Machado de Assis 175 anos

Em 2014 comemoramos 175 anos do nascimento de Machado de Assis, e talvez seja preciso escrever algumas linhas sobre o escritor fluminense

20/07/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“A obra machadiana continua a impressionar o leitor de hoje porque, como dizem os críticos, parece ficar mais atual à medida que o tempo passa”.
 
 
Em 2014 comemoramos 175 anos do nascimento de Machado de Assis, e talvez seja preciso escrever algumas linhas sobre o escritor fluminense, criador de Capitu.
 
Mas o que ainda não foi revelado a respeito do mestiço mirrado e tímido que nasceu a 21 de junho de 1839, no morro do Livramento, cidade do Rio de Janeiro?
 
Diferentemente das bibliografias sobre Euclides da Cunha ou, mais próximo de nós, Cecília Meirelles e Guimarães Rosa, quase todas elas de tom laudatório, o que se escreveu a respeito de Machado de Assis vai do muito favorável ao fracamente condenatório.
 
Enquanto o traço predominante na crítica foi o biográfico, o histórico ou o impressionista, não podia mesmo deixar de haver uma disparidade de opiniões, porque também os estudiosos, mal apetrechados para o julgamento, dividiam-se como até hoje se divide o público leitor: ou consideravam Machado de Assis como um dos maiores escritores da língua, ou apenas não suportavam seu estilo, seus temas, sua maneira incomum de encarar nossos fatos históricos e nossas mudanças sociais. A ironia e o niilismo, tão presentes em tantos de seus escritos, se atraíram uma classe de leitores, também repeliram muitos outros dos que, com interpretações destorcidas, tentaram penetrar os segredos de sua expressão.
 
Sinceramente - escrevo estas linhas imaginando se ainda há leitores para os clássicos da literatura brasileira, ou se já perdemos esse espaço para a informação e entretenimento virtuais. Talvez alguns jovens ainda leiam Machado, sob a árdua tarefa de enfrentar, no final do ano, concursos vestibulares, concursos públicos, etc. Entretanto, insisto no tema.
 
Foi preciso que a crítica avançasse pelos caminhos mais consistentes do esteticismo, do formalismo, da análise estrutural do texto, para se formar em torno da obra de Machado uma como unanimidade, porque se pôde, menos arbitrariamente, catalogar alguns dos seus romances e de seus contos como páginas de superior elaboração, dotadas de estruturas complexas, tão diferentes do terra-a-terra das composições de Alencar, Macedo, Bernardo Guimarães e outros campeões da fácil preferência popular.
 
Tive como professor, desde o antigo ginásio até a faculdade, um machadiano de “boa casta”, para usar a classificação que o próprio Machado aplicou a um personagem seu. Malgrado a indiferença ou falta de alcance da maioria dos alunos, uma atenta minoria deixou-se impregnar pela consistente admiração que Alfredo Palermo votava ao escritor fluminense. 
 
Alfredo Palermo (idealizador da Gazetilha) foi um machadiano fiel e estudioso, além de ter sido meu introdutor aos estudos de Euclides da Cunha. Daí a um estudo permanente da obra de Machado e de Euclides, para mim foi um passo natural. Mas deixemos, por ora, Os Sertões em seu lugar inalcançável e falemos da criação machadiana: primeiro os romances - da fase romântica (Helena, Iaiá Garcia, A Mão e a Luva); depois os romances do realismo psicológico (Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, Quincas Borba); o triste livro de saudade em que evocou seu longo convívio com a esposa Carolina (Memorial de Aires) os poemas reflexivos ou de evocações (Uma Criatura, A Mosca Azul, à Carolina); os contos sutis, cheios de subentendidos e segundas intenções (Missa do Galo, O Alienista, Entre Santos, A Cartomante, Ideias de Canário).
 
Tive de Alfredo Palermo uma orientação permanente e muito proveitosa, como raramente se conseguiria levar a termo na própria faculdade de Letras. Daquele debruçar sem pressa sobre os textos, voltei informado da técnica de composição, da urdidura dos enredos, da fixação dos temas, da caracterização das personagens, da discussão dos principais fatos linguísticos. 
 
A admiração por Machado e por Euclides, além de não ter sido para mim atitude passageira, rendeu-me bons proventos. Por uma dessas felizes conjunções do acaso, pude elaborar minha dissertação de mestrado a partir de um tema cujo autor era de meu particular agrado.
 
Mais do que desses valores de ordem linguística ou literária, os textos de Machado de Assis são fontes de estudos psicológicos. Porque embora variável no tempo e no espaço, a condição humana, com suas contradições e fraquezas, é basicamente a mesma, como ontem. E, por certo, apesar da informática, no futuro a alma humana viverá os mesmos dramas que Machado catalogou no rico painel das personagens que criou e deu vida por meio da palavra. 
 
Everton de Paula, acadêmico e editor 
email - evertondepaula33@yahoo.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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