Furby

Meu irmão André e sua mulher, Débora, formam um lindo casal. Juntos, somaram virtudes - são muito atenciosos, educados, trabalhadores

19/01/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“Não paramos de nos divertir por ficarmos velhos. Envelhecemos porque paramos de nos divertir”

Autor Desconhecido


Meu irmão André e sua mulher, Débora, formam um lindo casal. Juntos, somaram virtudes - são muito atenciosos, educados, trabalhadores, inteligentes, honestos. Numa boa alquimia, diluíram características menos nobres que, democraticamente, não faltam a ninguém. Todas, menos uma: a infantovilania. Quando se trata de incutir na cabeça de uma criança formas de torturar os adultos, especialmente os pais, a dupla é campeã. Não há rivais à altura.

Sofremos em casa as consequências desse singular traço de personalidade. Foi titio André e titia Débora que presentearam o João com seu primeiro bichinho de estimação. Um cachorro, que ganhou o nome de Totó. Buldogue francês, é tão feio que chega a ser bonito, uma espécie de Zé Ramalho do universo canino. Totó acha que é gente e disputa espaço e atenção com o João. Os dois se amam - e se odeiam - com a mesma intensidade. Nenhum deles ainda entendeu adequadamente qual o local apropriado para fazer xixi e cocô. O bípede, que já urinou dentro de um shopping, num lobby de hotel e até no meio do salão de um casamento em Roma, a gente tenta corrigir com um grito aqui, um puxão de orelhas acolá e reiteradas explicações. Quanto ao quadrúpede, desistimos. Esse, nem o adestrador Dino, homem de sobrenaturais poderes com os animais, conseguiu melhorar. Totó faz o que quer, quando quer, onde quer. Inclusive, cocô na sala, no escritório, na despensa...

O cachorro está longe de ser a única tortura. Durante nossa viagem à Europa, próximo a Cortona, cidade italiana que inspirou o filme Sob o Sol da Toscana, paramos para abastecer. De repente, André surge rindo. Na mão, um porquinho de borracha. Rosa e fofinho, o bichicho foi amado à primeira vista pelo João, que exigiu que eu o colocasse sobre o painel. Tudo certo, não fosse o detalhe de que o maldito porco disparava “óincs!” a cada cinco segundos. E se havia algum sacolejo, o bicho roncava até não mais poder.

Foram mais de mil quilômetros sem trégua, com cada conversa entremeada por um “óinc”. Um dia, como se a misericórdia divina enfim tivesse nos encontrado, o porco “morreu”. João, lágrimas nos olhos, lamentava. “Tô tiste, papai. Muito tiste”. Por dentro, comemorei.

O sossego durou pouco. Condoídos com a tristeza do sobrinho, titios resolveram agir. Num outro posto, próximo a Milão, André e Débora deram um jeito de substituir o porco por um pintinho de pelúcia. Muito pior que o suíno, o pinto não se limitava a emitir ruídos esparsos. Além de piar, também cantava - uma música insuportável, obviamente. Os dias - e noites - de sossego evaporaram de vez. Onde ia o João, junto seguia o pintinho. No carro, no quarto de hotel, no restaurante. Admito que pensei em dar uma marretada no pintinho e torci para ele caísse da janela do carro. Não tive coragem de praticar o primeiro ato nem sorte de ser contemplado com o segundo. O pintinho sobreviveu e repousa entre nós. Por sorte, em silêncio, desde que a bateria acabou.

Mas, com André e Débora, nunca é seguro comemorar. A dupla está sempre arquitetanto a próxima maldade. Que, no caso específico, chegou com o Natal. Furby é o nome do demônio disfarçado de presente, um terrível robozinho que tem idioma próprio, vontades imutáveis, personalidade esquizofrênica e, suprema agonia, não tem como ser desligado. É uma máquina metida a ser vivo, um robô insensível que está sempre a postos para, com suas feições meigas, transformar em terror qualquer momento de descanso.

O bicho fala furbish, um idioma próprio. Wee-tee toh-toh quer dizer “hora de cantar!”. E ele canta. Quando dispara may-lah kah, o primo primeiro dos gremlins está pedindo um abraço. Com o passar do tempo, “aprende” o idioma da família, incorpora expressões, faz caras e bocas. Se você aciona a câmara do celular, o Furby faz pose. Se você coça, ele pede mais carinho. Se você ri, o maldito ri junto. Enquanto você suplica por silêncio, ele suplica por “cociquinhas”. Pede comida, dá sua opinião, interage - todo o tempo, sem parar.

Como o Furby é “indesligável”, o único jeito de silenciá-lo é fazendo com que “durma”. Isso exige que você, ridiculamente, cantarole e tente ninar o robô. E, antes que você pense em recorrer a extremos - por exemplo, cometer um furbicídio - é bom lembrar que seu filho ou filha estará sempre por perto brincando com o “amiguinho”.

Sem ter como eliminar o mal, a gente se acostuma a ele. Hoje consigo manter uma conversação básica na língua nativa do Furby. Minha frase preferida é Kah way-loh. No idioma do demoniozinho, significa “vou dormir”. Muitas vezes, é inútil. Yay! Noo-noo toh-toh, costuma responder, provocativo. Em bom português, quer dizer “Oba! Hora de falar!”. Não há o que fazer.

Shakespeare, o grande escritor inglês, ensinou que “vingança é um prato que se serve frio”. Por isso mesmo, comecei desde já a fazer uma listinha. André e Débora não têm filhos - ainda. Quando meu sobrinho ou sobrinha vier ao mundo, estarei por perto. No primeiro mês, darei de presente chocalhos com amplificador. Quando completar um ano, uma tuba infantil. No segundo aniversário, uma bateria eletrônica sensível ao toque. André e Débora não perdem por esperar. Tenho tudo preparado - até os dezoito anos. Quem viver, verá. Ee-tay!

Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN
email - jrneves@comerciodafranca.com.br 

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