Agonia

Tinha menos de 10 anos. Naquela época, início dos anos 80, a Francana estava na divisão de elite do futebol paulista. Disputava jogos

23/02/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“Embora percamos todos os bens, conservemos imaculada a honra”
Walter Scott, escritor inglês
 
 
Tinha menos de 10 anos. Naquela época, início dos anos 80, a Francana estava na divisão de elite do futebol paulista. Disputava jogos contra Corínthians, Palmeiras, Santos, São Paulo. O Lanchão lotava. Eram domingos em que a cidade pulsava de emoção. Meu pai era o presidente do time.
 
Vestido com indefectível camiseta verde da Francana, eu era presença assídua nos jogos, ora levado pelo meu pai, ora carinhosamente conduzido por meu vizinho da rua Manacá, o “tio Ananias”, dentista e agricultor, e seus filhos, Renato e Ricardo. Muitas vezes entrei em campo com os jogadores, conduzido por atletas como Machado, negro forte que impressionava pelo físico. Do gramado, via o Lanchão lotado e chorava de emoção, implorando aos Céus por uma vitória. “A gente merece”, pensava.
 
Podia até merecer, mas quem disse que a vida é justa? 
 
Naqueles três anos terríveis, o que se viu foram derrotas sucessivas. No lugar das saudações calorosas, o grito do torcedor era de revolta - contra o meu pai, obviamente. “Burro” era o impropério mais suave. Não faltavam, é claro, as nada delicadas “homenagens” que se prestam às mães de quem, nestes instantes, se pretende ofender.
 
Papai era determinado, mantinha suas convicções e colocava cada vez mais dinheiro do próprio bolso no clube. Nunca pediu um centavo de volta. Envergonhado, foi se afastando dos campos. Íamos para uma chácara no Engenho Queimado, um pedaço de chão sem qualquer benfeitoria além de dois casebres, uma tulha e um curral. No pequeno pasto da propriedade, papai saía com o rádio no ombro. Caminhando sozinho no campo, sem que houvesse nada que a gente pudesse fazer para confortá-lo além de uma xícara de café ou um bolinho de chuva que minha mãe, diligentemente, preparava, meu pai sofria com cada lance.
 
Era uma equação que ele não conseguia resolver: quando não era a Francana que jogava mal, os adversários acabavam apresentando desempenho melhor. De repente, o pesadelo. A Francana estava rebaixada. É claro que seria injusto dizer que a culpa foi só do meu pai, mas seria também hipocrisia negar que ele teve a maior parcela de responsabilidade. Errou, por mais que tentasse acertar. Fez escolhas ruins, apostas equivocadas. Deu tudo errado.
 
Quando a Francana caiu, desesperou-se. Ao invés de assimilar o momento e dar uma volta por cima como se deve, com vitórias em campo, apelou. Foi aos tribunais para tentar garantir no “tapetão” a manutenção do time na primeira divisão. Talvez tenha sido o maior erro de sua vida e, certamente, foi a unica mágoa que carregou. Simplesmente não se conformava com o rebaixamento do time que amava. Muito menos, sob seu comando. Papai morreu em 2005. Ao ser cremado, seu corpo estava coberto pela bandeira da Francana.
 
Todas essas lembranças voltaram à tona com força nos últimos dias por conta do imbróglio Francana x Ecopag, a desastrada parceria que, interrompida de forma precoce e abrupta, deixou um rastro de decepção, descrença e revolta em todos que torcem pela “Veterana”. Não porque tenha fracassado, o que pode acontecer em qualquer empreendimento, de qualquer natureza. O que deixa qualquer um inconformado é a falta de respeito mínimo, o amadorismo absoluto, a incapacidade de cumprir aquilo que haviam prometido a quem mais importa: o torcedor.
 
A ideia até que nasceu boa. Distribuir prêmios aos torcedores que comprassem ingressos e comparecessem ao estádio podia ter funcionado. Na expectativa de seus idealizadores, era um axioma perfeito: a Francana faria uma boa campanha e entusiasmaria a torcida que, animada, voltaria ao estádio também para concorrer aos prêmios; com renda efetiva, a Francana pagaria suas contas em dia e teria como manter um bom plantel, que asseguraria as vitórias e uma campanha decente. Perfeito? Quase. Faltou vencer. Faltou, também, honrar a palavra empenhada.
 
No plano da Francana/Ecopag, a primeira fase se estenderia até 6 de março, com nove partidas disputadas no Lanchão. Neste período, seriam sorteados 85 vales-compras de mil reais, 15 motos e três carros. Ninguém disse que a promoção dependia de resultados, de público mínimo, da fase da lua ou de qualquer outra variável. 
 
No campo, a Francana só fez perder. Acumulou empates e derrotas. O público minguou. E, melancolicamente, a tal parceria foi interrompida no terceiro jogo, após distribuir meia dúzia prêmios - e nenhum carro. Sem pudores, os dirigentes da Ecopag alegaram prejuízo, recorreram à máxima do “combinou, descombina”, e cancelaram a parceria anunciada. Deu nojo.
 
Sem dinheiro, sem projeto e sem perspectiva, a Francana segue trôpega na série A-3. O presidente Fahim Youssef, de quem se esperava a renúncia, insiste em permanecer, agarrado ao osso de cujo gosto tanto reclama, mas que não larga de jeito nenhum. Imagino que ele e sua diretoria até quisessem, de verdade, acertar. Tenho certeza de que suas famílias sofrem junto. Vivi isso com meu pai, há mais de 30 anos. 
 
Infelizmente, não funcionou, nem num caso, nem no outro. Chegou a hora de Fahim passar a régua. Encerrar uma história nunca é fácil mas, às vezes, é só o que resta. O pulos de alegria dos domingos do passado são hoje espasmos de raiva. Ninguém aguenta mais essa ladainha sem fim. É hora do ponto final. Que um outro capítulo se inicie, com novos personagens. E que, desta vez, o enredo - e o desfecho - sejam radicalmente diferentes.
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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