Conceitos políticos esparsos

Por condicionamento profissional, sempre sou tentado a levar em conta aquilo que o grande Guimarães Rosa explicou como o “por-dentro”

17/08/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“Pensem bem antes de votar, a política deve ser analisada pelo raciocínio e não pela simpatia do eleitor pelo político e/ou partido”.
Edinaiane Shinigami, escritora
 
 
Por condicionamento profissional, sempre sou tentado a levar em conta aquilo que o grande Guimarães Rosa explicou como o “por-dentro” das palavras. Escreverei o mais breve possível sobre três delas: política, câmara e município.
 
Política esconde em seu elemento grego um sentido precioso, que a incompetência e a ambição universal denegriram: política é em essência o trato dos assuntos das cidades. Poucos vocábulos mereceram apreciações tão díspares. Destaco alguma, antecipando que para mim o fundamento da boa atuação política está antes no servir do que no servir-se, o que fica muito perto do conceito de Gracián, pensador espanhol do século XVII: “Ofensa vulgar à política é confundi-la com a astúcia”. Ou o sábio conselho de Napoleão III: “Em política convém curar os males, nunca vingá-los”. Ou ainda esta tirada de Proudhon, filósofo político e econômico francês (1809-1865), uma das admirações de Euclides da Cunha: “Para nos aproximarmos, contudo, de ideais tão altos, levemos na indispensável conta as três perguntas e as três respostas de Michelet: Qual a primeira parte da política? A educação. A segunda? A educação. E a terceira? A educação.’
 
Parece que muitos políticos no cenário federal, estadual e municipal não aprenderam a lição de Jules Michelet, historiador francês, professor na Sorbonne em Paris (1833-1867). No ranking mundial da educação, o Brasil ocupa o penúltimo lugar. Há muitas faculdades, há muitas universidades, há muitos alunos, mas impera uma qualidade rasa, recursos de investimentos dispersos na pesquisa e poucos serviços universitários de atendimento à comunidade. Os conteúdos programáticos, a grade curricular, a política de investimento no corpo docente e o sistema de avaliação da aprendizagem no ensino básico no país são risíveis. Fundamentado em Michelet, faltam força e inteligência política no país para uma ampla reforma que vá ao cerne dos problemas educacionais. Nossos políticos não aprenderam, de igual modo, as lições de Edgar Morin, outro pensador francês, agora contemporâneo, com a sua teoria das complexidades. Por isso que, no Brasil, prevalece a lei do quanto mais simples, melhor. Este pressuposto nunca deveria se prestar à educação. Devo estar enganado, mas penso firmemente que apenas ficha limpa para candidatos a cargos públicos não é o suficiente; deveria haver uma espécie de exame de aptidão intelectual, e não somente popular. Penso que o político ficha-limpa e estudioso prestaria melhores serviços à nação. Concordo com raras exceções, mormente ligadas à intelectualidade.
Câmara também remonta longínquo ao grego, em que tem sentido de abóboda, com isso reforçando a ideia de que as decisões, decorrentes da aprovação da maioria, hão de tomar-se em locais adequados, sob a proteção de alguma abóboda, por certo não destinada a tornar apenas incólumes às naturais ameaças meteorológicas os integrantes da assembleia. Vejo figuradamente na relação câmara-abóboda o aviso de que, num local como este, as deliberações precisam contar com a segurança da coragem, com o abrigo da lei e com a cobertura do interesse público. Coragem, abrigo da lei e interesse público: não são três formidáveis pilares? E se assim é, as reuniões nas câmaras não deveriam se prestar, em grande número, às discussões acaloradas para se darem nomes a logradouros públicos, a homenagens a entidades de classe, ou ao desfile de vaidades. Que tal discutir a educação do município, as crianças, meu Deus, as crianças desassistidas em nossa cidade, à saúde de primeira qualidade, à segurança pública municipal? Se eu estiver errando o alvo nessa crítica, expliquem-me por que as manchetes diárias de nossos jornais apontam, em letras garrafais, exatamente para esses problemas: saúde, educação, assistência à criança, segurança... Lembremo-nos das perguntas e respostas de Michelet.
 
Município traz em si a união de dois radicais latinos que deram munus e capere. Munus, que persistiu isoladamente em nosso idioma, vale por responsabilidade ou privilégio. Capere significa receber, assumir; assim, por uma interpretação, erigir uma vila em município implica atribuir a seus cidadãos o privilégio de gerir os seus próprios destinos; por outra acepção dá-se a decorrência de que aceitar esse privilégio corresponde, inevitavelmente, ao dever de assumir responsabilidade.
 
Se o leitor estiver me acompanhando, sabe para onde verterão essas palavras: para os eleitores que escolherão nossos candidatos a presidente, senador, governador, deputado federal e deputado estadual. Em especial, os candidatos de Franca a deputado. Saibamos escolher, saibamos valer nosso voto por esses ensinamentos, esses conceitos esparsos e poucos sobre política e responsabilidade social, mas suficientes para uma boa escolha. Agora se você não me entendeu, faça um exercício simples: vá à página do Google e submeta todos os nomes dos candidatos na chamada de pesquisa, acompanhado de “é acusado de” ou ainda “é condenado por”. Prepare-se para surpresas desagradáveis. As respostas da consulta on-line poderão dirimir dúvidas que, sinceramente, espero que sejam poucas.
 
Falta pouco. Não se deixe levar por simpatias. Ao menos em nossa cidade. Pense grande - pense Franca! 
 
 
Everton de Paula, acadêmico e editor 
email - evertondepaula33@yahoo.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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