Por detrás de socos e agressões

Faz uma semana que fui agredido. Foi no início da tarde do último domingo que, ao flagrar dois funcionários da Leão Engenharia espalhando sacos e mais sacos de lixo hospitalar

11/05/2014 | Tempo de leitura: 5 min

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”
Rui Barbosa, político e jurista brasileiro
 
 
Faz uma semana que fui agredido. Foi no início da tarde do último domingo que, ao flagrar dois funcionários da Leão Engenharia espalhando sacos e mais sacos de lixo hospitalar provenientes da Santa Casa no meio da rua, acabei transformado em vítima. Outras duas pessoas que nunca tinha visto antes, João e Wallace, me ajudaram ao tentar deter os agressores — e acabaram também feridos pela dupla de marginais disfarçada de lixeiros. 
 
Desde então, perdi a conta do número de vezes que revisitei na memória aqueles tristes instantes e as horas que se seguiram. Não importa quantas vezes o faça, as conclusões são sempre as mesmas: gratidão pela coragem de João e Wallace; admiração pelo profissionalismo dos policiais militares que atenderam a ocorrência; pesar pela miséria moral de onde saíram meus agressores; “vergonha alheia” pelo silêncio que ecoou do paço municipal, de onde seus ocupantes foram incapazes de emitir uma mísera nota de solidariedade a um cidadão agredido por funcionários de empresa concessionária de serviços públicos, bem como nem um pio soltaram para cobrar explicações sobre o lixo hospitalar; respeito pela postura da empresa que se desculpou publicamente; muita emoção diante das centenas de manifestações de carinho recebidas dos amigos, leitores, ouvintes, colegas de trabalho e familiares; e revolta por um sistema legal obtuso que permite que agressores presos em flagrante saiam pela porta da frente da delegacia antes mesmo que suas vítimas. 
 
O que houve na início da tarde do último domingo já é conhecido. Estava com minha mulher. Nosso filho tinha passado o final de semana na casa da avó. Nos reuniríamos para almoçar todos juntos. Ao chegar próximo da casa da minha mãe, vi um caminhão de lixo parado no meio da rua. Dois coletores escorregavam num líquido que escoava sob o caminhão. Pensei que talvez precisassem de ajuda. Fui ver do que se tratava. 
 
Descobri que eles estavam fora de si — bêbados, drogados ou ambos — e que atiravam lixo hospitalar (havia seringas, catéteres, luvas e esparadrapos) no meio da rua. Comecei a filmar. Um dos marginais (sim, descobriria que ambos tinham passagens pela polícia) partiu para cima de mim. Falei que era absurdo o que eles faziam ali e que não era admissível que continuassem a espalhar o lixo na rua. Como já tinha conseguido imagens mais do que suficientes, evitei o confronto, liguei para a polícia e me preparei para ir embora. Fui impedido de entrar no meu carro por um dos agressores, que tentou tomar meu celular. Ele ainda tentou provocar o meu filho, de apenas três anos, que assistia a tudo, assustado, do banco de trás. Pedi que parasse e o tirei da minha frente. Quando finalmente entrava no carro, fui atingido. Duas vezes, pelas costas. João e Wallace tentaram me defender. Houve confusão. Os agressores atiraram sacos de lixo em nós. Não reagi, para não “vitimizar” os agressores, sempre apoiados por ávidos “defensores” dos Direitos Humanos que pouco se preocupam com os direitos de quem é agredido. Pessoas se aglomeraram. A confusão terminou quando a PM chegou. Foram necessários quatro policiais e algemas para deter a dupla. Fomos todos para o Plantão Policial.
 
Ali, o que era por demais absurdo ganhou contornos ainda mais cinzentos. Mínimo conforto é conceito inexistente no Plantão. Os agressores ficam separados de suas vítimas por um cômodo — sem grades. A confusão é geral. Por mais que exista boa vontade, a longa espera é inevitável. No meu caso, foram mais de quatro horas desde a hora em que cheguei até quando foi possível concluir o Termo Circunstanciado —  haveria ainda outras três horas no dia seguinte, quando fui ao IML fazer o exame de “corpo de delito”. Durante este tempo na tarde de domingo, os PMs ficaram por ali, longe das ruas. Um único delegado tem que dar conta do recado. Por maior que seja sua competência e empenho, não há muito o que fazer. Ainda mais porque, seja ladrão ou agressor, o delegado sabe que, quando terminar sua parte, o marginal estará livre para ir embora. Para casa, e não para cadeia. Foi exatamente o que aconteceu no começo da noite de domingo passado.
 
Nem mesmo o fato de um deles ter cumprido anos de cadeia por roubo, fugir de um presídio, ser recapturado, ficar mais um tempo atrás das grades e estar livre em função de “liberdade condicional” é razão suficiente para que seja preso imediatamente. No Brasil de hoje, mesmo com uma ficha dessas o sujeito responde pelo que fez livre, leve — e solto. Tragicamente, não há nada que a Polícia ou o Judiciário possam fazer. É a lei. Uma lei torta que cuida de proteger mais os direitos de quem a transgride do que do cidadão que a respeita. Uma lei que precisa ser mudada com urgência. 
 
Semana passada fui agredido porque me surpreendi com uma cena absurda no Centro de Franca e resolvi intervir. Mesmo com o que houve, não me arrependo. Jamais me perdoaria se me mantivesse indiferente ao flagrante absurdo, ao malfeito, ao desmando. Mas é preciso mudar este estado de coisas. Caso contrário, amanhã pode acontecer com você — ou com sua família. Um soco, ou coisa pior. Ninguém aguenta mais. Passa da hora de dar um basta. E rápido, antes que seja tarde demais.
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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