Tutu de feijão


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O tutu é mole como purê enquanto o tropeiro  lembra farofa;  o primeiro é herança africana e o segundo  tem sua história ligada à colonização
O tutu é mole como purê enquanto o tropeiro lembra farofa; o primeiro é herança africana e o segundo tem sua história ligada à colonização
Num site de culinária até bem cotado, leio que o tutu de feijão derivou do feijão tropeiro e ganhou outra versão no virado à paulista. E numa gigantesca blasfêmia gastronômica, o autor aventa a hipótese de que a invenção do liquidificador e sua chegada às terras tupiniquins colaborou para a disseminação do tutu por diversas regiões do país. Nada mais equivocado. O tutu é uma iguaria singular que chegou com falantes de iorubá e de quimbundo nos navios negreiros aportados à costa brasileira. Trazidos em grandes levas, e aqui chamados de nagôs, esse povo exerceu forte domínio social e religioso sobre outros grupos também escravizados, à exceção dos seguidores do Islã. A palavra ‘tutu’ pertence ao léxico das culturas da Guiné e sabe-se que a culinária que os iorubás trouxeram de suas terras, localizadas no que hoje é Nigéria, Benin e Togo, seduziu os colonizadores a partir do perfume que as comidas exalavam na senzala. Desnecessário lembrar que logo esse cardápio foi introduzido na casa grande, graças ao seu aroma e sabor; também à sua textura macia. Não só o tutu, como toda a olorosa culinária baiana, fácil de mastigar e engolir, tem suas raízes na África.
 
O feijão de tropeiro exibe outra origem. Está vinculado à história dos tropeiros que partiam de São Paulo e Minas Gerais e ganhavam o interior em longas jornadas a cavalo, levando consigo alimentos mais facilmente conserváveis, como os defumados e as farinhas. Tropeiro era o comerciante que comprava animais para revendê-los ou que os usava para transportar gêneros alimentícios até o comércio das vilas. No sentido mais estrito, era o peão que nas fazendas de gado reunia os cavalos pela manhã, cuidava deles durante o dia e os alojava à noite, para serem trocados durante as longas viagens. Além do expressivo papel na economia, o tropeiro desempenhou importância cultural relevante como veiculador de notícias entre as pequenas e distantes comunidades, num período onde inexistiam estradas no Brasil.
 
Na matula do tropeiro, o feijão chamado ‘pagão’, apenas cozido com sal, era acomodado em grande guardanapo de pano, dentro do embornal onde ia a farinha de mandioca, alimento essencial na dieta dos colonizadores. Como eram longas as jornadas, o guardanapo se abria, os alimentos se misturavam e nas paradas obrigatórias eram consumidos assim mesmo, com alguma carne seca levada à parte ou encontrada nas vendas do caminho. Nos ranchos improvisados, bastava assar essa carne e juntá-la à mistura de feijão: aí o banquete da tropa estava completo. Há uma bonita tela do pintor itanhaense Benedito Calixto que mostra uma cena dessas e se chama “Rancho Grande dos Tropeiros”. Condutores de tropas ou comitivas de cavalos e muares, entre as regiões paulistas e mineiras de produção e os centros consumidores no Brasil, a partir do século XVII, também foram conhecidos no sul como carreteiros, devido às carretas com as quais trabalhavam. E ali, nos pampas, onde o feijão escasseava, o que mais se oferecia à mesa era o arroz. Daí o arroz de carreteiro, que cumpria função parecida ao feijão tropeiro, posto que era também mistura de grãos e carnes, embora sem farinha.
 
Enfim, o feijão tropeiro é seco feito farofa, enquanto o tutu é mole e lembra um purê grosso. Ambos têm por companhia a farinha de mandioca, embora em algumas regiões mineiras se misture a ela também a de milho. O feijão tropeiro representa uma refeição completa por si mesmo; o tutu pede acompanhamento de ovos cozidos, couve picada finamente, arroz branco. A imagem que você vê nesta página é a de um legítimo tutu de feijão, escolhida para lembrar que agosto é mês do folclore, cujas dimensões extensas incluem comidas típicas. E nada mais representativo da mesa brasileira de nossa região que o tutu. Para prepará-lo, cozinhe o feijão até deixá-lo bem macio e com um pouco de caldo. Depois, frite o toucinho e, na mesma gordura, a linguiça calabresa cortada em rodelas. Escorra ambos e reserve. Refogue o feijão no óleo onde tenha dourado o alho e a cebola e reúna o feijão, toucinho e linguiça. Assim que levantar fervura junte a pinga. Aos poucos vá acrescentando a farinha até tomar ponto. Coloque em travessa, rodeie com couve puxada na manteiga e guarneça com os ovos cozidos cortados na longitudinal.
 
 
INGREDIENTES
 
 ½ kg de feijão cozido
 150 gramas de toucinho picado
 150 gramas de calabresa em rodelas
 1 molho de couve picada
 2 colheres (sopa) de pinga
 3 colheres (sopa) de óleo
 ½ xícara de farinha de mandioca crua
 1 cebola média
 2 dentes de alho
 2 ovos cozidos
 
porção: 4
dificuldade: fácil
preço: econômico

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