Guerreira imortal

Uma linda, corajosa e valente menina francana que viveu apenas 11 anos, mas que segue imortal no exemplo de coragem e no legado que nos deixou

08/09/2013 | Tempo de leitura: 4 min

‘Ninguém pode livrar os homens da dor, mas será bendido aquele que fizer renascer neles a coragem para suportar’
Selma Lagerlof,
escritora sueca


‘Isso aqui não é vida. Quero morrer em casa’. O desejo, expresso no dia 27 de março deste ano, uma quarta-feira, na Santa Casa de Franca, foi dirigido a Mara Alves por sua própria filha, a jovem Ana Laura Alves Silva, então com 11 anos, pouco depois de ser informada pelos médic os que precisava ser entubada. Coragem não lhe faltava, mas o corpo ressentido pela batalha contra a leucemia, a respiração ofegante e o prognóstico ruim sinalizavam que o sacrifício seria em vão. Mara desabou num choro incontrolável. Foi consolada pela filha. ‘Deixa prá lá, mãe. Vamos continuar lutando’.

Tudo corria bem na casa dos Alves Silva até 2011. Ana Laura era uma menina normal, alegre, que estudava no Pestalozzi. Adorava dançar e fazia aulas de balé e jazz. Uma viagem para a Costa do Sauípe, na Bahia, estava prevista para o meio daquele ano. Semanas antes, uma febre repentina, associada a dores no corpo, tomou conta da menina. ‘Foram 45 dias de febre ininterrupta’, lembra Mara, que perdeu a conta de quantas vezes levou a filha ao médico. Houve quem chegasse a brincar, classificando o problema de ‘dramatite’. Não poderia haver diagnóstico mais distorcido.

Submetida a algumas sessões de acupuntura, Ana Laura melhorou. A família viajou então para o Sauípe. Mas, na Bahia, a febre voltou. No retorno a Franca, o infectologista Marco Benedetti pediu uma punção na medula óssea e biópsia. Em 15 de julho, o duro resultado: Ana Laura tinha leucemia linfóide aguda, um tipo de câncer que afeta o sistema sanguíneo e avança rápido. A quimioterapira precisava começar imediatamente.

Os meses de tratamento consumiram 2011 e atravessaram 2012, mas 2013 chegou com boas perspectivas. A quimioterapia tinha sido concluída, os exames mostravam bons resultados e, se tudo continuasse bem, logo entraria a fase de manutenção. Mas, em março, os sintomas ressurgiram e novos exames revelaram que a leucemia havia voltado muito mais forte. Agora, as doses de quimioterapia teriam que ser dez vezes mais fortes e o sistema imunológico de Ana Laura acabaria destruído. Um transplante de medula óssea tornava-se imperativo e um doador tinha que ser encontrado em três meses. As chances de encontrar um compatível eram de uma em cada 100 mil pessoas.

A família começou uma campanha na imprensa e nas redes sociais. Logo, os colegas de escola aderiram. Uma das mais preocupadas era a colega de classe e homônima Ana Laura, filha do vereador Adérmis Marini (PSDB). Ana Laura Marini sugeriu ao pai que fizesse um projeto de lei que obrigasse as pessoas a doarem medula, o que não é permitido. Adérmis pensou numa alternativa: propor uma lei que instituísse um programa de conscientização e estímulo à doação de medula óssea.

Enquanto isso, Ana Laura Silva continuava sua luta pela vida. A campanha tinha surtido efeito e o número de pessoas que corriam para se cadastrar como doadores de medula tinha quintuplicado. Infelizmente, nenhum deles compatível com ela, cujo quadro de saúde se deteriorava rapidamente. Março inteiro Ana Laura passou internada. No final do mês, a dificuldade para respirar era imensa. Foi então que a equipe médica decidiu entubá-la. Quis o destino, sempre misterioso e irônico, que algumas coincidências estivessem reservadas para seus instantes finais.

A tarde de primeiro de abril, uma segunda-feira, chegaria com uma notícia que, dias antes, teria justificado uma grande festa. Um doador compatível tinha sido encontrado, avisou o médico às 17h. ‘Não dá mais, doutor. Agora é tarde’, lamentou o pai. Poucas horas depois, ele e sua mulher se despediriam da filha. ‘Pode ir com Deus’, sussurou Anderson para Ana Laura, acompanhado, em silêncio, por Mara. Eram 2h20 da madrugada de terça-feira. Ana Laura abriu os olhos, fitou os pais, e depois os fechou. Definitivamente.

Menos de dez horas após a notícia de que um doador compatível havia sido encontrado, a valente guerreira Ana Laura Alves Silva morria no Centro de Terapia Intensiva da Santa Casa. Seu sepultamento, às 16h do mesmo dia, atraiu uma multidão ao cemitério Jardim das Oliveiras. Praticamente ao mesmo tempo em que seu corpo baixava a sepultura, na Câmara Municipal a lei ‘Ana Laura’ era aprovada por unanimidade.

Hoje, mais de 80 cidades brasileiras dos mais diversos Estados já aprovaram ou estão em fase de discussão de versões da ‘lei Ana Laura’, na maior parte dos casos com idêntico nome. Em outros, homenageiam crianças com histórias semelhantes de suas próprias comunidades. O mote é único: instituir uma semana dedicada à conscientização e incentivo à doação de medula. Em Franca, a Semana ‘Ana Laura’ acontecerá anualmente de 22 a 29 de setembro, data que compreende seu aniversário, comemorado no dia 26.

Milhares de brasileiros estão hoje na fila à espera de um transplante de medula óssea que pode salvar suas vidas. É bastante provável que suas chances de cura sejam a partir de agora bem melhores, graças a Ana Laura Alves Silva e a lei inspirada em sua história. Uma linda, corajosa e valente menina francana que viveu apenas 11 anos, mas que segue imortal no exemplo de coragem e no legado que deixou para todos nós.

Corrêa Neves Júnior, diretor executivo do GCN
email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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