Caráter e dignidade

Terminou, sexta-feira, o julgamento de Giselma Campos e de seu irmão Kairon Alves, mandantes do assassinato do dono da Friboi.

29/09/2013 | Tempo de leitura: 4 min

‘Os outros pecados falam apenas; o crime grita’
John Webster,
dramaturgo inglês

Terminou, sexta-feira, o julgamento de Giselma Campos e de seu irmão Kairon Alves, mandantes do assassinato de Humberto Magalhães, ex-marido da primeira e cunhado do segundo. Humberto tinha 43 anos quando foi morto, numa emboscada, em dezembro de 2008. Executivo bem-sucedido da Friboi, tinha sido casado por 20 anos com Giselma, com quem teve dois filhos. Estavam separados desde 2007. No início do ano em que seria morto, passara a morar com a veterinária Adriana Domingos. Ouvidos acusação, defesa e testemunhas, os jurados decidiram condenar ambos. Giselma, a 22 anos e seis meses de cadeia. Seu irmão, a 21 anos.

Giselma era uma mulher inconformada com a separação de Humberto. Durante boa parte de 2008, não foram poucas as vezes em que chegou a ligar diretamente para a então mulher de Humberto, destilando ódio e ameaças. ‘Falou que eu não ficaria com ele e que faria o possível para que isso acontecesse’, disse Adriana, durante seu depoimento.

Das palavras à ação, não tardou muito. Decidida a matar seu ex-marido, Giselma procurou Kairon, que havia acabado de sair da cadeia. Durante 18 anos, o irmão de Giselma havia cumprido pena no Maranhão por tráfico de drogas. A liberdade ainda era uma sensação nova - e, aparentemente, irrelevante - quando, convencido pela irmã, contratou dois pistoleiros, Paulo dos Santos e Osmar Lima, para liquidar o cunhado. O preço? Trinta mil reais.

Giselma não apenas idealizou e financiou o crime como também foi fundamental para que a execução fosse facilitada. Sem qualquer escrúpulo, recorreu a um golpe baixíssimo para atrair Humberto a seu próprio fim. Entregou o celular de um dos filhos ao irmão, que o repassou aos pistoleiros. Paulo e Osmar ligaram do aparelho para Humberto dizendo que seu filho estava passando mal. O executivo disparou em direção à rua Alfenas, na Vila Leopoldina, onde o garoto estaria. Desesperado, bateu de casa em casa. Ninguém tinha, obviamente, notícias do rapaz. Quando retornou ao carro, foi surpreendido por Paulo, que disparou duas vezes à queima-roupa. Era o fim de Humberto.

Foi através do celular que a polícia chegou a Kairon. E foi ele quem, em depoimento, entregou a irmã. Giselma negou tudo e chegou a dizer que não conhecia Kairon, o que obviamente se mostrou absurdo. Numa diligência em sua casa, foi encontrado ainda outro chip de celular, que foi decisivo para comprovar as múltiplas ligações dela para o irmão. Giselma então apresentou a versão na qual insistiria ao longo dos anos: o assassinato fora cometido pelo irmão, sem sua participação, por conta de uma suposta dívida de R$ 5 mil.

Kairon passou a dizer que havia acusado a irmã ‘sob tortura’ e assumiu a culpa sozinho. Insistia na tese da ‘dívida de R$ 5 mil’. Continuou assim até quinta-feira quando, em seu depoimento, retomou a versão original. Nunca foi torturado e nem havia qualquer dívida. Contratou os pistoleiros a mando da irmã. E recebeu R$ 30 mil pelo serviço, que dividiu com os algozes do cunhado. Não falou a verdade por nenhum súbito arrependimento. Fez isso apenas porque se sentiu desamparado por Giselma. E para ter redução na pena.

Foi justamente ao apelar por misericórdia para seu cliente que a advogada de Kairon mostrou o grau de desconexão com a realidade que atinge uma parcela de brasileiros que parece ter por bandidos muito mais respeito e consideração do que por suas vítimas. ‘Mesmo que a pessoa tenha errado e cometido um crime, como tráfico de drogas, não quer dizer que a pessoa não tenha dignidade e caráter’, sustentou Vitória Nogueira, defensora de Kairon Alves.

Uma simples consulta a fontes confiáveis mostra que substantivos como ‘dignidade’ e ‘caráter’ têm significado muito distinto daquele usado pela advogada para qualificar gente do naipe de seu cliente. Sobre ‘dignidade’, ensina o dicionário Ruth Rocha, um clássico da Língua Portuguesa. ‘1 - Qualidade moral que infunde respeito. 2 - Respeitabilidade. 3 - Honra’. Sobre ‘caráter’, assevera: ‘(...) 4 - Índole. 5 - Firmeza de vontade (...) 7 - Feitio moral’.

Tudo que Kairon Alves não tem é caráter ou dignidade. Alguém que depois de cumprir 18 anos de cadeia por tráfico ganha a liberdade e aceita contratar dois pistoleiros para matar o cunhado em troca de R$ 30 mil está muito mais para ‘pária’, ‘bandido’, ‘amoral’ e ‘hediondo’. Dignidade e caráter, nele e na sua irmã, passaram longe.

O pior é que isso não é tudo. Durante todo o julgamento, o filho caçula, Carlos Magalhães, pedia a condenção da mãe para que fosse feita justiça. Infelizmente, não será possível por enquanto. Terminado o julgamento, Giselma saiu do Fórum da Barra Funda, na Capital,  pela porta dos fundos, mas livre. Foi para casa. Pode comer pizza, passear e assistir a filmes se assim desejar. Por decisão do Supremo Tribunal Federal, Giselma Campos deve continuar em liberdade até que se esgotem todos os recursos. O que, no Brasil, significa dizer que não é improvável que ela nunca venha a cumprir pena.

Neste país de tantas virtudes, passou da hora de aprendermos que o direito de defesa não pode ser confundido com a premissa da impunidade. E que condenados por crimes de morte e assemelhados devem ter a prerrogativa de recorrer das suas sentenças, mas atrás das grades. Enquanto isso não mudar, qualquer tentativa de redução de violência terá o mesmo efeito que enxugar gelo. Nenhum.

Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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