O candidato certo

Felizmente, minhas previsões se concretizaram e o melhor candidato teve uma votação das mais consagradoras.

19/10/2014 | Tempo de leitura: 3 min

 “A arte existe porque a vida não basta”.  
 
Ferreira Gullar
 
 
Felizmente, minhas previsões se concretizaram e o melhor candidato teve uma votação das mais consagradoras.
 
Sinto algum leitor do lado de lá fechando a cara e ameaçando até quebrar o computador ou picar em miudinhos as páginas do jornal. Outro, do lado de cá, nem se diga: prepara-se para a mais prazerosa das leituras, depois de imaginar uma virada eleitoral de perder o fôlego.
 
É como garante a sabedoria popular: o apressado come ou quente ou cru, porque vou falar de outra espécie de vitória, envolvendo menos gente, mas nem por isso menos justa ou menos comemorável.
 
É que trinta e seis votantes elegeram para a cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras um belo poeta para suceder a Ivan Junqueira. 
 
Em votação de resultado tornado a público no dia 9, o poeta e prosador maranhense José de Ribamar Ferreira (1930) foi justamente escolhido para ser imortal, embora como há muito tempo já tenha descoberto Coelho Neto, acadêmico no Brasil só é tido como imortal porque nem tem onde cair morto. E, diga-se de passagem: demorou a homenagem, em que pese o rodízio inescapável dos imortais da ABL.
 
Esse tal de José Ribamar Ferreira é bem mais conhecido como Ferreira Gullar, no entendimento de muitos (com os quais concordo), um dos maiores nomes da literatura brasileira contemporânea.
 
Ainda bem que ele aceitou o processo meio vexatório de sair candidato a uma vaga na Academia: tem de pedir voto a cada eleitor, tem de usar fardão verde-amarelo ao menos no dia da posse, tem de ir tomar de vez em quando o chazinho das cinco da tarde, às quintas-feiras, e aproveitar para receber seu gordo jeton relativo a cada comparecimento. Se as coisas não mudaram, cada chegada lá no dia e hora certos rende a cada acadêmico que assine o livro de presenças uns dois mil reais. Nada mau, não é mesmo?
 
É quando penso na triste situação em que se encontram os membros da nossa Academia Francana de Letras. Parece-me já ter passado da hora de a municipalidade arranjar local digno para o estabelecimento e reuniões de tantos que ainda escrevem, e ganham prêmios, e levam o nome de nossa cidade a outras regiões, e colaboram nos jornais locais, e entretêm um número considerável de leitores, alimentando-lhes o espírito de histórias, casos, narrações, sentimentos que nos tornam cada vez um pouquinho melhores.
 
Dois mil mensais. Nunca se esqueça de que um vencedor de Prêmio Nobel leva de uma só vez um milhão de dólares, hoje algo em torno de dois milhões e quatrocentos mil reais. Bem verdade que não se pode comparar o poder de fogo da Academia Brasileira de Letras com o da Fundação Nobel, mantida pelo abençoado remorso do engenheiro sueco Alfred Nobel, inventor da dinamite que tanto faz pelo progresso humano quanto mata ou mutila milhões de vítimas de guerras, rebeliões, acidentes, atentados, barbeiragens.
 
Imaginem agora o poder de fogo da nossa Academia Francana de Letras, que sobrevive à base da contribuição mensal de seus sócios!
 
Bem, Ferreira Gullar, mais conhecido como poeta do que como prosador, pode ser lido com prazer na Folha de S.Paulo, todos os domingos, na Ilustrada. É atento observador das imensas contradições brasileiras, mas tem-se revelado menos pessimista quanto ao que o futuro reserva ao País. Seu principal livro? Sem dúvida, Poema Sujo, escrito na amargura do exílio político em Buenos Aires. Vejam algumas de suas definições em versos:
 
FELICIDADE: É tão feliz essa graça/ que aos homens Deus ofertou,/ que só depois que ela passa/ se sabe que ela passou!
 
SAUDADE: Saudade - uma vida cheia/ de outra vida que passou./ Marcas de passos na areia/ que o tempo não apagou...
 
ESPERANÇA: Esperar... felicidade!/ Suplício de quem quer bem! Esperar é ter saudade/ de uma coisa que ainda vem!
 
Everton de Paula, acadêmico e editor 
email  - evertondepaula33@yahoo.com.br

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