O que mais?

Se tudo que fez Adriana Telini não é ‘moralmente inidôneo’ nem ‘crime’, (...) o que um advogado teria que cometer para ser expulso da OAB.

21/07/2013 | Tempo de leitura: 5 min

Se tudo que fez Adriana Telini não é ‘moralmente inidôneo’ nem ‘crime infamante’, fico imaginando que tipo de transgressão um advogado teria que cometer para ser expulso da OAB
Se tudo que fez Adriana Telini não é ‘moralmente inidôneo’ nem ‘crime infamante’, fico imaginando que tipo de transgressão um advogado teria que cometer para ser expulso da OAB

‘Honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere’
(‘Viver honestamente, não prejudicar ninguém, dar a cada um o que lhe pertence’)
Provérbio latino atribuído a Ulpiano, jurista romano


Adriana Telini, advogada francana, era conhecida por sua atuação na defesa de bandidos. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça e divulgadas com exclusividade pelo Comércio revelaram que Adriana Telini também era, ela própria, uma criminosa como tantos de seus clientes. Defensora e defendidos tinham em comum a suspeita de praticar ações como assalto a mão armada, roubo, associação para o tráfico de drogas, proteção e abrigo para fugitivos, estelionato e formação de quadrilha.

Impossível precisar quando Adriana Telini começou a misturar os papéis de defensora de bandidos e de criminosa. No máximo, dá para estabelecer quando tudo veio à tona. Foi em 2006 que as íntimas relações da advogada com marginais foram reveladas pelas escutas. Descobriu-se então que Adriana ligou para um grupo de comparsas quando soube que clientes seus portariam dinheiro. A ‘doutora’ os avisou sobre onde seus clientes estariam, quanto transportavam e como se vestiam. Foi essa ação que acabou flagrada pelo ‘grampo’. O roubo só não se consumou porque os clientes mudaram o trajeto que fariam e escaparam da emboscada.

A mesma série de gravações mostrou ainda Adriana oferecendo sua casa para servir de esconderijo a um marginal que havia acabado de escapar da antiga cadeia do Guanabara. O sujeito acabou preso, no dia seguinte, no seu escritório. A ‘doutora Adriana’ também atuava como pombo-correio. Numa gravação, ela dava detalhes à filha de um traficante sobre onde estavam escondidos diversos tijolos de maconha. Tudo isso são fatos, flagrados, nunca é demais repetir, numa série de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça.

Também não é demais lembrar que tais fatos, vexatórios, não foram o bastante para interromper as carreiras de Adriana Telini - nem a jurídica, nem a criminosa. Apesar de formalmente denunciada, Adriana continuou advogando normalmente. Seguiu, também, delinquindo.

Em 2008, dois anos depois das acusações de 2006, Adriana Telini acabou flagrada armando mais uma emboscada. Desta vez, contra vendedores de jóias. Ela chamou um casal de quem era cliente até seu escritório sob o pretexto de comprar algumas peças. Quando o casal saiu, foi surpredido por um bando armado, que agia a mando da ‘doutora Adriana’. O casal reagiu e o vendedor de jóias, além de perder dezenas de milhares de reais em mercadorias, ainda acabou baleado no pé.

Por este crime Adriana Telini foi sentenciada a mais de 12 anos de cadeia. Sua defesa conseguiu anular o julgamento no Tribunal de Justiça por conta de alegadas falhas na instrução do processo. Com isso, ela acabou submetida a um novo julgamento. De novo, foi condenada. Desta vez, a uma pena menor: 5 anos e quatro meses de prisão.

No meio desta confusão toda, Adriana Telini ainda encontrou tempo para agir como estelionatária. No mesmo ano de 2008, um bando de marginais fez um limpa na casa de uma dentista. Levaram, entre outras coisas, dois talões de cheques. Advinhem só onde essas folhas foram parar? Nenhuma surpresa, pelo menos dez folhas foram usadas pela ‘doutora Adriana’ para pagar itens como roupas, cabeleireiro e, até, a coitada da faxineira. Pelo estelionato, Adriana Telini foi condenada a três anos e quatro meses de prisão.

Em oito anos de ações criminosas e processos judiciais, Adriana Telini já foi julgada, condenada, recursou, apelou, foi presa, libertada, fugiu, se escondeu por quase três anos em Campinas, foi presa de novo. Passou três anos e meio atrás das grades e ganhou no ano passado a liberdade por conta de uma estratégia bem-sucedida de defesa. Apesar de outras acusações pesarem contra ela, ainda cabem recursos e, portanto, Adriana Telini segue em liberdade enquanto não há sentença definitiva. Lamentavelmente, é a lei.

Mais lamentável ainda foi descobrir, esta semana, que Adriana Telini retornou à advocacia. Pode parecer absurdo para as pessoas de bem, mas o extenso ‘currículo’ de Adriana Telini no mundo do crime não foi grave o bastante para merecer, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pena maior do que a suspensão por um ano. Num país onde a Justiça é morosa, os órgãos disciplinares da OAB caminham a passos muito mais lentos.

É um ritmo capaz de envergonhar tartaruga. A OAB demorou quatro anos para anunciar a condenação de Adriana Telini à suspensão do direito de exercer sua profissão por doze meses. A punição terminou em 25 de junho deste ano. Agora, mesmo com tantos fatos desabonadores, não há mais qualquer restrição. Adriana Telini pode atuar em todos os ramos do Direito. No crime, inclusive.

Ler o Estatuto da Advocacia depois de acompanhar as peripécias da ‘doutora Adriana’ e a ação da OAB é mergulhar num oceano de frustração. Ali, no artigo 34 do Capítulo IX, há dezenas de razões para suspensão ou cassação do direito de exercer a advocacia. De ficar com dinheiro de clientes a deixar de contribuir com a anuidade da OAB, sobram razões para punição. Duas delas, no entanto, por sua beleza e simplicidade, se destacam. Diz o inciso XXVII: ‘tornar-se moralmente inidôneo para exercício da advocacia’. O inciso seguinte, de número XXVIII, é direto: ‘praticar crime infamante’.

Se tudo que fez Adriana Telini não é ‘moralmente inidôneo’ nem ‘crime infamante’, fico imaginando que tipo de transgressão algum advogado teria que cometer para ser excluído da Ordem dos Advogados do Brasil.

A advocacia é nobre, o Direito fundamental e as prerrogativas que cercam o exercício profissional são absolutamente essenciais. Por isso mesmo, a carteirinha da OAB tem que ser um instrumento de garantia de Justiça. Jamais, uma licença para delinquir. Do jeito que as coisas vão, não tardará o instante em que será impossível ao cidadão comum distinguir uma situação de outra. Separar o joio do trigo não é apenas desejável. É imperativo. Tanto para a imensa maioria de advogados honrados quanto para a população. Gente que exige, simplesmente, Justiça.

CORRÊA NEVES JÚNIOR
é diretor-responsável do Comércio da Franca jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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