Corrêa Jr: ‘O medo congela as pessoas e as empresas’


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O governador Geraldo Alckmin participou da inauguração da nova sede do GCN em 2007. Na imagem com Corrêa Neves Júnior, estão também o deputado Gilson de Souza e o executivo de negócios Rodrigo Henrique
O governador Geraldo Alckmin participou da inauguração da nova sede do GCN em 2007. Na imagem com Corrêa Neves Júnior, estão também o deputado Gilson de Souza e o executivo de negócios Rodrigo Henrique
Uma tarde de Páscoa. Abril de 1992. O então universitário Corrêa Neves Júnior passava o feriado com os pais e o irmão no Grande Hotel de Araxá (MG). A família sempre gostou de se reunir e confraternizar. Mas mesmo nos momentos de lazer, o assunto trabalho estava na pauta. Aos 20 anos, Júnior cursava jornalismo em São Paulo. O pai o queria ter por perto e sugeriu que voltasse para Franca e estudasse Direito. O perfil de ousadia do jovem estudante revelou-se de imediato. “Eu volto, mas para mudar o Comércio”.
 
Júnior não gostava das edições de domingo. Achava que faltava conteúdo, aquele algo a mais que possibilitasse leitura prazerosa. Debaixo de uma árvore, desenhou o formato que imaginava para o Caderno de Domingo e mostrou para o pai com um pedido. Se voltasse para Franca, gostaria de colocar o projeto em prática. Hábil negociante, “seu” Corrêa impôs a condição: o filho poderia tentar, mas sem contar com ajuda dos demais funcionários do jornal.
 
O estudante não pensou duas vezes. Trancou a matrícula, arrumou as malas e voltou para Franca focado no desafio. Corrêa Júnior não só fez circular o Caderno de Domingo com oito páginas; passou a respirar jornalismo 24 horas por dia. Começava uma apaixonada e intensa relação com o jornal. Iniciava também uma carreira de sucesso.
 
Durante 20 anos envolveu-se com todo o processo de produção de notícias. Reuniões de pauta, apuração de matérias, desenho de páginas, edição, apoio na gráfica e até mesmo, algumas vezes, entrega de exemplar a assinante a domicílio passaram a fazer parte de sua rotina. O empreendedorismo, visão de futuro e coragem de arriscar nortearam todos os seus passos.
 
Profissionalizou o jornal, qualificou editores e repórteres, lançou projetos pioneiros, como montagens de equipes exclusivas para coberturas especiais de eleições, Francal e competições esportivas. O Comércio foi o único jornal do interior a mandar equipe própria para cobrir com olhar diferenciado a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul. Ainda na década de 90, quando a tecnologia era uma ferramenta estranha na maioria dos lares, o Comércio já estava disponível na internet.
 
O grande salto veio em 2005. Com a morte do pai, Corrêa Júnior assumiu a direção da empresa e consolidou o jornal numa posição de vanguarda no País. Lançou o inovador modelo de integração, que reuniu no mesmo espaço jornal, rádio e portal. O que parecia ser um sonho do jornalista, mostrou-se uma decisão ousada e certeira com repercussão nacional e, até mesmo, fora do País.
 
Representantes de grandes jornais vieram a Franca conhecer o projeto. Hoje, o modelo de redações integradas é uma tendência cada vez mais comum na imprensa nacional. Resultado da semente plantada em Franca há quase dez anos.
 
As inovações não pararam por aí. Em agosto de 2013, o Comércio estreou novo projeto gráfico, mais moderno, criado para deixar o ato de ler mais leve e prazeroso. O desenho foi feito pela empresa espanhola Cases i Associats e exigiu cerca de um ano e meio para ser finalizado. Enquanto isto, o Portal GCN também sofreu transformações e ampliou o espaço para vídeos, roteiro de bares, restaurantes e baladas, com informação atualizada a todo instante.
 
No dia 9 de junho, mesmo não sendo obrigado por lei, Corrêa Júnior se afastou da rotina editorial e da direção do Comércio da Franca para disputar as eleições a deputado federal. É a primeira vez em 20 anos que estará totalmente fora da redação. Pouco depois de sair, contou detalhes das transformações e dos planos para o centenário da empresa. A contagem regressiva já começou. Acompanhe a entrevista.
 
O Comércio da Franca chegou aos 99 anos. O que esta marca representa?
Significa um marco que pouquíssimos jornais brasileiros alcançaram. O Comércio é um dos jornais mais antigos do Brasil em circulação ininterrupta. Temos que lembrar que a imprensa no Brasil vem do século XIX, quando os primeiros jornais começaram a circular. Havia uma restrição da coroa portuguesa à circulação de informação no Brasil. A luta do brasileiro por informação decente, de qualidade, independente, vem de muito tempo e os governos sempre tentando impedir. Não era diferente no Brasil colônia. Então, quando o Comércio nasceu, havia menos de 100 anos de imprensa brasileira, e nós estamos completando 100 anos agora. Acompanhamos, basicamente, metade do período em que temos imprensa no Brasil. Quando vemos o Comércio da Franca, um jornal do interior, longe das capitais, não vinculado a grupos econômicos, que vive de fazer jornal e de se comunicar com a população da região, chegar a 100 anos, ficamos muito orgulhosos. É um momento de muita emoção. 
 
Quando o seu pai adquiriu o jornal e começou a dar uma guinada no Comércio, vocês imaginavam que fossem se tornar um dos poucos jornais centenários do País e com esta força?
Meu pai tem uma importância enorme na história do Comércio, mas também precisamos ressaltar que a primeira importância vem do José de Melo, que fundou o jornal em 1915. Imagine o que era Franca em 1915, uma cidade muito pequena, afastada de tudo... A composição dos jornais era feita letra a letra invertidas numa prensa de chumbo. Era tudo muito artesanal. Depois, com o Alfredo Costa, tivemos outro momento, com um jornal combativo, politicamente muito atuante, que teve uma posição firme contra a ditadura. O Alfredo Costa chegou a ser preso. Tivemos a passagem anterior do seu Márcio Bagueira Leal. Foram muitas pessoas importantes na história do Comércio, que também tiveram contribuições decisivas. No caso do meu pai, acho que o grande movimento que ele fez foi encarar o jornal como empresa que devia funcionar de maneira autossustentável, de forma eficiente, capaz de remunerar os jornalistas, vender assinaturas, ter anúncios e pagar as suas operações. Antes do meu pai, era uma coisa muito romântica, idealista, não era uma empresa competitiva, que estava presente no mercado. Funcionava mais na base da paixão do que da razão. Meu pai, mesmo porque não tinha outro negócio, teve que tornar a empresa sustentável. Ele havia se endividado muito para comprar o Comércio. Os primeiros seis, sete anos foram custosos, com minha mãe ajudando com o seu salário de professora do Estado, sempre faço questão de lembrar isto. Não nasci em berço esplêndido, nasci numa casa muito modesta na rua Marechal Caxias, onde meus pais moravam. Foi um período muito difícil. A partir da década de 80, o jornal começou a se desenvolver, já colhendo os frutos deste investimento. Esta foi a grande virtude do meu pai. Ele profissionalizou o Comércio da Franca e transformou os apaixonados em trabalhadores profissionais. Fez do jornalismo uma atividade profissional e efetiva. Ele era ousado, importou máquinas que não existiam no interior do Estado, como a rotativa, contratou projeto gráfico com gente de São Paulo, investiu numa equipe de repórteres. Tudo isto nos anos 70. Esta visão de futuro, a crença que ele teve na cidade foram fundamentais. 
 
Em 2005, após a morte de seu pai, você assumiu a direção da empresa e foi o responsável por nova revolução, impulsionada com a implantação do projeto de integração, que serviu de base para diversos jornais do País. O que pode nos falar a respeito?
O ano de 2005 foi difícil, tivemos um mês de agosto triste para nós, que foi a morte do meu pai, mas eu já estava aqui há 12 anos. Não era um iniciante. Até 2005, minhas atividades eram essencialmente na redação, onde fiz de tudo: encartei jornal, entreguei jornais quando precisou, ajudei na impressão, fui diagramador, fiz pestape, fui repórter, editor, enfim, fiz de tudo. A partir de 2005, tive que acumular e aprender outras coisas que não eram de minha rotina, como a parte administrativa, a gestão financeira e a área comercial. Não lembro do meu pai e de minha mãe não fazendo nada, sempre faziam alguma coisa e trabalhavam. Este exemplo ficou em mim. Gosto de trabalhar e de estar em atividade. O que fiz foi aplicar minhas ideias, discutir com muita gente em busca de alternativas, trabalhar pelas convicções que tinha e mantenho, acreditar na força de uma imprensa independente, na força das pessoas que estão conosco, acreditar no potencial da cidade e da região. Tudo isto é o que tenho feito desde 2005. Em relação à integração, foi um projeto que começou a ser pensado três anos antes. Fiz Máster de Jornalismo para Editores e tinha um projeto de conclusão de curso que, basicamente, era uma consolidação de operações de empresa jornalística. Foi quando resolvi implantar e fazer funcionar um jornal, uma rádio e um portal de internet tudo junto e misturado. Felizmente, deu certo. O case da redação integrada do Comércio foi reproduzido no Brasil inteiro, muita gente veio conhecer nossas instalações e ver como a gente funciona e trabalha. 
 
Você é o responsável pelo GCN há dez anos, mas sempre esteve diretamente ligado à rotina do jornal. Quando e como descobriu que passaria a respirar os ares de uma redação?
Em 1992, aos 20 anos, eu fazia faculdade de jornalismo em São Paulo e meu pai queria que eu voltasse para Franca para fazer Direito. Fui passar a Páscoa com a família em Araxá. Fiz um combinado com meu pai: disse para ele que achava a edição de domingo muito fraca. Era quase tudo Classificados e noticiário de polícia. Havia pouco conteúdo editorial. Eu achava que as pessoas gostariam de ler algo diferente. Debaixo de uma árvore, rascunhei um Caderno de Domingo. Perguntei ao meu pai: “Se eu voltar, o senhor deixa eu fazer isto daqui?”. Ele falou: “Desde que você não use nenhum funcionário, que faça tudo, você pode”. Poucas semanas depois, eu estava no Comércio. Desenhei um caderno de oito páginas e passei a me envolver diariamente com a produção de jornalismo, rotina mantida ao longo de 20 anos. Tive apenas dois períodos curtos de ausência. Cuidei de uma revista e trabalhei na Folha de S. Paulo. Minha passagem pela Folha foi muito importante, pois pude ver como funcionava uma redação maior. Muitas coisas do que vi, vivi e participei, adaptamos aqui. Foram inovações que a gente trouxe. Formamos equipe de fotógrafos e núcleo para o digital. Aumentamos a equipe de profissionais. Os jornais, antigamente, tinham três, quatro repórteres. Nossa equipe, hoje, tem 60 pessoas na redação. Passamos a editar revistas. Tudo isto foram momentos de pioneirismo do Comércio. Abrimos trincheira, passamos a foice neste matagal. Esta ousadia que herdei do meu pai e da minha mãe ajudou muito a fazer apostas. Uma tarde de Páscoa de 1992 mudou minha vida.
 
Em um País onde as empresas enfrentam muitas dificuldades para sobreviver, qual é o segredo para chegar aos 99 anos líder do mercado, com postura independente e comprando brigas?
Primeiro, é não ter medo. O medo congela as pessoas e congela as empresas. A empresa que tem medo de arriscar, normalmente definha. É preciso arriscar. O Comércio da Franca, historicamente, fez isto em vários em momentos. Fez isto quando apostou, lá atrás, na circulação diária, quando investiu na impressão em cores, quando enviou equipes próprias para fazer matérias em outras cidades, quando comprou projetos gráficos desenvolvidos por empresas de primeiro mundo. Fomos ousados em vários momentos. Fazemos isto quando assumimos rotineiramente compromissos de levar informação mais séria e isenta possível aos leitores. Fazemos isto quando compramos brigas com o poder público, quando não temos medo das ameaças. É assim que uma empresa se torna centenária, quando ela se torna relevante em todos os momentos da vida de seus consumidores. Esta é minha briga cotidiana para que o Comércio da Franca seja, não importa se impresso em papel, se através do tablet ou do smartphone, ou, como sempre brinco, se por meio de sinal de fumaça, relevante para o seu leitor. É daí que vem a força de um veículo de comunicação, que vem a força do Comércio da Franca, porque ele é relevante, sério e muito querido pelos leitores. 
 
Você citou novas ferramentas de acesso à informação. Com a evolução da tecnologia, o jornal impresso está condenado a deixar de existir em um curto espaço de tempo?
Sim. Não sei se em um curto espaço de tempo, mas é inequívoco. Há anos, a pergunta era: vai acontecer? A pergunta que se faz hoje é: quando vai acontecer? Isto não quer dizer que o papel vai desaparecer totalmente. Pode ser que isto demore muito tempo ainda para acontecer, mas é um processo. As pessoas mudam a maneira de consumir informação. Não quer dizer que elas mudem as fontes de informação. Grande parte do conteúdo que a gente vê na internet, seja nos sites ou redes sociais, como o Facebook, tem origem nos jornais impressos. Quando você fala de uma greve ou de outro assunto qualquer, muitos comentários são feitos a partir de noticiário produzido por uma emissora de televisão, rádio ou jornal. Isto vai continuar. Certamente, a maneira de distribuir a informação será cada vez menos pelo papel e mais digitalmente via, principalmente, smartphones. Tudo isto faz parte do mundo do qual não vamos escapar. O caminho não é escapar, é fazer parte deste mundo e oferecer também para os leitores de Franca e região a melhor solução tecnológica possível. Por isto, a gente tem feito tantos investimentos no Portal GCN. 

O leitor do Comércio se acostumou com novidades. Embora o jornal esteja se aproximando dos cem anos, permanece com ‘corpo de 18’, sempre jovem. O que os leitores podem esperar para o centenário?
Na verdade, o que temos que fazer é muito mais o que já fazemos. A oferta de vídeos no nosso portal tem que aumentar, é uma questão fundamental. Os Classificados vão ter que estar disponíveis com uma plataforma atraente na internet. Isto deve acontecer nos próximos dias. Já estamos na fase de testes, é só concluir e colocar no ar. Vamos ter que aprender a usar todos os recursos de tecnologia para oferecer uma experiência melhor para o leitor. Se a gente está falando de uma greve, não é só escrever um texto a respeito. Precisamos mostrar o impacto com infográficos animados, vídeos de depoimentos e com possibilidade de busca do nosso banco de dados de todos estes 99 anos de jornal que temos arquivados. Esperamos que as pessoas possam consultar este conteúdo de casa. São ferramentas que vamos disponibilizar e intensificar o uso. Já temos o Roteirão, que é um guia completo de bares, restaurantes e atividades culturais de Franca, que precisa ser enriquecido com mais material. Temos o Se Liga Balada, com todas as festas que acontecem. A gente precisa possibilitar mais interação, acho que esta é a palavra. Agora, cada vez mais, as pessoas que querem ouvir e ler também querem participar da história e dar sua opinião. 
 
Há mais de duas décadas, você tem  uma convivência diária com o  Comércio. Mesmo quando saía por conta de compromissos ou  férias, estava sempre  acompanhando e monitorando a  distância. Agora,  se afastou totalmente da rotina da  empresa. Como está sendo a  experiência de ficar do outro lado?
É bem estranho. Há pouco tempo eu sabia tudo que ia ser publicado no jornal, página por página. Não que eu lesse tudo ou editasse. Há editores competentes e muita gente envolvida no processo, mas ficava o dia inteiro no jornal e sabia o que estava acontecendo. Isto eu diminuí nos últimos meses por conta de transformações que precisam ser feitas no jornal. Agora, pela primeira vez, estou fisicamente fora do jornal num período em que não estou de férias. É muito estranho receber o Comércio de manhã sem saber o que vai estar na capa ou sem saber o que você está noticiando na sua coluna, ou outro assunto qualquer. Mas, a surpresa é muito prazerosa, interessante. É uma sensação nova, diferente, mas é um enorme aprendizado que estou passando neste projeto a que estou me dedicando agora. A legislação eleitoral não exige que eu me afaste do jornal, mas achei melhor me afastar e tem sido uma experiência bastante curiosa.
 
O que os leitores do Comércio  podem esperar para os próximos  anos. O jornal continuará combativo, colocando o ‘dedo na ferida’ e  fazendo denúncias doa a quem  doer? 
Numa das perguntas anteriores, você fez uma analogia quando comparou os cem anos do Comércio com um corpo de 18. Isto é o que acho importante lembrar. O corpo envelhece, mas o que não pode envelhecer nem definhar é a alma de uma pessoa, de uma instituição e de uma empresa. A alma tem que se manter jovem. O corpo da gente não podemos trocar, mas o corpo de uma empresa você troca, com modernização constante, investimento e mudança de foco, desde que ela não perca sua essência, sua marca, a sua identidade, princípios e valores. Isto é o que acho importante. As pessoas podem esperar do Comércio um jornal que se renova com frequência, que vai estar sempre antenado com o que acontece no mundo e disposto a fazer as transformações que são necessárias, um jornal que não tem medo de cara feia, que não tem medo de ameaça, que não tem medo de governo violento e que está disposto a enfrentar o que precisa ser enfrentado. Continuaremos fazendo um jornalismo combativo, corajoso, ousado e que independe de plataforma tecnológica. A inovação vem para somar, mas a alma do jornal não pode mudar. 

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