Capítulo dos mais curiosos na pequena história da nossa alimentação é o caso das superstições. Penso como pode essas coisas nos pegarem pelos pés, impedindo-nos de usar a razão - vivêssemos todos com a consciência sã, uma simples reflexão sobre o significado da palavra superstição nos bastaria: “crença ou noção sem base na razão ou no conhecimento, que leva a criar falsas obrigações, a temer coisas inócuas, a crer em coisas absurdas”. Mas é chata a vida sem magia, por isso adotamos antigas superstições, criadas antes mesmo do surgimento de nosso primeiro prato.
Nossas superstições ou tabus alimentares são coisas de portugueses: nossos índios, despreocupados que eram, não enjeitavam seus alimentos - e a combinação atendia ao gosto deles. Importante diferenciar aqui a mudança de padrão alimentar do homem índio em regime de couvade: algumas sociedades tinham por ritual a vivência masculina nos partos, assim, quando a mulher entrava em trabalho de parto, o homem, após o parto, entrava em regime de resguardo. Esse índio não saía para a caça, bem como tinha a sua alimentação restrita a esse “estado clínico”. Portanto, um ritual, não uma superstição.
Aprendemos com os portugueses que, basicamente, o que prejudica a digestão e, portanto, desaconselha-se, são as misturas. Misturas entre sólidos e entre líquidos. Nenhuma razão gustativa ou médica nos infringiu a proibição de se misturar, por exemplo, a carne com frutos do mar ou peixe. Tal tradição alimentar data do Consilium Hypocratis: “Carne e peixe na mesma comida encurtam a vida”. A grosso modo, parece que não combinam, parecem indigestos. Chef de restaurante renomado lançou cardápio ousando a combinação entre pernil e lulas - muitos resistem em experimentar o repasto. Não experimentei, mas se penso sem preconceito, acho que combinam em gosto e textura.
Diz-se que os camponeses europeus nos ensinaram que tem o dia de comer carne de caça, o dia do porco, o do peixe e só. No mínimo nos agrada mais a separação dos alimentos. Recordo-me do humorista Golias: uma vez estava ele no mesmo restaurante que eu, um fino restaurante francês. Ele não se intimidou, segurou o prato com a mão, amassou e misturou toda a comida, destruiu a montagem artística e ainda pediu aquela pimentinha e a farinha. Reprovação geral, mas bom, deve ter ficado.
Imensa munição às superstições foi dada pelas frutas. E é com as frutas também que se pode ver paulatinamente a vitória da nutrição sobre a crendice popular. Lendo o autor Câmara Cascudo, deparo-me com informação que já vem se desatualizando: a popular resistência em saborear uma fresca salada de frutas, parece já ter superado isso. Ou, frutas quentes pelo sol provocam cólicas e dores de barriga, ou fruta verde: “fruta de vez, o diabo que fez”. Essas superstições pode-se pensar que vieram do interesse dos produtores em manter afastados os famélicos trabalhadores dos produtos de valor comercial.
O leite, em separado, já é gerador de inúmeras controversas, quando combinado a frutas como manga e jaca, decretam a morte, veneno puro. Enquanto os indianos se esbaldavam com os lassis de iogurtes e frutas, para nós, o encontro do leite com a manga geraram enormes enxaquecas. Mas ainda hoje manifestamos espanto quando alguém exibe um copo de leite como acompanhante da refeição, como se aquilo não caísse bem...
De todo o modo, uma superstição pelo menos vem se rejuvenescendo, como se o passar dos anos lhe desse maturidade sem lhe retirar o frescor: “o comer demais”. Era grande a lista de desventura para os que comiam muito doce, pepino, jaca, queijo, manteiga. Hoje, sem superstição, sabemos a enorme lista das desventuras para o comer demais e, mais, trocamos inofensivas causas, como tosse, feridas, lombrigas e diarreias, por coisas bem mais desagradáveis.
DICA DA SEMANA
Lassi
Falei do lassi no texto aí do lado e ia traduzir embaixo, explicar direito o que é para quem não sabe. Mas ao pensar no lassi e no quanto gosto deles, de repente, percebi que ele se encaixava perfeitamente ao texto.
Porque utiliza leite, às vezes mistura-se com frutas e, finalmente, porque são feitos para acompanharem pratos apimentados e fortes. Isso porque é uma bebida fresca.
O tradicional se faz assim:
Pegue um copo grande daqueles utilizados para fazer milk-shake. Depois coloque ¾ de xícara de iogurte no fundo do copo, adoce a gosto, acrescente gelo picado e um spray de águas de rosas, bem pouco mesmo. Se não gostar, pode dispensar.
Com uma faca bem afiada pique hortelã bem fininha, misture bem e complete com leite. Bata bastante. Se quiser usar um mix também pode, mas nesse caso não bata muito, senão perderá a cremosidade.
Depois de pronto você poderá misturar com frutas. A manga, morango e mamão, para mim, são as melhores e as que mais combinam. Experimente.
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