Até outubro!

Foi numa tarde do final de março de 2008 que minha mãe me procurou com um problema. “Meu filho, o Dr. Alfredo acaba de me ligar.

15/06/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“Se você encontrar um caminho sem obstáculos, ele provavelmente não levará a lugar nenhum”
Frank Clark, político americano
 
 
Foi numa tarde do final de março de 2008 que minha mãe me procurou com um problema. “Meu filho, o Dr. Alfredo acaba de me ligar. Não vai mais escrever a Gazetilha”, disse, preocupada. Não era para menos. Alfredo Palermo não era apenas um articulista. E a Gazetilha, nem de longe, só uma coluna. 
 
Fundado em 1915 e em circulação ininterrupta desde então, o Comércio mantinha a coluna Gazetilha em suas páginas desde os anos 30. A partir de 1959, Alfredo Palermo tornou-se responsável pelo espaço. E, até março de 2008, o grande intelectual de Franca assinaria inacreditáveis 2.600 colunas. Não é sem razão que dissociar os três - jornal, Gazetilha e Alfredo Palermo - parecia impossível. Mas, aos 91 anos e depois de 49 anos assinando semanalmente a Gazetilha, Dr. Alfredo concluíra que era chegada a hora de parar. Sua última coluna, “Grato pela atenção”, foi publicada em 30 de março.
 
Encontrar alguém para ocupar tão nobre espaço era um desafio e tanto. Discutimos alguns nomes, passeamos por distintas opções, mas não chegamos a formular nenhum convite por falta de consenso entre os encarregados de propor alternativas. Foi então que uma coincidência se impôs sobre as circunstâncias. Meses antes, tinha iniciado o desenvolvimento de um projeto pessoal que ainda não havia lançado. Planejara uma coluna semanal sobre política, baseada no Diário da Corte, que o magistral Paulo Francis assinara por muitos anos nos jornais Folha de S.Paulo e Estadão. Tinha o desenho pronto, havia escolhido o título, Pinga-fogo, e até escrevera uma versão de teste. Mas, diante da dificuldade de encontrar um novo colunista, resolvi abandonar de vez a ideia da Pinga-fogo e me enchi de coragem para tentar honrar os que me antecederam como titular da Gazetilha.
 
Publiquei meu texto de estreia, “Primeiras palavras”, em 6 de abril. De lá para cá, assinei 233 colunas sobre os mais diversos assuntos. De política a economia, de segurança a saúde pública, de educação a corrupção, de guerras ao Papa Francisco, dei minha opinião sobre muita coisa. Narrei detalhes de minhas viagens, escrevi textos bem-humorados e outros duros, expus meu inconformismo diante de tragédias, fiz resgates históricos, denunciei absurdos, enfrentei temas polêmicos, dividi emoções sobre minha família... Escrevi também três Gazetilhas que nunca serão publicadas, atropeladas por eventos que transformaram suas linhas em material condenado a perecer “inédito”.
 
Sempre que, nas tardes de sábado, começo a escrever a coluna, me lembro, com admiração e imenso respeito, do mestre Alfredo Palermo, que fez o mesmo por quase cinquenta anos, num tempo sem computadores, sem facilidades de edição, sem internet para deixar a pesquisa menos áspera. E ele, de semana em semana, ano após ano, estava sempre ali com suas Gazetilhas
 
O compromisso de produzir a coluna era tão absoluto que o Dr. Alfredo, mesmo quando viajava ao Exterior, numa época em que as comunicações eram precárias, enviava seus textos por carta. Me recordo como se fosse hoje de um tempo em que, criança, acompanhava meu pai até o correio central em busca de textos que o Dr. Alfredo havia remetido da Europa. Depois, ele substituiria as cartas por fax. Mas nunca, estivesse onde estivesse, deixava de mandar seus textos. Foi assim até o fim.
 
O exemplo de Alfredo Palermo acabou me “pressionando” a escrever, sempre que possível, independentemente de onde estivesse. Assim, ao longo dos últimos anos, produzi de casa, na maior parte das vezes, mas também do rancho, em Rifaina; de quartos de hotel; de dentro de aviões em pleno voo; de mesas de bar em Nova York e Washington, nos Estados Unidos; de Paris e do Vale do Loire, na França; de Veneza, na Itália; da praça de alimentação de um shopping de São Paulo; do estande do GCN no Anhembi, durante a Francal; e até de uma cabine de navio em alto-mar.
 
Desde 2008, deixei de escrever em alguns domingos apenas quando grandes projetos nos quais estava envolvido tomavam todo o meu tempo. Mesmo assim, nunca fiquei mais do que três semanas consecutivas sem escrever. A partir de hoje, ficarei. Pelas próximas 16 semanas, estarei distante do espaço pelo qual tenho tanto respeito, afastado da relação estabelecida com leitores que me acompanham com tanto carinho.
 
Sou pré-candidato a deputado federal. Se nada acontecer de imprevisto, o Partido Verde (PV) deve homologar o meu nome neste domingo para disputar uma vaga no Congresso Nacional, em Brasília. Não há nada na legislação que me obrigue a deixar de escrever. Poderia, se quisesse, continuar a ocupar este espaço até mesmo no dia da eleição. As restrições existentes se aplicam apenas a apresentadores de TV e rádio, que são concessões públicas. 
 
Mesmo assim, decidi me afastar. Acredito na força do exemplo e não poderia me apresentar para disputar um lugar na vida pública repetindo distorções que tanto combato. Por isso mesmo, estou há dias fora de todas as minhas funções no jornal, no rádio e no portal GCN, independentemente do que a legislação preconize. É, antes de tudo, uma questão de consciência. Por essa mesma razão, me despeço de vocês hoje. Pelos próximos quatro meses, a Gazetilha será muito bem conduzida pelo professor Everton de Paula. Tenho certeza de que grandes discussões acontecerão por aqui. Em outubro, qualquer que seja o resultado das urnas, estarei de volta. Até breve!
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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