O primeiro criador de um Clube de Livros no Brasil
O meu primeiro encontro com o escritor e editor Mario Graciotti se deu durante um almoço num sábado, no restaurante da União Brasileira de Escritores, por volta de 1960. Fui levado pelo contista João Antônio para conhecer a entidade.
Na saída, Mário Graciotti, inesperadamente, por cortesia, conversou um pouco comigo e João Antônio. E foi embora, entre os demais, naquele andar lento e firme, meio bamboleante.
Mal sabia eu que, poucos anos depois, já na secretaria da entidade, seria por ele convidado para trabalhar no Clube do Livro (fundado em 1942), no período da manhã. O Clube do Livro foi o primeiro e ainda era o único clube de livros do País. Sua rede de associados, que recebiam um livro por mês a preço barato, porque não existia intermediário, ia de Manaus ao Rio Grande do Sul, entrava por Minas, Goiás e Mato Grosso. Isso naquela época era um grande feito. Tiragem mensal de uns cinquenta mil exemplares. Outro feito notável.
Então passei a trabalhar no Clube do Livro, sentado numa cadeira giratória e mesa de trabalho do próprio Mário, porque ele só aparecia no período da tarde. E quando vinha pela manhã não permitia que eu lhe entregasse o seu lugar. De longe, já ia dizendo, naquele vozeirão:
- Não se levante. O lugar é seu pela manhã.
Passei a tomar conta da correspondência e fiz excelente amizade com o Rinaldo Possanzini, gerente da empresa, primo do Mário, sócio minoritário. Integrei-me ao pessoal todo. Fui subindo, subindo, e entregaram-me, por fim, todo o Departamento do Interior da editora.
Mário Graciotti era um excelente patrão. Praticamente todos os meses reunia os funcionários, uns vinte e cinco, e oferecia um lauto jantar em um restaurante de primeira qualidade. Conversava com o Rinaldo a meu respeito e, em consequência, recebi aumentos continuados.
Gostava imensamente de ser homenageado. Ficava emocionadíssimo quando recebia uma láurea, uma medalha qualquer. Recebera dezenas. Exibi-as para nós. Mas aquilo era o jeito dele, porque pessoalmente não era nada vaidoso.
Deixou uma obra muito grande e valiosa. Algumas alentadíssimas, como, para só citar esta, Viagem ao Redor das Origens, ricamente ilustrada, com uma bibliografia imensa sobre autores que estudaram a origem do universo e da vida.
Repetia para mim:
- Seu Caio, sou um modesto filho de italianos aqui do bairro do Bom Retiro, onde nasci em 1901. Cheguei a isto com o meu próprio esforço. Minha obsessão é levar o livro a todos os lares. Bendito seja o meu amigo Monteiro Lobato. Mirei-me nele.
Homem vigoroso, sempre com ideias novas, todas voltadas para essa cruzada. Não parava de elogiar Castro Alves:
- Aquele menino, um gênio de vinte e poucos anos, mostrou-me, em poucos versos, o caminho deste País e ninguém, até hoje, lhe deu ouvidos.
E recitava a estrofe de O Livro e a América, impressa obrigatoriamente na contracapa de todas as edições do Clube do Livro.
Oh, bendito o que semeia
Livros, livros a mão cheia,
E manda o povo pensar...
O livro, caindo n’ alma,
É germe que faz a palma,
É chuva que faz o mar...
Com a saída do Rinaldo, que se mudou para o interior, ele passou o Clube do Livro para a direção a Revista dos Tribunais, e esta, sem maior interessse em levá-lo à frente, vendeu-o à Editora Ática, onde fiquei pouco tempo e me aposentei.
Mário Graciotti, praticamente sem ter o que fazer, viúvo, casou-se, com mais de oitenta anos, com uma senhora, viúva como ele. Uma maneira de não viverem solitários. Mas a solidão continuou, particularmente depois que foi vítima de uma isquemia cerebral, na caminhada dos noventa. Forte como era poderia chegar aos cem. Embora o acidente isquêmico não o tivesse afetado muito, não suportava aquela situação. Pouco ia à Academia Paulista de Letras, à qual pertencia.
No final do ano de 1994, sozinho na sua casa, vendo-se não mais o Mário Graciotti de outros tempos, resolveu, pelas próprias mãos, dar fim à sua caminhada nesta Terra...
Caio Porfirio, escritor, crítico literário, secretário administrativo da União Brasileira de Escritores, ganhador do Prêmio Jabuti
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