As lágrimas de Sirlene

Há pouco mais de um ano participo, como comentarista, do programa Hora da Verdade, apresentado por Leandro Vaz e transmitido

30/03/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“Um herói é um indivíduo comum que encontra a força e a coragem para perseverar e resistir apesar dos obstáculos devastadores”
Christopher Reeve, ator americano
 
Há pouco mais de um ano participo, como comentarista, do programa Hora da Verdade, apresentado por Leandro Vaz e transmitido todas as manhãs, a partir das 11h, pela rádio Difusora AM 1030 khz. A ideia do programa era uma obsessão do diretor artístico da Difusora, Éverton Lima, acalentada por anos. Serei eternamente grato a ele por ter insistido num projeto que, tantas vezes, rejeitei. O que tenho vivido todas as manhãs é experiência que não tem preço.
 
Quando completamos um ano no ar, resolvemos ir para a rua. Assim, há mais ou menos dois meses começamos a percorrer, sempre às sextas-feiras, com um estúdio montado dentro de uma Van, os mais diversos bairros de Franca. Na última sexta-feira, tínhamos tudo pronto para transmitir o programa a partir do Jardim Esmeralda. Mas havia a greve. Não uma greve qualquer, mas a maior paralisação de servidores públicos da história de Franca. Milhares de pessoas haviam cruzado os braços cinco dias antes. Passava de uma e meia da madrugada de sexta quando, numa reunião via celular, eu, Everton e Vaz decidimos pela mudança no itinerário. O Jardim Esmeralda ficaria para a semana seguinte. Naquela sexta, nosso destino seria a concentração dos grevistas. 
 
Foi tudo emocionante. Faltavam quinze minutos para a gente entrar no ar quando uma massa de pessoas se aproximou. Ali, da esquina da Frederico Moura com a avenida Presidente Vargas, a imagem de milhares de francanos marchando, unidos por seus objetivos e ideais, foi de arrepiar. Logo, aquela multidão nada uniforme, capaz de reunir, num mesmo protesto, de funcionários da secretaria de Obras a professores, de enfermeiros a pessoal administrativo, de merendeiras a técnicos, havia tomado a rua e cercado nosso estúdio móvel. Estávamos, literalmente, no olho do furacão.
 
Muita gente falou ao vivo. O presidente do Sindicato dos Servidores, Luiz Fernando Nascimento; o presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Ivan Cunha; seu vice, Ulisses Prior; vereadores como Luiz Vergara (PSB), Márcio do Flórida (PT) e Valéria Marson (PSDB); inúmeros grevistas. Quem não falou foi porque não quis. Desde o início da manhã convidamos representantes da prefeitura e, durante todo o programa, reiteramos a oferta diversas vezes para que o secretário de Administração e Recursos Humanos, Humberto Mazza, participasse ao vivo do programa, que acontecia naquele instante a 30 passos de onde ele trabalha. Aparentemente, a vontade de explicar seus pontos de vista não foi grande o bastante para fazê-lo deixar a sala de onde despacha. 
 
Mas naquela manhã de tantas emoções, nenhuma foi tão forte quanto a que explodiu quando uma professora do ensino básico desabafou. Seu nome é Sirlene Tristão Alves, tem 54 anos. O que ela disse, fez muita gente chorar. Ouça aqui.
 
O relógio marcava exatamente 12h41 quando ela começou. “Eu sou professora e acredito que o país não enxerga o professor como deve ser visto”, disse. Ela havia chegado até a concentração dos grevistas no final da manhã porque trabalha em dois empregos. “Eu trabalho (também) no Estado. Saí agora, onze e meia. Eu dobro período, meus pais estão idosos... Um de 92 e um de 90, (estão) me esperando. Eu preciso pagar o preço e eles compreendem”, justificou. “Dobrar período não é pra ter carro de luxo, não. É pra se ter dívida no banco, é pra chegar no mercado, ter vontade de comprar as coisas e você não poder (emocionada). Você ver a necessidade (...) Pergunta aí e vê quem não deve no banco... E adianta reclamar? Adianta lutar, gente!”.
 
A professora lamentou não poder se dedicar aos seus alunos como gostaria. “Pais, quem dá aula em dois períodos não faz qualidade de ensino! (...) Minha mesa tá cheia de prova pra corrigir, minhas cadernetas tão lá pra fazer (...) E eu trabalho dia e noite, noite e dia, e não avança”, disse, chorando, acompanhada por uma plateia que tampouco segurava as lágrimas.
 
Desde o início da discussão do reajuste dos salários dos servidores, Alexandre Ferreira não dialogou, não discutiu, praticamente não cedeu. Nunca se abriu a um debate franco. As poucas reuniões serviram para que reforçasse a sua posição. Jamais para ouvir o que o outro lado tem a dizer ou para considerar outras opções.
 
É pouco provável que o prefeito Alexandre Ferreira tenha acompanhado ao vivo o testemunho de Sirlene Alves, mas é certo que ele recebeu a completa transcrição do programa, como acontece todos os dias. Se leu, é bom que reflita sobre o que diz Sirlene, uma entre milhares de grevistas. Não há em suas frases qualquer viés político, ideológico, partidário. O que ela quer são condições de trabalho e salário justo. O que Sirlene exige é ser respeitada, independente de quem se sente na cadeira de prefeito ou a qual partido pertença. 
 
O Tribunal Regional do Trabalho, em Campinas, marcou uma audiência de conciliação para a próxima terça-feira. Ainda que a contragosto, representantes da prefeitura terão que negociar com o sindicato diante de um Juiz. Um acordo, no lugar de mais confronto, seria um indicativo de que o prefeito Alexandre Ferreira, apesar de teimoso e intransigente, não é de todo insensível. Talvez seja esperar demais dele, mas, até lá, é o melhor a fazer. Resta torcer. Sem, como diria Sirlene, deixar de lutar. 
 
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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