Quanta bobagem

O vereador Márcio do Flórida (PT) fez um despropositado desagravo a alguns bandidos mensaleiros encarcerados na Papuda.

01/12/2013 | Tempo de leitura: 4 min

“Em boca fechada não entra mosca”

Ditado popular


Márcio César de Souza é o nome de um oficial de justiça de reputação ilibada. Servidor público de carreira, está lotado no Fórum de Franca há tempo considerável. Inteligente, articulado e engajado, ganhou a admiração de seus pares, que fizeram dele presidente da Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça em Franca. Apesar de tantos predicados, não foram suas qualidades como membro do Judiciário nem a defesa dos interesses de sua categoria profissional que o fizeram conhecido do grande público.

Foi no Jardim Flórida, motivando os vizinhos a arregaçar as mangas e construir melhorias a partir de pequenas intervenções urbanas, que Márcio projetou seu nome. Trabalhou com tanto afinco que fez da causa seu sobrenome. Num instante, virou “Márcio do Flórida”, nome com o qual se apresentou também na última campanha eleitoral. E foi como “Márcio do Flórida” que, em outubro de 2012, tornou-se vereador. Recebeu 2.313 votos, desbancou Silas Cuba (2.195) e Paulo Afonso Ribeiro (1.559), ambos “companheiros”que buscavam a reeleição, e converteu-se, desde 1º de janeiro, no solitário representante do PT na Câmara. Ainda mais importante, coube a ele a responsabilidade de personificar toda a oposição, já que os demais 14 vereadores se dividiam entre a base de sustentação do governo Alexandre Ferreira (12 vereadores) e os “independentes” (os dois eleitos pelo PSB).

Cordial no trato e prudente nas palavras, trabalhou com coragem e participou de todas as ações relevantes do legislativo neste ano. Presidiu a CEI do Viaduto, que analisou supostas irregularidades na construção do elevado “Dona Quita”, e propôs a abertura de uma comissão processante para investigar Alexandre Ferreira (PSDB) após o relator da CEI da São José, Nirley de Souza (DEM), concluir que o prefeito cometeu “crime”.

Se mais não fez, não foi por falta de vontade. A Câmara é um colegiado e, sem apoio e suporte, o trabalho de um vereador fica limitado. O caso da comissão processante é emblemático. Sua proposta foi apoiada por apenas um outro vereador, Luiz Carlos Vergara (PSB), e acabou melancolicamente enterrada com 12 votos contrários.

Mesmo assim, o ano de estreia de Márcio na Câmara caminhava para um fecho de ouro quando, numa sessão ordinária realizada há poucos dias, o novato resolveu discursar. Era a tarde de 19 de novembro e o expediente legislativo estava prestes a ser concluído. Na tribuna, entre outras considerações de pouca relevância, Márcio fez um despropositado desagravo a alguns bandidos mensaleiros encarcerados na Papuda, presídio de Brasília, mesclado com outros tantos devaneios carentes de lógica elementar e de conexão com a realidade. Foi um desastre.

Exagero? Nem um pouco. Para o vereador, a condenação dos mensaleiros é uma “injustiça”; José Dirceu, o líder da quadrilha, uma vítima; e José Genoino, o presidente do partido na época da roubalheira, quase um santo. Disse Márcio, textualmente: “(...) a condenação dos companheiros José Dirceu e Genoíno em especial, e mais alguns outros, e dizer da injustiça (com) que nós, do Partido dos Trabalhadores (...) encaramos a condenação”. O vereador defendeu a ideia esdrúxula de que as críticas aos mensaleiros são exclusividade dos francanos. “E nós temos visto muitas críticas aqui na cidade de Franca, porque fora daqui a situação não é essa não, tá?”, sustentou, como se a cidade fosse uma bolha desconectada do resto do país. Antes de terminar, apelou ao sentimentalismo barato ao “lembrar” do sobradinho simples onde reside Genoino e de ele como “sacrificou” a própria família para buscar “o bem da sociedade brasileira”.

Márcio do Flórida, o PT e mais quem de direito precisam entender duas coisas básicas. Primeiro: brasileiro não é sinônimo de idiota. Segundo: ninguém é totalmente bom nem totalmente mau. Assim, é obvio que residem virtudes na trajetória de Dirceu, Genoino, Delúbio e, muito provavelmente, até de Marcos Valério, mas não é disso que trata o julgamento do mensalão. A luta pela democracia de Dirceu e Genoino - e também de FHC, Covas, Serra, Tancredo e de tantos outros - foi importante, mas não dá a ninguém imunidade por delitos quaisquer que tenham praticado.

Como bem lembrou a ministra Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, juízes julgam fatos, não trajetórias. E, no mensalão, o que houve, claramente demonstrado e comprovado, foi o desvio de milhões de reais dos cofres públicos para financiar a campanha eleitoral do PT, de partidos aliados e para “comprar” votos de deputados no Congresso Nacional. Simples, sujo, vil. O fato de Genoino não ter usado o dinheiro para ampliar o próprio patrimônio não torna o roubo menor. E é por roubar que a corja foi presa. Em breve, outros tantos lhes farão companhia. É justo, merecido e necessário.

Quanto ao Márcio do Flórida, resta torcer para que o desastrado pronunciamento tenha sido apenas um tropeço. O video de seu discurso, veiculado no portal GCN e nas redes sociais, provocou enorme barulho. Que a reação da população leve o vereador a uma inflexão e à mudança de postura no que se refere ao mensalão e o papel dos “companheiros”. Numa cidade onde a carência de novas lideranças é flagrante, seria péssimo constatar que o novato que estrou tão bem não passa de “farinha do mesmo saco”. Mais do mesmo é tudo de que Franca - e o Brasil - não precisam.

Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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