‘Aqui em Franca recomecei minha história depois de 17 anos longe dos palcos’


| Tempo de leitura: 8 min
A cantora Fátima Leão, uma das maiores compositoras do Brasil, fala como foi ficar longe dos palcos por quase duas décadas e as dificuldades para retomar o sucesso. Ela compôs a famosa Dormi na Praça, que lançou Bruno & Marrone
A cantora Fátima Leão, uma das maiores compositoras do Brasil, fala como foi ficar longe dos palcos por quase duas décadas e as dificuldades para retomar o sucesso. Ela compôs a famosa Dormi na Praça, que lançou Bruno & Marrone
Os cabelos cacheados vermelhos, a maquiagem e a voz rouca se tornaram suas marcas registradas mas nem de longe traduzem a personalidade de uma das maiores compositoras do Brasil. A goiana Fátima Leão tem em seu currículo quase 2,2 mil músicas, muitas sucessos nas vozes de grandes duplas sertanejas como Zezé di Camargo & Luciano, Bruno & Marrone, Matogrosso & Mathias e Chitãozinho & Xororó.
 
Depois de um início de carreira brilhante no começo dos anos 90, Fátima se casou com o Felipe, da dupla Felipe & Falcão, e passou 17 anos longe dos palcos. Há quatro anos, decidiu colocar um ponto final no casamento e seguir a vida sozinha. Franca faz parte desse recomeço. Foi aqui que ela encontrou amigos para remontar sua banda e força para pegar a estrada novamente. 
 
Hoje ela tem a agenda cheia, com shows em todo o Brasil. Mora em São Paulo, mas pelo menos uma vez por mês faz questão de passar alguns dias na terra que adotou como sua. “Sou apaixonada por Franca e por seu povo”. 
 
No dia 17, Fátima Leão esteve na cidade para mais um show. Mas após um mal estar, ela deixou o palco sem terminar a apresentação. Ela promete fazer novo show, mas ainda não definiu em que data será.
 
Como nasceu sua relação com Franca?
Sempre gostei muito daqui. No início da minha carreira, costumava vir para cá por causa da minha relação de amizade com as duplas Gian & Giovani e Rionegro & Solimões. Depois, a rádio Três Colinas começou a tocar minhas músicas e alcancei um certo sucesso. Em 1992, o pessoal da rádio me chamou para fazer um show na cidade e foi emocionante. O local estava lotado. Todo mundo cantava as minhas músicas. Levei um susto. Não tinha noção do quanto gostavam de mim. Me emocionei e chorei muito. Foi um dos shows mais tocantes que fiz. Depois disso, sempre que tinha algum compromisso por perto, fazia questão de passar um dia aqui em Franca. Quando parei de cantar, Franca foi uma das poucas cidades em que as minhas músicas permaneceram rodando nas rádios. Sou apaixonada por essa cidade e por seu povo. Me sinto em casa aqui. Me sinto amada. Franca me traz paz. Hoje moro em São Paulo mas penso em me mudar para cá.
 
Você disse que parou de cantar. Por quê?
Isso foi em 1993, logo depois do meu auge. Me casei. Mas não foi apenas por causa do casamento. Também tiveram algumas coisas profissionais que prefiro não citar, porque não vale a pena. O fato é que foram 17 anos casada e 17 anos fora dos palcos.
 
Então, o afastamento foi uma opção sua?
Não. Foi por conta do ciúmes, de muita bobeira. Costumo dizer que se fizer um filme da minha vida e o carroceiro assistir no cinema, o burro chora lá no pasto de tanta tristeza. Sofri muito. Não foi uma relação fácil. Tive síndrome do pânico. Ninguém podia chegar perto de mim que já gritava. Entrava em um lugar que se não tivesse alguém conhecido, eu começava a gritar e chorar. Foi muito duro.
 
Quando decidiu que era hora de voltar? 
Ainda lembro com detalhes desse dia. Estava em casa triste em um sábado à tarde quando a minha filha Valéria me visitou e trouxe a música Pecado de Amor para que eu a ouvisse. Me apaixonei. Mas nesta época era proibida pelo meu marido de usar o computador e de falar com as pessoas. Tinha me afastado de tudo e de todos. Foi quando pela primeira vez bati o pé e disse que queria um computador com internet. Levei um ano para conseguir gravar um demo com a música porque não podia ir ao estúdio, não podia sair de casa, não podia nada. Mas consegui. Com a música e o computador em mãos, comecei a usar as redes sociais, na época, o Orkut e o MSN, para falar com os meus fãs. Conversava e pedia a eles que levassem a música para as rádios. E eles me atendiam. Foi assim que recomecei. Acabei me separando e estou há quatro anos retomando a minha vida. 
 
E como foi recomeçar 17 anos depois? 
Foi muito difícil. Fiquei muito tempo afastada, estava enfrentando uma separação, mas consegui me reerguer. O primeiro show que fiz foi no Guarujá por causa da rádio de lá que me ajudou muito. Depois vim para Iturama, perto de Uberlândia, onde abri um show do Zé Henrique & Gabriel. Mas era tudo playback. Não tinha banda. Não tinha estrutura. Não tinha nada... (chora) Mas parecia que não sabia o que estava fazendo. A emoção me tomou uma tal forma que não consegui conter. Eu, ali em cima do palco, via um filme com tudo o que tinha enfrentado nos 17 anos, vi meu sofrimento e senti Deus me abraçando. Senti que aquele era o meu momento, que o palco era a minha vida. Depois com a ajuda de amigos aqui de Franca, montei minha própria banda e comecei a fazer shows. Foi nesta época que conheci o pessoal da Morada do Capiau (casa de shows sertanejos em Franca), que me apoiou muito e me promoveu. Sou muito grata a eles. No começo deste ano, finalmente, consegui realizar o meu sonho de gravar um DVD.
 
Você é considerada a maior compositora brasileira. São mais de 2,1 mil canções. De onde vem tanta inspiração?
Não sei te responder isso. É uma coisa que não tem uma explicação lógica. Simplesmente acontece. Já compus música em três minutos. Na realidade, tem composições que termino de escrever e vou reler e tenho a impressão de que não fui eu que as escrevi. Minhas músicas falam sempre da mesma coisa mas com palavras diferentes. Falam sobre o amor. Acho que foi um dom que Deus me deu. Acho que sou um instrumento dele para tocar o coração das pessoas. É algo mágico. Não sei explicar de onde vêm as letras ou por que elas nascem em mim. Às vezes, acho que é a minha ligação com Deus.
 
Analisando sua obra, é possível perceber que a maioria das composições é escrita para homens. São músicas que tratam a dor e o universo masculino. Por que não compor para mulheres?
Na verdade, componho pensando em nós, mulheres. Pensando no que gostaríamos de ouvir do homem que amamos. Canto uma música como se fosse um homem. Tenho muitos parceiros nas composições, o que acaba influenciando. Trabalho em um universo masculino. São raras as mulheres compositoras no Brasil. 
 
Você também é a responsável pelo sucesso Dormi na Praça, que lançou a dupla Bruno & Marrone nacionalmente. Qual sua relação com eles atualmente?
A história dessa música é muito engraçada. Eu a compus com a ideia de homenagear os pedreiros. Mas não tinha nada que rimasse com cimento, tijolo e pá. Então, me veio a história de um pedreiro que brigou com a mulher, bebeu e deitou no banco da praça. Tinha certeza de que seria um grande sucesso. Antevia isso. Ofereci para o Zezé di Camargo, ele não quis. Ofereci para o Chitãozinho também não quis. Aí apareceu o Bruno, que estava começando a estourar em Minas e me pediu. Eles gravaram e foi um grande sucesso. Minha relação com eles é ótima. Claro que, com a minha carreira, não dá para a gente se ver sempre. Mas nos cruzamos em programas de TV ou festas de peão e sempre me tratam muito bem. São muito gratos a mim e têm um carinho especial.
 
Você foi uma das principais parceiras do Zezé di Camargo nos primeiros anos de carreira da dupla que ele tem com o irmão Luciano. Mas ele não costuma falar sobre você e, no filme Dois filhos de Francisco, você também não é mencionada. Como se sente em relação a isso?
Eu e o Zezé começamos nossa amizade há muitos anos quando ele me pediu ajuda. Nos aproximamos e trabalhamos muito juntos. Mas o tempo é uma coisa complicada. Com o sucesso, algumas pessoas com o pensamento muito diferente do meu foram se aproximando dele. Confesso que não assisti ao filme. Mas o Zezé sabe o que fiz por ele. Ele costuma dizer que dei minhas músicas para a dupla. Mas não foi só isso. Não tenho mágoa porque o que fiz está feito e nada do que o Zezé diga vai mudar isso. Faço parte da história deles e isso não vai mudar. Agora não quero mais olhar para o passado. Tenho minha carreira para cuidar. O que passou, passou.
 
Você é uma das maiores defensoras do gênero sertanejo. Como vê as críticas que este estilo de música sempre recebe?
Vou ser bem sincera sobre isso. Para mim, tudo o que faz sucesso incomoda. Com o sertanejo, não é diferente. No Brasil, é difícil você encontrar alguém que não saiba cantar pelo menos o refrão de uma música sertaneja. Todo mundo sabe, todo mundo conhece. É por isso que somos tão criticados. Acho uma hipocrisia virem e falar que não somos músicos, que o que fazemos não tem valor. Tem sim. O sertanejo é o Brasil. Quem não gosta, não gosta do Brasil. Queria que o brasileiro reconhecesse e se orgulhasse mais dos sertanejos, aqueles que vivem espalhados pelos quatro cantos do país, que não desanimam e que trabalham de sol a sol. Eu, com o tempo, não dou mais importância para as críticas. Para mim, o reconhecimento que preciso vem do público, vem do carinho das pessoas com a minha música e comigo.
 
Você fala sempre em Deus...
Deus faz parte de mim, do que sou, do que faço. Ele foi quem me deu a música, que é a minha vida. Tudo que tenho, consegui com a ajuda de Deus. Nos meus momentos mais difíceis, mais perdidos, foi Ele que me socorreu, me fez levantar e ir adiante. 

Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Comentários

Comentários