A casa da mãe Joana

Quase todo mundo já usou — ou, no mínimo, ouviu — a expressão “Casa da mãe Joana” pelo menos uma vez na vida.

01/06/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“Quando se navega sem destino, nenhum vento é favorável”
Sêneca, filósofo romano 
 
 
Quase todo mundo já usou — ou, no mínimo, ouviu — a expressão “Casa da mãe Joana” pelo menos uma vez na vida. Recorre-se à expressão quando alguém quer dizer que determinada situação está em absoluta desordem, sem lógica ou princípio, e muitas vezes também 
  sem mínima decência. O que pouca gente sabe é que a tal Joana, de fato, existiu. 
 
Joana nasceu em 1326 no Reino de Nápoles, no sul do território onde hoje é a Itália. Tinha 18 anos quando, em 1344, assumiu o trono e tornou-se rainha. Seu marido, que aos 16 anos era muito jovem mas não era bobo, suspeitou que ela pudesse estar tramando alguma coisa e tentou se precaver. Não deu tempo. A rainha se antecipou e juntou alguns conspiradores para assassiná-lo. 
 
O fato de estar grávida não a sensibilizou. Joana acompanhou a tudo do seu próprio leito, enquanto Andrew era dominado, estrangulado e morto. Os assassinos só não contavam com Isolde, uma antiga babá de Andrew que a tudo ouviu e relatou a alguns assistentes de confiança. Revoltados, partiram para a Hungria para relatar ao rei Luís I, irmão do morto, o que de fato acontecera. Irritadíssimo e com a força de seus exércitos, Luís conseguiria três anos depois obrigar Joana a um exílio em Avignon, parte do que hoje é a França.
 
Quem pensa que a derrota baixou a crista de Joana está redondamente enganado. Foi em Avignon que, de fato, Joana pintou e bordou. Centralizadora, exigia que nada, absolutamente nada, acontecesse sem seu selo pessoal de aprovação. Passou a mandar, desmandar e interferir em tudo. Baixou uma norma obrigando os prostíbulos a terem apenas uma porta, por onde qualquer um deveria entrar ou sair. Esses locais ficaram conhecidos como “Paço da Mãe Joana”, assim apelidados pela população porque ela se sentia a dona da cidade e queria mandar em tudo. Até mesmo nos bordéis. 
 
Anos depois, a “dona da cidade”, desejosa de retomar seu antigo posto em Nápoles, fez um acordo com seus colegas monarcas. Em troca da retirada das acusações de ter assassinado o marido, aceitava ceder a cidade onde morava. Assim, danada como ela só, Joana vendeu Avignon para pagar seu perdão. Anos depois, acabaria assassinada a mando de um sobrinho de Andrews, seu desafortunado primeiro marido.
 
Foi um triste fim para um personagem bizarro. Joana, a rainha, é pouquíssimo lembrada, mas seu nome, paradoxalmente, continua na história, mantido por todos que, vez ou outra, associam alguma coisa ao “Paço da mãe Joana”. No Brasil, a expressão acabou adaptada. Saiu o “paço”, palavra que em Portugal designa residências, e entrou no seu lugar “casa”.
 
Setecentos anos depois das desventuras de Joana em Nápoles e Avignon, é difícil acompanhar o que acontece num outro paço, o municipal de Franca, e não se lembrar da expressão popularizada pelas lambanças da rainha. Afinal, o que mais dizer de um governo cuja secretária de Educação autorizou professores a faltarem das aulas para se juntar aos protestos de junho do ano passado e, depois, acabaria desautorizada pelo prefeito que mandou descontar os dias? O que dizer de um prefeito que chamou a Associação Comercial e Industrial da cidade de “leviana” apenas porque ela discordou dele? Que termo usar para designar um governo que mandou sua liderança na Câmara fechar um acordo com os vereadores sobre as restrições para compra de um prédio de R$ 3,3 milhões e, depois, desdisse o que havia dito, jogou na privada a palavra empenhada e fez tudo a seu modo? 
 
Como classificar uma administração que “autorizou” um estudo para desapropriar áreas que beneficiam as terras onde reside ninguém menos do que o governante da cidade? O que dizer do homem que assinou um acordo diante da Justiça do Trabalho para encerrar uma greve de servidores e, depois, quer ignorar os termos do compromisso que firmou? Como classificar uma administração que lesou projetos vitoriosos de combate às drogas (Proerd) e de incentivo à leitura (Jornal Escola) sem qualquer explicação plausível? Ou que aniquilou a Expoagro, a festa popular mais tradicional da cidade?
 
O que falar de um “líder” que, diante de uma sequência de mortes na rede pública de saúde, foi incapaz de pedir desculpas às famílias? O que dizer de governo que diante de uma denúncia partida de um seu comissionado acerca da infestação do PS Infantil por ratos, baratas, pombos, escorpiões e afins manteve tudo do mesmo jeito? De que forma se referir a um prefeito que, mesmo diante de documentos que mostravam que algumas consultas se resumiam a um minuto, continuou insistindo que estava “tranquilo” e que não havia problemas? 
 
Como reagir a uma administração que permitiu o funcionamento daquilo que o Ministério Público Federal classificou como “indústria de horas-extras”, com alguns médicos recebendo até R$ 64 mil num único mês? E, supremo absurdo, o que dizer de um governo no qual o secretário de Recursos Humanos, em depoimento oficial, diz que não confere a folha de pagamentos porque confia na “fé pública” das chefias, admitindo que não há controle algum sobre os pagamentos “extras” realizados a milhares de servidores?
 
Olhe com bastante calma e atenção para os fatos protagonizados pelo prefeito Alexandre Ferreira (PSDB) e o seu primeiro escalão. Respire fundo. Aquilo é ou não é a “casa da mãe Joana”?
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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