Punição expressa e efetiva

Estados Unidos e Espanha sediaram, praticamente ao mesmo tempo, episódios de racismo com repercussões inimagináveis, quer seja pela velocidade da resposta, quer seja pela intensidade da reação.

04/05/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“Os preconceitos são a razão dos imbecis”
Voltaire, escritor francês 
 
 
Estados Unidos e Espanha sediaram, praticamente ao mesmo tempo, episódios de racismo com repercussões inimagináveis, quer seja pela velocidade da resposta, quer seja pela intensidade da reação. Para quem mora no Brasil, sujeito ao marasmo das autoridades, à complacência de um sistema legal obtuso e onde a impunidade é regra, deu inveja observar como tudo pode funcionar em nações onde os transgressores não são tratados como ‘coitadinhos’.
 
O primeiro caso aconteceu em Los Angeles, na costa oeste americana. Donald Sterling, 80 anos, tem um império construído a partir de negócios imobiliários. Tem também um time de basquete, o Los Angeles Clippers. Depois do fim de um longo casamento, Sterling arrumou há quatro anos uma nova namorada. Décadas mais jovem, linda... negra e latina. V. Stiviano (o ‘V’ é o nome mesmo, e não abreviatura), nascida no México como Maria Vanessa Perez, é a tal namorada. 
 
Foi Stiviano quem gravou uma conversa esquisita que teve nos últimos dias de abril com Sterling, que havia se irritado com ela por conta de uma foto no Instagram. Na imagem, ela aparecia ao lado de Magic Johnson, ícone do basquete. Não que Sterling estivesse enciumado. O que o irritava era o fato de sua namorada postar fotos ao lado de um negro. ‘Me incomoda muito você querer aparecer ao lado de pessoas negras. Por que você faz isso? Você pode dormir (com negros), pode trazê-los, pode fazer o que quiser. A única coisa que peço é que não divulgue isso. E não os traga aos meus jogos’, reclama Sterling para Stiviano. ‘Você tem que ser uma garota branca delicada’.
 
Sabe-se lá como o site de fofocas TMZ conseguiu o áudio (há quem aponte o vazamento para a própria Stiviano), mas tão logo a conversa foi divulgada, em 25 de abril, a reação foi brutal. O presidente Obama classificou as declarações como ‘inacreditavelmente racistas’. Jogadores do próprio L.A. Clippers entraram em quadra com os uniformes do avesso. Crumash Casino, CarMax e a Virgin America, os principais patrocinadores da equipe, anunciaram o cancelamento dos contratos. 
 
Ainda não haviam decorridos sete dias desde a divulgação das gravações quando a NBA anunciou que Donald Sterling foi banido e não poderá nem mesmo frequentar os ginásios, além de ser multado em R$ 6 milhões. Para completar, está obrigado a vender seu time a quem fizer a melhor oferta. Sterling se deu mal. Merecidamente.
 
Praticamente ao mesmo tempo, dia 27 de abril, em Villarreal, na Espanha, num jogo entre o time local e o Barcelona, um outro episódio chocou o mundo. A partida caminhava para o final quando um torcedor atirou uma banana na direção do brasileiro Daniel Alves, da equipe catalã. O brasileiro apanhou a fruta, deu uma mordida e cobrou um escanteio. O Barcelona ganharia de virada, mas o resultado pouco interessa. O que o mundo comenta desde então é o ataque racista. E, claro, a reação do brasileiro.
 
Na Espanha, as coisas também andaram rápidas. Menos de três dias após o incidente, autoridades anunciaram a identidade do racista. David Campayo Lleo, 26 anos, foi preso e pode ser condenado a três anos de cadeia. Enquanto aguarda atrás das grades, foi demitido do Villarreal, onde trabalhava nas equipes de base. A equipe também cancelou seu título de sócio-torcedor e o baniu por toda a vida do estádio ‘El Madrigal’. Assim como no caso de Sterling, punição mais do que acertada.
 
Tivesse acontecido no Brasil o caso de Sterling, certamente haveria gente culpando a imprensa por divulgar uma gravação obtida sem autorização judicial e classificando a mídia como ‘sensacionalista’. Muito provavelmente, advogados estariam dizendo que a imprensa ‘distorceu’ e que não foi ‘bem isso’ que o empresário quis dizer. Depois, diriam que ele está velho, doente, e entrariam com dezenas de liminares para impedir que fosse banido dos ginásios. Certamente, também ameaçariam recorrer aos ‘tribunais internacionais’ para barrar ‘medidas arbitrárias’ como a expulsão de seu cliente da liga e a determinação para que venda seu time. Felizmente para os americanos, tais apelos não funcionam assim. Numa nação onde os ‘coitadinhos’ como Sterling não têm vez, o sujeito que apela aos tribunais para se ‘defender’ de flagrante absurdo pode sair de lá, além de preso, sem um tostão. 
 
Vale o mesmo para a Espanha. Ninguém culpa a imprensa por ter divulgado nome e foto do ‘acusado’ de racismo. Fosse aqui, haveria gente reclamando de sua ‘exposição indevida’, do ‘uso não autorizado de sua imagem’, e da punição ‘excessiva’ já que, aos 26 anos, o rapaz estará impedido de assistir às partidas do seu time do coração, ‘em casa’, para sempre. Paciência. A medida adotada impede que Lleo volte a tratar os outros sem um mínimo de dignidade e respeito.
 
É óbvio que ninguém que tenha dois neurônios é contra o direito de defesa ou a fundamental ‘presunção de inocência’. Mas os dois casos, acontecidos em países democráticos e com instituições sólidas, dão mostras de que a agilidade em punir não contraria as garantias individuais. Tanto Sterling quando Lleo terão direito de se defender nos tribunais. Mas, enquanto isso, começam a pagar o preço pelos atos que praticaram. É assim que deveria funcionar sempre em casos flagrantes sobre os quais existam provas robustas. Nos Estados Unidos, na Espanha ou em qualquer outro lugar do mundo. Especialmente, no Brasil.
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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