Normal ou comum?

Fui convidado pelo diretor da escola Pestalozzi, Almir Oliveira, e pela coordenadora de Marketing, Carmelita Spreen, para fazer uma palestra sobre a importância do voto durante a II Bienal Cultural.

25/05/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes”
Abraham Lincoln, ex-presidente americano 
 
 
Fui convidado pelo diretor da escola Pestalozzi, Almir Oliveira, e pela coordenadora de Marketing, Carmelita Spreen, para fazer uma palestra sobre a importância do voto durante a II Bienal Cultural. Foi graças a isso que, na última terça-feira, subi ao palco do ginásio de esportes do Pestalozzi para conversar com os 400 jovens ali reunidos. Além dos alunos do Ensino Médio (o velho Colegial), a plateia estava reforçada também com estudantes do Nono Ano (a antiga oitava série). Tratei de não elogiar ou atacar quaisquer partidos isoladamente, evitei enaltecer ou demonizar indivíduos. Queria discutir política no sentido amplo, e debater o voto como processo de transformação.
 
O título da apresentação era uma óbvia provocação: “Vale a pena votar?” Durante 45 minutos, apresentei alguns argumentos para tentar mostrar aos jovens que sim. Na introdução, exibi um vídeo protagonizado por artistas americanos — gente como Tom Cruise, Steven Spielberg, Harrisson Ford, Ashton Kutscher, Scarlet Johansson, Usher e Leonardo di Caprio — para mostrar como a decisão de votar pode impactar a vida de todos. 
 
Expliquei aos estudantes que, nas últimas eleições, pelo menos 10.725 jovens de Franca, com idades entre 16 e 18 anos, poderiam ter votado, mas apenas pouco mais de 1.840 estavam efetivamente inscritos para fazê-lo. Se os jovens apenas desta faixa etária tivessem resolvido escolher um único candidato ao legislativo municipal, teriam sido capazes de fazer o vereador mais votado — e com sobras.
 
Se, numa outra hipótese, tivessem dividido seus votos entre candidatos que atendessem a um conjunto mínimo de valores que eles mesmos definissem como prioritários, teriam sido capazes de eleger quatro vereadores para defender seus interesses na Câmara Municipal — simplesmente, o mesmo número de integrantes que o partido com a maior bancada, o PSDB, tem hoje em Franca. E tudo isso com votos que nem para o lixo foram — simplesmente, não existiram, porque os jovens que ainda não estão obrigados a votar sequer tiraram seu título de eleitor.
 
Mostrei aos alunos diversos exemplos de como políticas públicas no Brasil e no mundo impactam as comunidades. Parques, praças, hospitais, margens de rios, transporte coletivo, escolas podem ser de um jeito ou de outro, melhor ou pior, em nível de excelência ou de forma sofrível, dependendo das decisões que são tomadas pelos eleitos. Para ficar em apenas poucos exemplos, detalhei o contraste existente entre o transporte coletivo de Curitiba, um modelo de eficiência, e o de Franca, risível para dizer o mínimo; entre parques como o Bosque de Palermo, em Buenos Aires, e o Parque do Trabalhador, absolutamente deteriorado; e, ainda, o abismo que separa uma escola pública chilena e sua congênere do Maranhão. Por fim, demonstrei que quase todo mundo conhece o jogador Neymar ou a funkeira Valeska Popozuda, mas que praticamente ninguém tem a menor ideia de quem seja ou o que pensa Jose Henrique Paim, o ministro da Educação do Brasil.
 
Mas foi só quando abri para a série de perguntas é que me dei conta de como aquelas centenas de garotos e garotas estão bem informados, conscientes, preocupados — e, também, desejosos de fazer parte de uma mudança profunda. Durante uma hora e quinze minutos, respondi dezenas de perguntas sobre corrupção, desvios éticos, protestos, relevância dos investimentos públicos na Copa do Mundo e a má qualidade dos candidatos que força o eleitor a escolher o “menos pior”.
 
O relógio já marcava 13h, o tempo tinha se esgotado há mais de meia hora e todos continuavam ali, fazendo questionamentos, quando o diretor Almir Oliveira abriu para aquela que, brinquei, seria a “a última das últimas” perguntas. Foi quando Julia Cintra Ferreira — que, depois, descobriria ser uma inteligente e dedicada estudante que sonha em cursar medicina, e que ainda por cima escreve muito bem, é critica e tem grande senso de justiça — pegou o microfone para fazer sua indagação.
 
Julia defendeu a tese de que um dos problemas é que no Brasil as pessoas confundem o que é “comum” com aquilo que é “normal”. E que o fato de determinado problema se repetir a ponto de já termos nos acostumado com ele não faz com que seja “normal” — ou aceitável. Julia sustentou que uma pessoa esperar dez horas por atendimento médico na rede pública pode ser “comum”, mas certamente não é “normal”. Reforçou seu argumento dizendo que transporte público precário pode ser “comum” no Brasil, mas também não é “normal”. Para encerrar, disse que, da mesma forma, políticos corruptos e sem caráter no Brasil são “comuns”, mas igualmente não implica dizer que isso seja “normal”. Quis saber de mim o que pensava a respeito.
 
Disse àquela plateia e repito àqueles que me lêem: se todos tivessem no Brasil a lucidez de Julia Cintra Ferreira, já seríamos há tempos um país muito melhor. Passa da hora de um basta geral, de um berro nas urnas grande o bastante para deixar claro aos governantes que por mais que desvios de recursos públicos sejam rotina, que a impunidade assole, que haja tanta injustiça, que falte tanta coisa para tanta gente, sabemos que tudo isso é “comum” — mas nem por isso, “normal”. 
 
Quanto mais gente entender o tamanho desta diferença e se juntar ao raciocínio claro e inconformado de Julia Cintra, mais rápido o Brasil se transformará no país que todos merecemos. O caminho é esse. Agora, é acelerar o passo.
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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