Tão pouco

A segunda-feira, 3 de fevereiro, amanheceu quente e seca em Franca. Faltava pouco para as 11h quando um celular tocou numa casa modesta

16/02/2014 | Tempo de leitura: 4 min

‘A dor mais cruel é a que vela fria e inerte no fundo do coração’
George Sand, escritora francesa
 
A segunda-feira, 3 de fevereiro, amanheceu quente e seca em Franca. Faltava pouco para as 11h quando um celular tocou numa casa modesta do jardim Aeroporto III. Quem atendeu foi a dona do aparelho, Ozania Fernandes Sá Teles, 15 anos. Ninguém sabe quem ligou nem o teor da conversa. Encerrada a ligação, a menina foi se arrumar. Avisou a mãe que iria perto da escola ‘Professora Lydia Rocha Alves’, a duas quadras de casa, e que voltaria logo. Testemunhas dizem que ela entrou num carro preto. Nunca mais foi vista com vida.
 
Ozania não tinha o perfil de santa, o que não fazia dela uma filha ruim. Segundo seus pais, dentro de casa a jovem era obediente, educada, prestativa. Adorava animais e dedicava especial atenção aos cuidados com sua cachorra. Fora dali, o quadro era sombrio. Os pais sabiam que a filha tinha se envolvido com drogas. Amigos contaram à polícia que Ozania também se prostituía para conseguir dinheiro. 
 
Apesar disso, Ozania não sumia sem avisar nem passava as noites fora de casa. Por isso mesmo, o avanço das horas somado à falta de notícias fizeram com que sua família se preocupasse. Os pais foram à delegacia de polícia onde receberam orientação para esperar 48 horas antes de formalizar a queixa de desaparecimento - regra, diga-se de passagem, que não encontra respaldo em legislação nenhuma. Sem saber que a lei não proíbe o registro imediato de desaparecimento, ainda mais quando de um menor de idade, assentiram. Na quarta-feira, dia 5, voltaram à delegacia. Tarde demais. Ozania estava morta. Seu corpo, estrangulado e ainda sem identificação, havia sido encontrado na zona rural de Capetinga (MG), a 50 km de Franca, um dia antes. 
 
Num país onde a burocracia estatal é sinônimo de qualquer coisa, menos de presteza, as autoridadades mineiras foram acometidas por uma súbita ‘síndrome imediatista’ - e desastrada. Sabe-se lá porque, poucas horas depois de encontrado o cadáver foi sepultado como ‘indigente’. Assim, a menina de 15 anos que na manhã de segunda-feira se despediu da mãe com a promessa de ‘volto logo’ converteu-se, 48 horas depois, numa ‘indigente’. Quando o cruzamento de informações permitiu concluir que o corpo de Capetinga poderia ser o de Ozania, não havia nada a fazer. A identificação pelos pais foi feita por imagens. Não houve tempo para velório, despedidas, orações. Não houve tempo para coisa alguma.
 
José André Sá Teles, 64 anos, e Carmem Lúcia Fernandes, 49 anos, são os pais de Ozania. Baianos de nascimento, se conheceram em Franca, durante um culto na Assembleia de Deus, em 1986. Casaram-se pouco tempo depois. Em 1989, nasceu Ozéias Fernandes Sá Teles, o primogênito. Uma década depois, Ozania, a caçula. 
 
Mesmo com trabalho duro, não se pode dizer que a sorte tenha sorrido para a família. Pedreiro que ergueu imóveis para tantos que o contrataram, José André nunca conseguiu guardar o suficiente para fazer sua casa própria. Carmem, que o marido prefere chamar de Lúcia, jamais aprendeu a ler e escrever. Trabalho, tentou na costura de sapato mas, sem qualificação, desistiu. Ficou em casa, cuidando do lar.
 
Lucia garante que sempre foi zelosa e que nunca deixou de acompanhar a filha onde quer que a menina fosse, rotina mantida até 2013, quando Ozania começou a reclamar. ‘Todos os dias eu a levava para a escola (...) e depois voltava para buscá-la na saída. Com 14 anos ela disse que estava com vergonha dos colegas. Deixei ela ir sozinha. Foi ai que perdi minha menina’. A mãe diz que a mudança da filha foi ‘da noite para o dia’. A garota começou a aparecer em casa com dinheiro e roupas novas e contou aos pais como conseguia tudo aquilo. ‘Foi quando eu deixei de acompanhá-la que esta história de drogas e prostituição começou. As péssimas amizades a levaram para este mundo’, lamenta Lúcia.
 
José André e Carmem Lúcia esperam que o assassino enfrente a Justiça, mas não falam em vingança, não destilam ódio. O que querem, mesmo, é apenas trazer os restos da filha para Franca. O desejo, simples e justo, esbarra nos muitos entraves deste Brasil de tantos contrasensos. Sepultada às pressas como indigente, retirar Ozania da cova exige agora autorização da Justiça. Pelo menos, é o que as ‘autoridades’ disseram a eles. Até agora, não houve um único defensor público que se apresentasse para cuidar da assistência legal desta família. 
 
Além dos obstáculos formais, há aqueles de ordem prática. Estima-se que a operação exuma-transporta-sepulta custe em torno de R$ 4 mil, valor impensável para uma família carente. Por enquanto, a Assistência Social de Franca, tão pródiga na defesa do milionário e controverso Centro Pop instalado na Major Nicácio, não moveu uma palha para oferecer auxílio legítimo a quem tanto precisa. Nenhum vereador, de qualquer partido ou viés ideológio, deu as caras para tentar ajudar.
 
Fossem quais fossem os dramas de Ozania, a jovem não tinha passagens pela polícia nem ninguém nunca soube que tivesse machucado qualquer pessoa. Hoje, jaz como indigente em Capetinga após ser covardemente estrangulada. Parece absurdo, mas tudo que seus pais desejam é trazer seu corpo para Franca e sepultá-la na cidade onde nasceu e viveu. Tão pouco, e tão difícil. Que as autoridades façam o que for preciso. É o mínimo que se espera.
 
Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN 
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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