O livrinho do doutor Ubiali

Não é de hoje que Marco Aurélio Ubiali (PSB) surpreende com palavras e gestos tão pouco usuais que, frequentemente, flertam com o caricato

24/11/2013 | Tempo de leitura: 4 min

“É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida”
Abraham Lincoln, ex-presidente americano

Não é de hoje que Marco Aurélio Ubiali (PSB) surpreende com palavras e gestos tão pouco usuais que, frequentemente, flertam com o caricato. Não raro, mergulham no absoluto ridículo, quando seus “feitos” ganham projeção nacional. São as “ubialadas”.

O repertório é vasto. Na última eleição para prefeito, quando acabou derrotado, Ubiali se enroscou ao apresentar estimativas de gastos de campanha que chegavam a R$ 3 milhões. O valor era inúmeras vezes superior ao que todos os demais candidatos de Franca, juntos, pretendiam gastar. A milionária projeção não foi a única “ubialada” daquela disputa. Durante os debates, Ubiali sugeriu que no lugar do polêmico viaduto Dona Quita a prefeitura deveria construir um “túnel”, passando por debaixo do córrego, como “solução” para aliviar o trânsito. Ninguém levou a proposta a sério. Ainda bem.

Tempos antes disso, no seu primeiro mandato como deputado federal, denúncia do portal Congresso em Foco mostrou que Ubiali havia emitido, entre 2007 e 2008, nada menos do que onze passagens aéreas para o Exterior. Nenhuma para trabalho, é bom que se recorde. As passagens foram usadas para sua mulher e filhos visitarem Miami e Nova Iorque, nos Estados Unidos; para que uma assessora estivesse por duas vezes em Milão, na Itália; e para que um rapaz fosse à Frankfurt, na Alemanha. Tudo pago com dinheiro público. Saído, óbvio, dos nossos bolsos.

A maior “ubialada” fora tornada pública no dia de sua posse como deputado federal. Era fevereiro de 2007 e, numa entrevista ao Comércio, Ubiali disse que, por razões de praticidade, decidira se mudar para Ribeirão Preto, reservando para Franca os finais de semana. A grita foi geral. Ubiali tentou “desdizer” e reclamou de “incompreensão”. Não houve nenhum mal-entendido. A verdade é que sua mulher trabalhava em Ribeirão, seu filho morava fora e seria mais cômodo deslocar sua filha para ficar em tempo integral com a mãe na vizinha cidade. O fato de que seria mais prático não tornava a decisão mais aceitável. E a população de Franca, ressentida depois de quase duas décadas sem deputado federal, nunca digeriu a história - nem as explicações do seu congressista.

A “mudança para Ribeirão” agora tem uma rival à altura na categoria de “ubialada-top”. Tudo porque o heterodoxo deputado resolveu aprofundar sua carreira literária e compartilhar com o mundo suas digressões filosóficas sobre o universo político. Para tanto, em companhia de um certo professor Sérgio Trombelli, lançou o livro Marketing Político - Administrando o Gabinete.

As 164 páginas do livro são uma coletânea do que de pior existe na política nacional. Difícil terminar uma página sem que o leitor encontre algum detalhe capaz de fazê-lo sentir “vergonha alheia”. Logo no começo, por exemplo, Ubiali e Trombelli “ensinam” que competência não tem muito a ver com a montagem do gabinete. “A escolha dos assessores geralmente começa com o convite aos amigos que ajudaram na campanha”, afirmam na página 19. Pouco à frente, tentam destruir qualquer tipo de ideal que possa subsistir na alma do incauto leitor quando explicam o que leva um político a buscar a reeleição. “Levando em conta que a renda obtida com o mandato, cada vez mais, se torna compensadora, e junto dela os favores que se obtêm, a rede de influência, as benesses do poder, as mordomias, o político eleito, rapidamente, sente necessidade de buscar a reeleição”, concluem.

Há muito mais. De recomendações para que o político presenteie e elogie jornalistas, como se isso fosse capaz de render cobertura favorável, à tática de ignorar as perguntas do entrevistador e falar sobre o que quiser, numa clara demonstração de que, para os autores, a inteligência do espectador/ouvinte/leitor se mede por critérios muito particulares. Há ainda um alerta, claro e sem traço de rubor, para que se priorize, por assessores do gabinete, atenção aos financiadores de campanha.

O livro é um amontoado de besteiras tão grande que escorrega até quando apresenta conceitos mais dignos. Na página 133, ao defender a transparência, Ubiali lembra que “vivemos hoje num momento do ressurgimento da ética”. Portanto, conclui, “ser bom está na moda”, como se alguém devesse fazer o que é certo não por convicção ou princípios, mas porque surfa na onda do momento.

O deputado-filósofo ainda reúne “mantras” que, sugere, podem ser utilizados pelos recém-eleitos em diversas ocasiões. São “chavões” para discursos direcionados a jovens, mulheres, idosos, deficientes, educação, esportes... É um conjunto de obviedades sem qualquer substância. Impossível ler os “quadrinhos” com tais “pílulas de sabedoria” e não se lembrar, imediatamente, do próprio Ubiali em campanha.

Estupefata, a imprensa brasileira repercutiu - negativamente - a obra. Jornais, como o carioca O Globo, ironizaram os ensinamentos da dupla Ubiali/Trombelli. O deputado usou a tribuna da Câmara Federal para se defender. Fiel seguidor de suas próprias lições, falou, falou e falou mais um pouco. Não disse coisa alguma que mereça registro.

Nesta “ubialada” toda, resta a certeza de que os eleitores em muito superam a avaliação que deles fazem o deputado e o professor. Que o diga o retrospecto do próprio Ubiali, candidato em cinco eleições - e vitorioso só em uma (na atual, ficou na suplência). Se o livro reúne o conjunto de “regras” que Ubiali considera fundamentais para se manter no poder, é sintomático - e bastante alvissareiro - constatar que elas simplesmente não funcionam.

Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Fale com o GCN/Sampi! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Franca e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.