Há dez dias, a Polícia Civil de Franca realizou uma mega operação em conjunto com o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), que culminou na prisão de uma quadrilha especializada em falsificar agrotóxicos. Foram presas 24 pessoas e apreendidos mais de 60 veículos. A organização criminosa havia montado uma estrutura empresarial com subdivisões e tarefas para a produzir, falsificar, embalar, vender e distribuir os defensivos agrícolas.
As provas reunidas contra os acusados foram tão contundentes que a Justiça decretou, sexta-feira, a prisão preventiva dos envolvidos no esquema.
Comandante das investigações e da operação que dizimou a “máfia do veneno”, o delegado Leopoldo Gomes Novaes falou ao Comércio sobre o nível de excelência alcançado pelos falsificadores
Como o grupo agia?
Eles eram especialistas em todas as etapas da falsificação destes agrotóxicos e isto foi confirmado pelos representantes das multinacionais. Os profissionais compareceram aqui na sede do 3º DP, na primeira etapa de diligências realizadas pela Polícia Civil e Gaeco quando da localização e fechamento dos laboratórios e barracões de estoque de produtos já finalizados ou não da quadrilha. Estes especialistas das empresas confirmaram que nunca tinham visto uma falsificação com tanta perfeição. Eles colocaram, inclusive, os produtos contrafeitos ao lado de produtos originais e, até eles mesmos, de forma ocular, não conseguiam distinguir qual era o verdadeiro e o falsificado, o que foi constatado através de análise por peritos. Os rótulos falsos são idênticos aos verdadeiros, perfeitos.
Quais era as etapas da falsificação?
Os membros da organização criminosa falsificavam tudo. Existia uma linha de produção como se fosse uma indústria para a geração de lucro ilícito. Eles falsificavam número de lotes, caixas, rótulos para estampagem, etiquetas de vedação, lacre, galões, tampas, fitas adesivas e, até mesmo, nomes das multinacionais que eram estampados em baixo relevo nos galões para contenção dos defensivos agrícolas, seja líquido ou em pó, que eram vazados dentro destes recipientes.
Ainda antes da mega operação, um computador que funcionava como uma espécie de laboratório onde estavam cópias do material gráfico usado na falsificação foi encontrado pela polícia. Como se deu esta apreensão?
Foi na primeira etapa da investigação, quando fizemos o levantamento da prova material da existência do crime. Um dos envolvidos tinha uma gráfica. Lá, além de um notebook com software de alta tecnologia com vários arquivos contendo os lotes, selos e marcas já falsificadas, havia maquinário apropriado para a impressão destas numerações de lotes que eram feitas em rótulos, até mesmo já prontos, que era impressos em máquinas offset em outra gráfica. Uma pessoa envolvida disse diretamente aos policiais que, preliminarmente, pegava um rótulo verdadeiro e, a partir dele, usava seu trabalho intelectual para a construção de um falso, que ficava idêntico ao verdadeiro.
O defensivo agrícola também era parecido? Havia algum resquício do original ou era 100% ineficaz?
Ainda não temos esta conclusão. Algumas multinacionais já emitiram seus laudos e concluíram que em alguns dos produtos falsificados não existia a presença do princípio ativo necessário para a eficácia na lavoura. Mas, mesmo sem a presença deste princípio ativo, temos que nos atentar para o mal que este produto pode causar à saúde humana e ao meio ambiente. Até este momento, nesta fase embrionária de investigação, não temos como levantar ou concluir o grau de ineficácia ou mal que este produto causou. Certamente, muitas pessoas podem ter sofrido algum problema de saúde por terem manuseado ou ficado expostas ao produto, mas o nexo causal entre o contato do ser humanos com os produtos distribuídos de forma irregular por esta quadrilha, até este momento, a Polícia Civil não tem.
A falsificação era de apenas um produto ou de diversos itens?
O rol de produtos falsificados pela quadrilha era muito extenso. Acredito que sejam pelo menos 15 produtos atrelados a várias multinacionais. Até o final da investigação, que vai demorar haja vista a complexidade, teremos condições de afirmar quantos produtos eram falsificados e quantas empresas foram lesadas por este tipo de crime, principalmente, contra suas patentes.
A polícia e o Ministério Público descobriram que um “braço” da organização também era especializado em falsificar notas fiscais. Como isto era feito?
Apreendemos computadores em uma gráfica de Franca. Numa análise prévia, nossos investigadores já localizaram arquivos em forma de PDF contendo estas notas fiscais falsificadas, comprovando-se que os indícios que a polícia já tinha foram totalmente confirmados. Nos celulares apreendidos também localizamos mensagens entre os integrantes da quadrilha, pelo whatsApp, um pedindo ao outro a confecção de produtos ou notas. Esta linha investigativa, com a soma de provas, comprova que, realmente, esta organização criminosa era especializada na produção ilícita de veneno em Franca.
Os proprietários de lojas que vendem agrotóxico e que comprovam produtos da quadrilha sabiam da falsificação ou também foram enganados?
Possivelmente, vários foram enganados. A única afirmação que podemos fazer até o momento é que uma empresa investigada neste procedimento sabia que os produtos eram falsificados. O proprietário está foragido.
Qual a movimentação financeira dos falsificadores?
É uma somatória milionária. Não tem como quantificarmos o giro diário ou mensal que esta quadrilha movimentava. Pela análise das notas fiscais que temos, podemos afirmar que o giro mensal era milionário. As notas apreendidas variam de valores entre R$ 60 mil e R$ 300 mil, o que mostra o tamanho das vendas efetuadas. O preço dos produtos não é muito diferente dos praticados pelo mercado, mas eles ganhavam com o custo baixo da produção. A fórmula de um princípio ativo de um produto desenvolvido por uma multinacional, por exemplo, custa milhões. Eles faziam por valores irrisórios. O que também gerava um lucro avantajado, exacerbado para esta quadrilha e seus integrantes é que não havia a contribuição fiscal, pois a atividade era ilícita. Então, desta forma, o lucro era imenso, extremo e superior ao gerado pelo tráfico de entorpecentes.
Quando a quadrilha começou a falsificar agrotóxico?
Várias denúncias chegaram aqui na delegacia dando conta de que há mais de uma década este pessoal atua na cidade. Eles trouxeram esta prática para Franca e começaram a falsificar o veneno. No começo, não tinham a organização atual. Ao longo dos anos, passaram a se aperfeiçoar e construíram esta verdadeira organização criminosa de forma industrial. Desde 2010, alguns integrantes já respondem a processo pelo crime.
Há notícias da existência de outros esquemas semelhantes de falsificação de agrotóxico em outras regiões do País?
Franca era o foco desta produção irregular, mas acredito que esta modalidade criminosa deve estar espalhada pelo território nacional. Depende da Polícia Civil, do Ministério Público contribuir para descobrirmos estes pontos de falsificação, de cometimento de delito, para que o Estado se faça presente e restabeleça a segurança.
A operação realizada em Franca foi coroada de êxito e teve repercussão, inclusive, fora do País. O senhor acredita que o exemplo adotado para combater os falsificadores possa ser utilizado por outras forças de segurança para desmontar esquemas semelhantes?
Nós já estamos sendo procurados em busca de informações. A partir de agora, com esta repercussão que foi dada a este caso, novos procedimentos de investigação serão adotados e padronizados pela Polícia Civil e Ministério Público.
Durante as investigações, iniciadas em julho, chamou a atenção o poder de reestruturação da quadrilha. Mesmo tendo produtos avaliados em cerca de R$ 6 milhões, os integrantes continuaram trabalhando como se nada tivesse acontecido. Agora, o esquema foi desmontado de vez ou ainda há risco da empresa clandestina voltar a falsificar?
A única maneira da quadrilha não se reorganizar é que eles permaneçam preventivamente presos. A prova que tivemos é que as ações iniciais de repressão por parte da Polícia Civil não foram suficientes para frear a movimentação da quadrilha. Então, numa sensação utópica ou até mesmo falsa de impunidade, apreendemos grande parcela do poderio material que eles tinham de falsificação, mas rapidamente eles se reestruturaram e montaram os laboratórios e ponto de ocultação, que foram dizimados agora com a realização da operação e prisão dos envolvidos.
Os integrantes teriam adquirido imóveis em nomes de terceiros. Será possível fazer a recuperação?
Isto será uma nova etapa da investigação. Faremos uma reunião com integrantes do Ministério Público para vermos os próximos passos a serem tomados neste linha investigativa. Seria prematuro dizer algo no momento. Podemos dizer apenas que a investigação está em pleno andamento. A prisão dos integrantes foi apenas uma etapa. Primeiro, fizemos o levantamento da prova material. Depois, as prisões dos envolvidos. Na terceira etapa que se inicia, o desafio será a comprovação da lavagem de capital.
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