Três pequenas notas

Por mais que haja boa vontade

23/11/2014 | Tempo de leitura: 5 min

“Todo o problema do mundo é que os tolos e os fanáticos estão cheios de certezas, e as pessoas mais sábias cheias de dúvidas”.  
 
Bertrand Russel, filósofo britânico (1872-1970)
 
 
Por mais que haja boa vontade
 
Não são tempos fáceis os de agora, convenhamos. Tenho me mostrado preocupado, no melhor estilo Machado de Assis: “Mudou o Natal ou mudei eu?” Em outras palavras, mudaram os tempos ou fui eu que me tornei mais ranzinza?
 
Minhas críticas até que encontram fundamento em razões fortes o suficiente: o avanço do uso das drogas, a aluna de saia curtíssima em sala de aula ocupada com seu celular, enquanto você se mata para ensinar algumas regras básicas de gramática; a nova onda “cultural” que tem trazido as piores composições musicais possíveis e o pior das manifestações artísticas; a mídia impressa e televisiva partidária com tendência à esquerda radical; as mentiras deslavadas de nossa presidente; a desfaçatez com o nosso dinheiro pelos ilustres parlamentares públicos e homens de megaempresas estatais; o trânsito infernal; o desrespeito à pessoa humana, o excesso de egoísmo, o bombardeamento de informações eletrônicas que geram desconfiança da veracidade em cada uma delas; o que fazem (ou deixam de fazer) com nosso dinheiro arrecadado em impostos mil, o estreitamento do direito de ir e vir...
 
Enfim, não é nem de longe uma época a que se possa chamar de “anos dourados”, mas moralmente de “anos de lama”. E olhe que não adianta lutar contra a maré, por mais que haja boa vontade. Numa época assim, o cidadão comum será sempre um estranho, quase à margem da história.
 
 
Kaizen
 
E vinha eu com esses pensamentos traduzidos em formas de aula mais ásperas em palestras mais assertivas em assessorias mais pragmáticas que humanas (caso contrário não se obtém uma linha ascendente no status e na receita da instituição). Até que, após a publicação do artigo Massa e povo, recebi um curto recado de um amigo a quem prezo bastante, de cujas palavras e atitudes bebo o melhor dos exemplos: “Ah, que saudades do Everton idealista e músico. O que te piorou tanto, criatura?”
 
A pergunta não teria me incomodado tanto se não fosse articulada por uma das pessoas que mais admiro em minha vida, embora não tenhamos convívio apertado. Agradou-me por um lado saber que lhe fui “um bom moço”, idealista e músico por um tempo a seus olhos. Mas doeu o perguntar sobre que afinal havia me piorado tanto.
 
Sinal de que não estão dando muito certo os exercícios do processo de “o que estou fazendo para me tornar uma pessoa ainda melhor.” 
 
Convenhamos: você melhora um pouco aqui, vem a vida como uma forte onda do mar e desmancha o seu castelo de areia pleno de bondades. Parece que a história da andorinha que insistia em apagar o incêndio de uma floresta toda com algumas gotas de água caídas de seu bico e frágeis asas não passa de uma história mesmo. “Eu estou fazendo a minha parte”; convencionalmente comporto-me como pessoa idônea, honesta, amiga, sincera, empática - mas não é o suficiente ante o banditismo que avassala nossos quarteirões, ante a brutalidade dos mais fortes, a carestia da vida, a corrupção dos intocáveis e, se tocáveis, impuníveis.
 
Mas, atenção: reitero e defendo todos os meus argumentos expostos no artigo citado. Acredito, sim, que haja gente desleixada e gente ordeira, que haja quem acata os ditames da civilização e quem debocha deles, o que nos leva às categorias de povo e massa. Acredito, ainda, que essa divisão inexorável seja fator de tantos desentendimentos sociais e tanta inversão de valores. 
 
Já é 2014. Acabaram as big bands, os flertes, o cheque manual, a rotina do trabalho e do chegar a casa cansado, mas recebido com carinho pela família. Acabou-se a instituição escola, o lar desfigurou-se num rol de providências e a própria prece se dilui ante o ruído possante de um maluco pilotanto uma BMW de 750 cc frente a sua casa.
 
Meu bom amigo, perdi o meu cômodo dos discos de vinil, os meus livros se foram, meus amigos se encaramujaram. Bem que fui atrás do arco-íris, mas era simplesmente um arco-íris. As mudanças do tempo tiveram tudo para me tornar pior em relação aos anos 70, embora ainda insista em não vergar ante a ventania.
 
 
Separatismo
 
Com vergonha moral do Brasil, movimento separatista quer plebiscito pela independência do Sul. No encontro realizado dia 20 de setembro, em Passo Fundo, falaram das razões óbvias que possuem para se separar do Brasil. Disseram que tudo o que está errado é traduzido em repulsa ao bolsa família, às cotas raciais, ao processo do mensalão, à corrupção da Petrobras, ao desgoverno do sistema, à arrogância petista, às mentiras de Lula e Dilma.
 
Há implicações sociológicas, econômicas, estruturais, logísticas que devam ser levadas muito a sério quando se fala desvairadamente sobre separatismo. É no mínimo falta de sensatez e ausência de noção logística. O ódio à mentira e à corrupção, entendo-o forte, mas não o suficiente para nos desagregarmos.
 
Por vezes os separatistas da região Sul foram acusados de preconceito e até de aproximação com a filosofia nazista pela imprensa brasileira. Ao mesmo tempo em que encontra forte resistência nos outros Estados, une-se cada vez mais nos quadrantes do sul brasileiro. É um forte sinal de divisão que se tornou mais nítido após a polarização PT/PSDB nas últimas eleições presidenciais. Estamos revivendo a era dos dois brasis, denunciada por Euclides da Cunha no início do século passado. 
 
Everton de Paula, acadêmico e editor 
email  - evertondepaula33@yahoo.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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