Cinco corpos

Uma chacina, acontecida em algum momento entre a tarde de domingo e a madrugada de segunda-feira, terminou com cinco mortes.

11/08/2013 | Tempo de leitura: 5 min

Pode ser que a perspectiva da ‘morte certa’ e o gosto pelas armas tenham criado em Marcelinho as condições para esta explosão de fúria. Pode não ser nada disso
Pode ser que a perspectiva da ‘morte certa’ e o gosto pelas armas tenham criado em Marcelinho as condições para esta explosão de fúria. Pode não ser nada disso

‘O criminoso, no momento em que pratica o seu crime, é sempre um doente’
Fiodor Dostoievski,
escritor russo

Uma chacina, acontecida em algum momento entre a tarde de domingo e a madrugada de segunda-feira da semana passada, terminou com o trágico saldo de cinco mortos na periferia da capital paulista. Desde que os cinco corpos de uma mesma família foram encontrados nas duas casas que dividem o mesmo terreno e onde todos moravam na Vila Brasilândia, muitas perguntas têm atormentado os brasileiros e inquietado boa parte do mundo. Todos, atônitos diante de uma família inteira dizimada.

Por que dois adultos, duas idosas e um adolescente foram mortos a sangue-frio? Por que quem matou não levou nada da casa? Se o marido e a mulher eram policiais militares da ativa e, portanto, preparados para lidar com situações-limite, por que não reagiram? Estavam todos dormindo? Foram dopados? Foi vingança? E, claro, por que, ou a mando de quem, eles foram mortos?

Uma resposta foi apresentada pela polícia menos de 24 horas depois, recorde para o padrão habitual das forças de segurança brasileiras. A partir de relatórios e investigações ainda iniciais o delegado responsável pelo caso, Itagiba Franco, disse, na tarde de terça-feira, que tudo levava a crer que um único assassino agiu e foi o responsável por todas as mortes. Confirmou também que não houve invasão de nenhuma das duas casas e que nada foi roubado. Explicou ainda que as vítimas não reagiram e que foram mortas enquanto dormiam.

Foi baseado nestas evidências e circunstâncias - e também por imagens de câmeras de segurança, além de alguns depoimentos - que o delegado anunciou que tudo apontava numa única e dramática direção: Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, de apenas 13 anos, filho e neto das vítimas, não era simplesmente o principal suspeito dos crimes. Era, também, o único. Além disso, Marcelinho, como era conhecido, seria tambem seu próprio algoz.

Pela versão da polícia, Marcelo matou o pai, a mãe, a avó e a tia-avó depois de dopá-los, pegou o carro da família e foi para a escola, assistiu aulas, voltou para casa e, horas depois, se matou. Para cometer os assassinatos e depois colocar fim à própria vida, Marcelinho usou uma pistola automática .40, arma da mãe. Uma tragédia para grego nenhum botar reparo.

Difícil encontrar alguém que não tenha ficado chocado e surpreso com a revelação feita pelo delegado. Pensar que aquele menino de pele muito clara e cabelos loiros, que qualquer um definiria como ‘um anjo’, seria capaz de tirar a vida dos pais, avó e tia-avó, parecia absurdo. Afinal, não é mais provável que os pais, policiais militares, tivessem sido vítimas de alguma facção criminosa? A rapidez com que divulgaram o nome do ‘culpado’ não seria evidência de uma ‘manobra’ para encobrir os reais culpados? Não acredito.

Teorias conspiratórias são sempre sedutoras e admitir que um menino seja capaz de dizimar a própria família é uma possibilidade incômoda. Mas quem se dedicar a analisar com atenção os fatos, os depoimentos e as imagens disponíveis dificilmente vai chegar a conclusão diferente.

A tese não é preciptada nem desprovida de lógica. Para começar, há imagens. Uma câmera de segurança instalada nas proximidades da escola onde Marcelinho estudava mostra que ele chegou para a aula normalmente às 6h32 da manhã de segunda-feira, quando seus pais já estavam mortos. As imagens também sugerem que ele dormiu fora de casa, no carro da mãe que parou na mesma rua horas antes, por volta de 1h15. Não é crível supor que ele tenha sido morto numa ‘emboscada’ quando retornou, muitas horas depois da aula, de carona com o pai de um amigo. Além disso, esse mesmo pai disse que Marcelinho pediu que ele parasse perto do carro da mãe para ‘pegar uma coisa’ que tinha deixado lá, já que o carro tinha ‘dado problema’. Para a polícia, o objeto que ele pegou era a arma com a qual dizimou a família e que usaria para acabar com a própria vida.

Familiares e vizinhos confirmaram que Marcelinho sabia dirigir e atirar. Manobrar carros aprendeu com a mãe; disparar com armas de fogo foi ensinamento do pai. Segundo a polícia, num computador encontrado na casa alguém fez consultas em sites de buscas, dias antes, sobre como dopar ou sedar alguém. Como se não bastassem tantos elementos, colegas de escola do garoto disseram à polícia que um dos sonhos de Marcelinho era se transformar em ‘matador de aluguel’. Um outro colega de sala também contou que Marcelinho havia confidenciado a colegas seus planos de matar a família.

Há uma informação adicional relevante. Marcelinho tinha fibrose cística, doença degenerativa e progressiva que, não raro, leva à morte. A mãe acreditava que eram remotas as chances do filho ultrapassar os 18 anos. Pode ser que a perspectiva da ‘morte certa’ e o gosto pelas armas tenham criado em Marcelo Pesseghini as condições necessárias para esta explosão de fúria. Não é impossível que ele gostasse tanto dos pais e avós que, diante da possibilidade de morrer e se ver distante de todos que amava, tenha decidido abreviar as coisas e levar todos juntos para ‘o céu’. Pode ser simplesmente que estivesse inconformado com as frequentes crises de tosse intermitente que afligem os portadores de fibrose cística. Pode não ser nada disso.

A Chacina da Brasilândia é um desses casos que, independente das conclusões oficiais, permanecerá assombroso. Como não há testemunhas, as vítimas estão mortas e o assassino, quase certamente, também, nunca haverá uma confissão que ajude a resolver o mistério. Nada disso faria com que alguém entendesse a barbárie mas, certamente, tornaria menos complexa a difícilima tarefa de assimilar e admitir que, como parte intrínseca da natureza humana, temos a capacidade de perpetrar atos sem nexo aparente, como esses, ainda que seu autor seja um rapaz de 13 anos criado com cuidado, amor e carinho. Até a tarde do último domingo, os ‘Bovo Pesseghini’ eram uma família feliz. São, agora, os cadáveres de uma história triste, absurda, extrema e real. Assustadoramente real.

CORRÊA NEVES JÚNIOR
é diretor-responsável do Comércio da Franca jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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