Aparecido Maldonado Ponce pode ser considerado uma lenda viva do varejo francano. Ele é proprietário de um dos comércios mais tradicionais e populares da cidade: o Supermercado São Paulo. No mês passado, o local completou 45 anos de sua inauguração. Motivo de festa? Não para seu Aparecido, que preferiu festejar a data trabalhando.
Aos 76 anos, o comerciante mantém uma disposição fora do comum para um senhor de sua idade. É raro encontrar algum cliente que não tenha cruzado com esse senhor de cabelos brancos pelos corredores do supermercado. Ele dedica mais da metade do dia ao expediente no local. Acorda entre 6 horas e 6h30, e depois do café da manhã já inicia o batente, onde passa o dia coordenando as atividades internas, conferindo mercadorias, atendendo vendedores e auxiliando no empacotamento dos produtos.
Localizado em plena avenida Presidente Vargas, o supermercado leva a fama de ser o endereço em Franca onde se encontra de tudo e até mesmo o improvável. A variedade é tamanha que Aparecido não sabe dizer com precisão o número de produtos cadastrados. Gaiola de pássaros, triturador de milho, lampião a querosene, sapatos, tapioca, variedades de ferramentas, produtos a granel como arroz, feijão, amendoim, entre outros. Isso é um pequeno exemplo de produtos ali comercializados.
Aparecido é casado com Maria Norma Costa Maldonado, união que perdura há 47 anos. O casal tem três filhos: Aparecido Júnior, Daniel e Alexandre. O trio trabalha no mercado e será responsável por dar continuidade aos negócios do pai. A família é fundamental para o funcionamento do dia a dia do estabelecimento. Dos 25 funcionários, quase a metade é composta por pessoas ligada à família.
Satisfeito com o que construiu na cidade, Aparecido diz que “tudo” é fruto de um árduo trabalho. “Me sinto realizado. Foi uma luta grande, mas conseguimos realizar nosso sonho. Se não fosse ajuda dos familiares e dos meus filhos, nada disso seria possível”, afirma.
Aparecido Maldonado carrega no semblante uma vida de muita luta e trabalho. Tudo teve início na Fazenda Palmeiral, na zona rural de Restinga, onde nasceu em 31 de janeiro de 1938. Lá começou muito cedo a trabalhar com o pai na lavoura de café. Tal condição nunca foi desculpa para que deixasse de frequentar as aulas na Escola Mista Municipal da fazenda, onde tirou seu diploma primário.
A família decidiu se mudar para Franca em 1953. Aparecido veio para cidade juntamente com o pai Alexandre, a mãe Ana Maldonado e seus cinco irmãos para morar na rua Major Duarte. Enquanto o pai vendia verduras e os irmãos tentaram a sorte em curtumes, Aparecido foi trabalhar em uma venda no mercado velho - que hoje dá lugar ao Terminal Urbano do Centro.
O empresário se recorda dos ensinamentos do seu primeiro patrão, Matheus Garcia Fernandes. Trabalhava das 6 da manhã até às 6 da tarde. À noite, Aparecido dedicava seu tempo aos estudos. Em 1956 formou-se torneio mecânico pela Escola “Doutor Júlio Cardoso”, a Industrial. Diferente dos colegas, Aparecido não seguiu carreira. Sua fascinação estava no comércio. “Está no sangue. Quando me mudei para Franca cheguei a trabalhar meio período em uma fábrica de calçado. No começo da tarde, meu tio me deu recado que havia arrumado um serviço pra mim numa quitanda. Não pensei duas vezes. Minha vocação sempre foi o comércio”, fala com orgulho.
Com ajuda financeira do tio Francisco Ponce, no ano seguinte, Aparecido abriu seu primeiro estabelecimento: uma quitanda alugada na Presidente Vargas, próximo ao ponto onde está seu supermercado hoje. Após uma década de aluguel, foi incentivado pela mulher Maria Norma Costa Maldonado a comprar um barracão próprio. A inauguração do supermercado veio em julho de 1969.
Como surgiu a ideia de construir um supermercado? O senhor esperava alcançar todo esse sucesso?
Trabalhei toda minha infância na lavoura de café e quando me mudei para Franca, tive a oportunidade de trabalhar em uma quitanda. Depois consegui abrir meu próprio negócio (feirinha). Com a evolução do comércio, em 1969 decidi abrir um mercado. Naquela época tinha uns três mercados do tipo na cidade (Áurea, Serv Franca e Sesi), todos pequenos. Me sinto realizado e tudo isso é fruto de muito trabalho, e isso é até hoje. Trabalho é coisa séria, qualquer que seja ele.
O que difere o Supermercado São Paulo dos demais estabelecimentos?
Acho que todos estão na mesma linha e não existem grandes diferenças. Procuramos ter uma variedade em nossas mercadorias como alimentos de diversas marcas e preços, produtos voltados para linha de ferramentas agrícolas, além de alguns utensílios pouco comuns de se comprar nos supermercados como moedor de café e triturador de milho, por exemplo.
Como é lidar e sobreviver com a chegada de grandes redes de supermercados em Franca?
Vejo como um progresso para a cidade. É um sinal da força de Franca e da sua região. Mesmo com a vinda dessas grandes redes continuamos nosso trabalho da mesma maneira, priorizando o preço e bom atendimento aos nossos clientes. Temos que ter um pouco de cada coisa para trazer a clientela. O progresso é importante para o desenvolvimento.
No mês passado, o Supermercado Granero fechou sua última loja em Franca. Como o senhor avalia essa situação?
Vejo com muita tristeza esse fechamento. Um nome tão tradicional na cidade chegar a esse ponto. Recordo do seu início, na década de 30 quando abriram uma mercearia. O Jair Granero era um grande idealizador, o ‘crânio’ da firma. Com a sua morte, talvez o entusiasmo diminuiu, pelo abalado na família. É uma situação muito triste e complicada.
Aos 76 anos, sua rotina é praticamente a mesma de antigamente? O senhor dedica maior parte do dia ao supermercado. De onde vem essa disposição?
Antes era eu quem abria o supermercado às 6 horas, mas hoje conto com a colaboração de funcionários e dos próprios guardas que estão deixando o turno. Mas a rotina não mudou muito. Começo no batente às 6h30, e paro apenas para almoçar e jantar. No resto do tempo estou no mercado atendendo vendedor, fazendo pagamento, checando mercadorias e ajudando a empacotar. Isso vai até as 23 horas (horário de fechamento do local). A todo o momento tem alguma coisa para fazer. Estou acostumado com esse ritmo e foi assim desde o início da minha vida.
Ao longo dos anos, o senhor foi vítima de assaltos. Qual foi o mais temeroso deles?
Fomos assaltados quatro vezes. O mais assustador foi há oito anos (2006), quando entraram na minha casa e minha esposa estava sozinha. Eu e meus filhos estávamos trabalhando no mercado (a residência fica na parte de cima do supermercado). O assaltante conseguiu entrar pelos fundo e judiou dela. Outro foi em 1998, quando entraram no supermercado. Procuramos reforçar a segurança não apenas com câmeras e alarmes, mas com vigias de madrugada e durante o dia.
Na cidade e hoje também na internet, pelas redes sociais, o supermercado é alvo de algumas brincadeiras. Como o senhor lida com essas sátiras das pessoas?
Levo na esportiva. O povo brinca muito. Falam que já fui vendedor de caipirinha nas minhas férias na praia, entre outros ‘causos’. Isso não é verdade. Tudo que acontece no mundo, meu nome ou do supermercado acaba sendo envolvido. Quando aquele avião desapareceu (da companhia aérea Malaysia Airlines) disseram que ele estava aqui no mercado. Aqui serviu até mesmo de esconderijo do Bin Laden (risos).
O estabelecimento acaba de completar 45 anos. Existe um responsável por toda essa história?
Não existe apenas uma pessoa e sim várias. Tive ensinamentos desde a época quando trabalhava na quitanda com meus chefes Matheus Garcia Fernandes (pai) e Diogo Garcia Fernandes (filho). O meu tio Francisco Ponce me deu uma força grande. Não tinha condições financeiras e ele me emprestou um dinheiro para abrir meu próprio negócio. A família é outro ponto fundamental. Minha ‘patroa’ (Maria Norma) me incentivou desde o começo. Meus filhos também são essenciais aqui. Se não fosse a ajuda deles, não daria conta de continuar.
O senhor não tira férias e diz que não pretende deixar o supermercado. No futuro, quem irá sucedê-lo?
Meus filhos darão continuidade. Eles já trabalham comigo e todos estão capacitados. Mas vou continuar sempre presente aqui. Enquanto Deus continuar me dando saúde seguirei em frente.
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