Há vinte, trinta anos, sei lá, ao tentar resumir a história da literatura francana, arrolei os nomes dos jornais e periódicos que existiram aqui em nossa cidade. O primeiro deles foi A Gazeta da Franca, de 1883 cuja existência durou três anos. Ao todo, porém, foram mais de setenta órgãos de imprensa, em pouco mais de um século, afora as revistas e almanaques que se editaram aqui.
De todas essas iniciativas, uma única jamais sofreu solução de continuidade em sua circulação: o jornal Comércio da Franca.
Dirigido inicialmente por José de Melo, chegava ao público uma única vez por semana, às quartas-feiras. Seu primeiro número data de 1915. No editorial primeiro, é feita profissão de fé: ‘temos em mira o firme propósito de contribuir para o engrandecimento de nossa cidade‘ - objetivo comprovadamente procurado pelas sucessivas direções do órgão.
À época daquelas pesquisas, ocorreu-me ideia de ficcionista. E ela jamais me abandonou: José de Melo, no dia em que editou o primeiro número do Comércio da Franca, acendeu cem velas sobre hipotético bolo. E se propôs a soprar uma delas exatamente no dia em que o jornal alcançasse um ano de circulação. Fê-lo. E repetiu o feito exatamente um ano depois. Os anos passavam e o gesto era repetido, sempre no dia 30 de junho. Os diretores que o sucederam conservaram a tradição, persistiram no costume de apagar uma vela anualmente, em comemoração ao dia em que circulara o primeiro exemplar do jornal.
Em minha fantasia, José de Melo acreditava que, quando todas as velas estivessem adormecidas, os desejos de uma Franca desenvolvida, lavada e bela,expressa em se primeiro editorial, não se resumiriam mais a sonhos. Só existiria a realidade.
Minha idéia era de ficcionista, por isso me tem acompanhado sempre. Assim, por muitos anos, através dela, venho soprando vela sobre hipotético bolo, em sistemática contagem regressiva.
- Faltam dez... faltam nove... faltam oito...
E não é que, de repente, tão de repente que me assombro, sobrou apenas uma velinha solitária, apenas um pequeno farol rodeado de noventa e nove pequenas colunas brancas e sem lume?
Mas não, não é só ficção.
Imagino que José de Melo - a exemplo de todo criador - acreditava piamente na longevidade de sua criatura.
E o tempo e o trabalho de sucessivos sonhadores mostraram ser possível, em qualquer atividade, soprar e apagar noventa e nove velas ininterruptamente.
Agora é só esperar um pouquinho. Então sopraremos - toda a Franca - uma derradeira vela.
E, mais importante que isso: numa só fonte, num só coração, acenderemos mais uma centena de velas.
Luiz Cruz é professor, escritor e membro da Academia Francana de Letras
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