Gazetilha: prisões dos mensaleiros são um passo no rumo certo

Na manhã da última quinta-feira, poucos minutos antes das 11h, como acontece sempre em dias úteis, encontrei meu colega de bancada.

17/11/2013 | Tempo de leitura: 4 min

‘A punição cabe ao juiz; a repreensão, a todos’
Miguel de Cervantes,
escritor espanhol


Na manhã da última quinta-feira, poucos minutos antes das 11h, como acontece sempre em dias úteis, encontrei meu colega de bancada do programa Hora da Verdade, Leandro Vaz, no estúdio da rádio Difusora AM 1030 khz. Reinaldo Corrêa, no comando da técnica, já tinha soltado a vinheta do programa. Vaz ajeitava seu laptop e se preparava para a escalada de notícias quando, subitamente, fixou os olhos na histórica capa do Comércio daquele dia, resultado de um trabalho de grande inspiração do editor Luciano Tortaro. Acima do mosaico de fotos de diversos tamanhos, a manchete, ‘Mensaleiros na cadeia’, sintetizava o que havia sido decidido no dia anterior pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A demora havia sido grande mas, enfim, chegara a hora dos condenados pelo ‘Mensalão’ - ou Ação Penal 470, como preferem os puristas - começarem a quitar suas dívidas com a sociedade. Ainda estupefato, Leandro Vaz perguntava. ‘Será que eles vão mesmo ser presos?’.

Vaz não era um incrédulo isolado. Nas horas seguintes, receberia questionamentos semelhantes formulados por dezenas de pessoas distintas. Da diretora administrativa do GCN, Dulce Xavier, até minha sogra, Maria Helena Toledo, passando por incontáveis amigos da extensa rede de contatos que mantenho no Facebook, a grande maioria se mostrava absolutamente cética diante da perspectiva de testemunhar a prisão de peixes graúdos da política nacional. Gente ‘importante’ acostumada a dormir em palácios e voar em jatos privados e que teria, subitamente, que se adaptar a uma rotina muito mais espartana - e dura. ‘Será mesmo?’, repetiam as mais distintas vozes, mesmo quando alertadas de que a decisão partia do plenário do STF, instância máxima da Justiça nacional. E contra a qual não cabem recursos.

A desconfiança do brasileiro com as instituições é tão grande que mesmo no sábado, depois de Dirceu, Genoíno e outros oito ‘companheiros’ terem passado a primeira noite em distintas carceragens da Polícia Federal e diante da TV que transmitia ao vivo o ‘vôo dos presidiários’, o jardineiro Roberto Ramos, que presta serviços em minha casa, mantinha o ceticismo. ‘Será que eles vão ficar mais de um mês presos?’, questionava. Argumentei o quanto pude. ‘Só vendo’, rebateu Roberto.

A não ser que algum misterioso golpe de estado orquestrado por simpatizantes dos ‘companheiros-bandidos’ esteja em curso, o que é absolutamente improvável, Roberto, Maria Helena, Dulce, Vaz e milhões de outros brasileiros vão ver o que pareceria impossível até pouco tempo atrás. No país onde o ditado popular ‘ensinou’ gerações que só três ‘Ps’ - preto, pobre ou puta - vão parar atrás das grades, é hora de comprovar que a Constituição da República é mais do que uma carta de intenções. E que todos os brasileiros, independente de sua cor, credo, orientação sexual, cargo ou conta bancária são iguais perante a lei. Os mensaleiros ficarão, sim, presos e, mesmo os que têm direito ao regime semi-aberto só poderão sair da cadeia para trabalhar. Nada de festas, visitas à residência, restaurantes, viagens. Nada de liberdade.

É claro que ainda falta muito. A começar pela necessidade de superarmos a dificuldade que temos, enquanto nação, de denunciar, acusar e punir o malfeitor. Há uma espécie de ‘trauma nacional’ que faz com que tenhamos ‘dó’ de bandido. Durante o julgamento do mensalão, foi triste ouvir juízes como Ricardo Lewandowski se referir a acusados do desvio de milhões de reais como ‘paciente’. Foi indigesto acompanhar, durante a dosimetria em que os magistrados estabeleceram as penas de cada um e, na última semana, quando trataram da execução das sentenças, manifestações exacerbadas da necessidade de ‘respeito’ à ‘dignidade’ dos condenados.

Uma coisa é assegurar a integridade física e oferecer condições adequadas para o cumprimento das sentenças, o que não apenas se espera como, também, se exige das autoridades competentes. Outra, muito diferente, é querer transformar o ‘bandido’ em vítima, reservando a ele a ‘dignidade’ que com a qual ele nunca se preocupou. Afinal, parece óbvio que quem é digno não rouba, não desvia recursos públicos, não fica com o que não lhe pertence, não atropela as leis. Quem faz isso, seja para roubar uma bolsa, um carro ou dinheiro do contribuinte para financiar campanha eleitoral de partido político, é bandido. Quem é condenado por cometer crime é bandido, seja o delito a fraude numa licitação municipal ou o desvio de recursos de um banco estatal. Bandido é bandido. E, condenado, deve ter seus crimes, sua conduta e sua punição amplamente divulgados. Na vida, não há melhor remédio do que o exemplo. Do que presta e, obviamente, do que não presta.

As prisões dos mensaleiros, por si só, não resolvem tudo, mas são passo importante no rumo certo. Passo que foi protagonizado, na última sexta-feira, com grande honra e dignidade, pelo ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF e relator da Ação Penal 470. Impossível saber se foi coincidência ou não, mas é sintomático que os primeiros doze mandados de prisão tenham sido expedidos pelo presidente da Corte Suprema no dia em que se comemora a Proclamação da República. Nestes 124 anos da República, houve poucos ‘aniversários’ em que tivemos tantas razões para celebrar como neste 15 de novembro de 2013. Uma sexta-feira que, sem sombra de dúvidas, entrou para nossa história. Pela porta da frente, e com muito orgulho.

Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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