Abril despedaçado

Era abril de 2007. O Comércio ficava na Ouvidor Freire. A Difusora, na Thomaz Gonzaga. As obras de reforma e adequação da nossa então “futura”

06/04/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“Trabalha como se vivesses para sempre. Ama como se fosses morrer hoje”

Sêneca, filósofo grego
 
 
Era abril de 2007. O Comércio ficava na Ouvidor Freire. A Difusora, na Thomaz Gonzaga. As obras de reforma e adequação da nossa então “futura” sede, na avenida Eliza Verzola Gosuen, seguiam a pleno vapor. Havíamos definido que caberia à rádio a missão de “inaugurar” o novo prédio. O jornal viria mais tarde, em etapas, para compor o que hoje chamamos de GCN.
 
Transferir as operações da Thomaz Gonzaga para o Ângela Rosa sem que a emissora tivesse que ficar fora do ar foi uma tarefa hercúlea. Na véspera da mudança, Leandro Vaz transmitiu o último programa da Thomaz Gonzaga, o Jornal da Noite. Foi só às 4 da madrugada que recebi o ‘ok’ de que a “mudança” havia se completado, apenas uma hora antes do início das transmissões.
 
Estávamos em 19 de abril de 2007, por uma dessas coincidências da vida, aniversário do diretor artístico da Difusora, Everton Lima. O clima era de grande excitação com a “estreia”. Aos poucos, naquele início da manhã, a equipe foi se concentrando em torno dos novos estúdios. Juntaram-se a nós Edson Arantes, Cíntia Flávia, Luiz Neto, Élcio Fernandes, Marcelo Valim, Sandro Bonamin, todos pura emoção. Faltava pouco para as 5h30 quando o sinal de “No Ar” acendeu do lado externo do estúdio. Lá dentro, Everton Lima, voz firme, anunciou. “Hoje é 19 de abril de 2007 (...) Estamos hoje falando do novo estúdio da rádio Difusora. É uma nova era que começa no rádio francano”. Na sequência, fiz uma saudação, apertei um botão e “soltei” a nova vinheta da programação. A gente chorava e se abraçava. Tinha funcionado. 
 
Precisamente às 5h33, um dos profissionais mais queridos do rádio francano estava a postos para apresentar o primeiro programa gerado a partir da nova sede. Era Daniel Rodrigues, titular do Balacobaco, programa de notícias policiais transmitido de segunda a sábado, das 5h às 6h, e campeão absoluto de audiência. Na medição do Ibope, o programa atingia espantosos 77% dos rádios. “Muito bom dia, Franca. Bom dia, região. A partir de agora, vocês vão conferir os principais fatos do setor policial. Começa o Balacobaco (...)”, disparou. 
 
Praticamente sete anos nos separam daquele momento. Mas neste 2014, a emoção que toma conta de todos que alguma relação têm com a Difusora, a imprensa regional ou uma família habitualmente feliz do jardim Noêmia, nada tem a ver com a excitação de um “novo tempo” como a que experimentamos num outro abril, muito diferente, de 2007. A emoção, hoje, é marcada pela tristeza mais absoluta, pela incapacidade de compreensão, pela dificuldade de aceitação. Aos 42 anos, Daniel Rodrigues, um dos mais competentes, sérios e leais jornalistas da região, está morto, derrotado por um maldito câncer de intestino que combateu, ferozmente, por quase dois anos. 
 
Foi também num abril, por outra dessas coincidências a que a vida nos submete sem explicar a razão, que começou seu calvário. Ele sentira dores abdominais e um médico diagnosticara pedras na vesícula. Uma videolaparoscopia para tratar da remoção do problema foi feita no dia 11 de abril de 2012. As dores abdominais, no entanto, voltariam logo. Havia suspeita de apendicite. No dia 16 de outubro, teve dificuldades para concluir o Balacobaco. Ninguém poderia imaginar que o programa daquela segunda-feira tinha sido sua última atuação profissional. Ao abrir seu abdômen para extrair o apêndice, a equipe percebeu que o intestino estava tomado por um tumor. Começava uma grande batalha.
 
Nestes últimos 18 meses, Daniel Rodrigues acabou passando por outras seis cirurgias. Removeu órgãos, realizou procedimentos, submeteu-se a dezenas de sessões de quimioterapia. Reclamava, pouco, da dor que sentia, mas jamais perdeu a garra. Mantinha os planos e a vontade de voltar ao trabalho. Sempre que conversava com ele, a saudação era invariável. “Chefe, estou voltando...” O rádio, para Daniel Rodrigues, era muito mais que um emprego. Era paixão, entusiasmo, missão.
 
Nesta semana, mesmo debilitado, ligou para o colega Leandro Vaz para avisar de um acidente. “Vamos lá?”, instigou Vaz. “Se os médicos deixassem...”, lamentou. Na sexta-feira, foi para o hospital com dores intensas. Sempre lúcido, conversou com o genro Tiago Brandão no final da tarde. Mantinha-se altivo. “Ele nunca fraquejou. Nunca desistiu. Não aceitava falar em doença”, orgulhava-se ontem Tiago. “Ele era muito raçudo”.
 
Daniel Rodrigues foi tudo isso e muito mais. Não merecia, de forma alguma, uma existência tão breve. Mas a vida tem seus próprios mistérios, absolutamente incompreensíveis para qualquer um de nós. E assim, na manhã de sábado, a luta de Daniel chegou ao fim. 
 
Seu velório foi marcado por muita tristeza. O sofrimento de sua mãe ao lado do caixão; o choro da sua viúva, Edna; os gritos de desespero e estupefação das filhas Pâmela e Laila, a angústia do caçula, Danielzinho; e a incredulidade e consternação de todos que passaram por ali são reflexos diretos de quão prematura é sua morte. 
 
Há quem acredite que “o tempo tudo resolve”. Nem sempre. O certo é que o tempo, ao menos, torna algumas dores menos lancinantes. O legado e os exemplos ajudarão a impulsionar os que conviveram com Daniel Rodrigues, especialmente sua família, rumo à superação dos difíceis dias que virão pela frente. Viver exige coragem. É hora de seguir. Sempre, com as lembranças de Daniel Rodrigues vivas no coração. 
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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