermercado, em vão. Cansado, pedi que me ajudassem com a “encomenda”. Abaixei o rosto e comecei a ler no celular as especificações. “Gente, é uma raquete Wilson BLX...” De repente, ouvi uma correria. Levantei os olhos e, surpresa, estava sozinho. Alguém deu “salve” alertando que os cremes estavam acabando e o mulherio partiu feito boiada quando estoura. Me deixaram ali, com o carrinho de compras, e voaram rumo à prateleira do “Aussie”. Nem minha mãe me esperou.
 
Quando enfim as alcancei, vi um “enxame” de brasileiras disputando frascos - as francanas, entre elas - que eram repostos incessantemente. O rapaz colocava na prateleira, as tresloucadas pegavam. Por ali, português era o idioma dominante. Uma mulher, mais afoita, avançava sobre o repositor do supermercado e pegava direto das caixas seus cremes. 
 
O que explica o frenesi causado por este creme inventado por um americano que se encantou com ervas australianas como Blue Gum Leaves e Mint Balm depois de uma viagem ao país dos cangurus nos anos 80, fez fortuna com o Aussie 3 Minute Miracle e depois vendeu tudo para a gigante dos cosméticos P&G, nada tem a ver com suas prometidas propriedades miraculosas. É, antes de tudo, uma questão de preço.
 
No Brasil, cada frasco é vendido por preços que variam de R$ 49,90 a R$ 79,90. No supermercado americano, sai por US$ 3,79 - menos de R$ 10. A diferença entre o que se paga lá e aqui pelo mesmo produto varia de 400% a 700%. Já tem gente vivendo de “traficar” o creme. Quem consegue trazer trinta xampus na mala para revender paga com o lucro o custo da passagem. 
 
O que se vê com o xampu se repete com inúmeros outros produtos. O novo celular Iphone 6, vendido no Brasil por R$ 3.999, sai por R$ 2.200 nos Estados Unidos, cerca de 40% a menos. Um tênis Nike Schox, comercializado por R$ 699 por aqui, custa R$ 190 por lá - três vezes menos pelo modelo idêntico.
 
É por isso que a presidente Dilma Rousseff pode continuar taxando em 6% as compras no Exterior com cartão de crédito, pode mandar apertar o cerco na alfândega, pode desvalorizar o real, pode limitar quantos dólares o brasileiro pode levar em espécie ou ainda continuar restringindo as quantidades de produtos que cada viajante pode trazer que o resultado será o mesmo: nenhum. Os brasileiros continuarão viajando - e comprando - muito simplesmente porque vale a pena. Quem tem chance, não desperdiça. 
 
Enquanto não se resolver o absurdo “Custo Brasil”, que pune as empresas instaladas no país com uma carga tributária insana, com normas trabalhistas retrógradas e com juros estratosféricos, qualquer tentativa de fazer do país uma nação competitiva não passará de mera ilusão. Que o diga a P&G e seu creme “Aussie”. Um “milagre” para as madeixas que custa, no Brasil, sete vezes mais do que o mesmo produto em qualquer gôndola de supermercado americano.
 
Em tempo: consegui comprar a raquete em Miami, no penúltimo dia de viagem. Paguei por ela três vezes mais barato do que no Brasil. 
 
PS. Muito obrigado ao professor Everton de Paula que me substituiu, com grande competência e elegância, ao longo dos últimos meses. Valeu!
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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