Foi como mexer em um vespeiro. Reportagem publicada pelo Comércio no último dia 4, informando que o vereador Claudinei da Rocha (PP) retirou o crucifixo existente no plenário da Câmara durante sessão em homenagem à mulher evangélica, provocou polêmica e acirrou os debates sobre o tema na cidade. Afinal, em um Estado Laico é certo ou não manter imagens religiosas nos prédios de instituições públicas? O tema divide opiniões. Fato é que, mais do que um símbolo religioso, o crucifixo da Câmara se tornou praticamente um ornamento que faz parte da história do Poder Legislativo local. A cruz e a Câmara estão juntos há mais de 50 anos. Oitenta anos, talvez.
Não há registro oficial sobre quando a imagem foi afixada pela primeira vez no plenário. Ela foi inserida no cadastro de patrimônio da Câmara em 1976, mas antes, este tipo de controle não era realizado. Segundo relato de um ex-funcionário que trabalhou por 25 anos na casa, o crucifixo passou a acompanhar o Poder Legislativo bem antes.
O empresário e advogado Silvio de Paula Martins, 66, foi diretor da Câmara. Ele ingressou como escriturário em 1965, aos 17 anos. O Legislativo funcionava em um salão na parte superior da agência do antigo banco Moreira Salles, na praça Nossa Senhora da Conceição. “Naquela época, já havia na parede atrás da mesa da presidência um painel de madeira com feltro verde e o crucifixo no meio. Mas este painel era remanescente da época em que a Câmara ficou instalada (a partir de 1935) no prédio do atual museu, onde também era a Prefeitura”, disse Martins.
Segundo o ex-diretor, em 1965 o painel onde o crucifixo foi afixado já estava todo corroído por cupins. “Com base no estado de conservação da moldura de madeira, acredito que o painel deveria ter na época, no mínimo, uns 30 anos. Sem dúvida, era uma peça antiga. Faz parte da história da Câmara e do município. O que é história tem que preservar”, opinou.
Sem lei
Fábio Cantizani Gomes é professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Franca. Ele afirma que não há lei específica no Brasil tratando da ostentação de símbolos religiosos. “O que temos na Constituição é o princípio da laicidade do Estado. Isso quer dizer que o Estado brasileiro, nas três esferas, não pode ter vínculo religioso, não pode proteger nem subvencionar nenhuma religião específica.”
Gomes acrescenta que a condição de igualdade precisa ser respeitada. “O Estado tem que conviver pacificamente com todas as religiões, pode até, eventualmente, promover religiões, mas não pode proteger nenhuma religião específica”, ressaltou.
O professor citou decisão do Conselho Nacional de Justiça, segundo a qual, mais do que um símbolo religioso, o crucifixo representa um símbolo cultural do povo brasileiro. Na sua opinião, a ostentação em prédios públicos fere a laicidade do Estado. “Acho que é um tratamento de desigualdade, pois há pessoas nesses locais que processam outras religiões. Mas, sou contra fazer leis para retirar. Se ninguém se ofender, deixa lá onde já está há muito tempo.”
‘Constrangimento’
Dom Paulo Roberto Beloto, bispo diocesano de Franca, disse que a retirada da cruz do plenário pelo vereador causou “constrangimento”. Ele afirma não ver problema nenhum em mantê-la nos espaços públicos, pois não são somente os católicos que veneram a cruz. “Ela é respeitada por todos os cristãos. Ter crucifixos em locais públicos é uma tradição em nosso país, que nasceu sob o catolicismo. Se tornou natural colocar imagens em espaços como a Câmara. A cruz não é um objeto apenas de adoração. É a lembrança de que Cristo morreu por nós. Ela lembra a vida entregue por nós”, disse o líder dos católicos na região.
Desculpas
Diácono da Igreja Assembleia de Deus, o vereador Claudinei da Rocha disse que professa a fé em Cristo e que tirou o crucifixo do plenário porque não tinha onde colocar a faixa referente ao evento sobre a Mulher Evangélica. “Se alguém se sentiu ofendido, peço desculpas.”
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