Francanos a bordo

Esperava muita coisa de meu cruzeiro de Réveillon. Encontrar francanos trabalhando a bordo foi uma grata e interessante surpresa

05/01/2014 | Tempo de leitura: 4 min

“Uma longa viagem começa com um único passo”
Lao-Tsé, filósofo chinês


Esperava muita coisa de meu cruzeiro de Réveillon. O privilégio de viajar em família, experiência sempre renovadora; a chance de revisitar lugares dos quais sentia saudades, como Búzios e Salvador; a possibilidade de conhecer outros tantos que, por uma razão ou outra, postergara a visita, como Ilhabela.

Esperava, também, descansar. Apesar de ter feito uma emocionante viagem pela Europa com minha família há poucos meses, a verdade é que aquela fora uma jornada extenunante. Pelo menos, do ponto de vista físico, com dezenas de operações do tipo faz-desfaz-refaz malas, check-in e check-out em hotéis e milhares de quilômetros dirigindo por estradas desconhecidas.

Neste final de 2013, queria tudo diferente. Nada de preocupações, nenhuma correria, tempo algum gasto com arrumação de malas ou organização de documentos. Um lugar onde pudesse dormir, descansar, ler, refletir - e me preparar para 2014. O cruzeiro me parecia ideal, a lei do mínimo esforço levada a sua mais sublime manifestação - e com pagamento parcelado em dez vezes.

O que não esperava, de jeito nenhum, era encontrar um grupo de francanos entre os tripulantes. Adriana, Renata e Alfredo são três conterrâneos que fizeram dos navios seu ofício. Todos trabalham, hoje, nos restaurantes do Splendour of the Seas.

Renata, garçonete, foi a primeira que conhecemos no bar Schoone. Morena de estatura mediana, é simpática e comunicativa. Feliz, explicou que ainda estava no primeiro dos nove meses de trabalho de seu contrato de estreia e que já tinha feito três cruzeiros. O primeiro, no Mediterrâneo. Depois, cruzara o Atlântico rumo ao Brasil. No Natal, estivera com o navio em Buenos Aires. E agora, no Réveillon, seguia conosco para o Rio e Salvador.

Foi só então que aconteceu o inesperado. Renata perguntou de onde éramos. “De Franca”, respondi. Ela não se aguentou. “Eu também”. Rimos muito. “Minha mãe tem uma loja na Majorrrrrrr Claudiano”, completou, com toda a força nos erres que nos fazem tão característicos. Publicitária formada pela Unifran, viajara para uma temporada de um ano na Austrália. De volta a Franca, não se readaptou. Sua irmã mais velha havia trabalhado em cruzeiros. Renata resolveu seguir seus passos. Está gostando da aventura.

Na noite seguinte, fomos jantar no Chops Grille, o restaurante de carnes do navio. A surpresa ali seria dupla. Um negro muito simpático e risonho foi encarregado de atender nossa mesa. Seu nome? Olare. “É como na música, sabe? ...Ôooolaaaareee, ôoo... cantare...”, entoou, parodiando o clássico italiano Volare. Nigeriano de Lagos, fluente em inglês, francês, árabe e português, Olare é a própria gentileza em pessoa. Casado com uma brasileira com quem divide teto - nos dois meses de folga por ano - em Madureira, no Rio, tem com ela uma filha, que cresce distante do pai, há doze anos no mar. “A gente mata a saudade pelo Skype”, contemporizou. Claro que ele quis saber de onde nós éramos. “Franca”. Olare arregalou os olhos. “Conheço Franca. Estive lá três vezes. Muito bom negócio comprar sapatos lá e revender na África”, disse. “Daqui a dois anos, quando eu parar com os navios, vou viver dos sapatos de Franca”. Se simpatia ajudar, Olare terá um futuro brilhante.

Na saída, a recepcionista, uma morena de pele muito clara, nos abordou. “Vocês são de Franca, né? O Olare me falou. Eu também sou”, disparou. Seu nome é Adriana. Está há sete anos trabalhando em cruzeiros, com uma pequena interrupção de dois anos, imperativa para o casamento - e para a tentativa de uma vida em terra firme. O casamento deu certo, mas a vida longe dos mares... Depois do pequeno hiato, voltou aos navios. Seu marido está junto. Ambos vivem e trabalham no Splendour of the Seas. Quis saber onde ela havia morado quando se casou. “Saí de um fim de mundo para outro fim de mundo”, brincou. De Franca para Verna. Conhece? Com seus 335 mil habitantes, é a terceira maior cidade da Bulgária. Rimos muito. Perguntei se ela havia aprendido o idioma. “Estou tentando, mas meu marido fala português. E com sotaque de Franca”, garantiu.

Foi só dois dias depois que, enfim, enontramos Angel, o búlgaro-caipira, na entrada de outro restaurante. Me apresentei. “Gosto muito de Franca. Do posto Márrrrrrrriio Roberrrrrrto, da picanha do churrascarrrrria Zebu... Huuummm. Muito bom”, disse o rapaz. Foi tão surreal conhecer um búlgaro com aquele sotaque que quase não consegui jantar de tanto rir.

Passei meus contatos para todos os francanos - legítimos ou por adoção - que encontrei. Faltou só cruzar com Alfredo, que não localizamos em lugar algum. Também, pudera. Além de 2100 passageiros, o Splendour transporta 750 tripulantes de 50 diferentes nacionalidades. Não é tarefa fácil encontrar quem quer que seja. Mesmo assim, ainda não desisti. Escrevo o texto na tarde de sexta. Ainda tenho duas noites e um dia para localizar o tal Alfredo.

Queria encontrá-lo para repetir o mesmo convite que fizemos para os demais. Reunir todos em Franca para um churrasco. Seria fantástico ouvir as muitas histórias de quem se aventurou por tantos países. Olare, por exemplo, ostenta 120 carimbos no passaporte. É claro que uma ideia dessas é quase impossível de ser concretizada mas, quem se importa? O plano, por si só, já vale a pena. E, vai que dá certo um dia... Afinal, algum de vocês já pensou que encontraria num navio um búlgaro que fala francanês?

Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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