A revolta do saco cheio

‘Nunca antes na história deste país tanta gente tomou as ruas para protestar contra tanta coisa’

23/06/2013 | Tempo de leitura: 5 min

Há gente. Muita gente. Um número inimaginável, até três semanas atrás, de pessoas que se reúnem, caminham, gritam o que está engasgado na garganta
Há gente. Muita gente. Um número inimaginável, até três semanas atrás, de pessoas que se reúnem, caminham, gritam o que está engasgado na garganta

‘Toda reforma foi em algum tempo
uma simples opinião particular’
Ralph Waldo Emerson,
escritor e filósofo americano


‘Nunca antes na história deste país tanta gente tomou as ruas para protestar contra tanta coisa’. A frase, cujo prêambulo traz a marca registrada dos pronunciamentos autoelogiosos - e na mesma medida, exagerados - dos tempos de Lula na presidência da República, define com precisão o que acontece hoje no país. É gente demais, inconformada e cansada demais, que grita nas ruas a sua revolta de forma clara e direta, dia após dia, passeata após passeata, em centenas de cidades espalhadas por todo o Brasil. Não há liderança única, organização rígida, matiz ideológica, pauta de reivindicações formal, motivação religiosa, participação de centrais sindicais, palanques, carros de som nem qualquer coisa do gênero.

Há gente. Muita gente. Um número inimaginável, até três semanas atrás, de pessoas que se reúnem, caminham, gritam o que está engasgado na garganta, exibem cartazes, rechaçam os poderes constituídos e, com especial energia e ênfase, os partidos políticos. Todos, sem exceção. Quem tentou partidarizar a causa se deu mal. Foram muitas as cenas de integrantes do PT, Psol, PSTU e CUT hostilizados em manifestações que aconteceram em distintas cidades brasileiras. Sob gritos e empurões da massa enfurecida com sua presença, os militantes tiveram as bandeiras que insistiam em carregar queimadas ou destruídas. Foram obrigados a recuar. Quem insistiu, tomou safanões. Os simpatizantes dos demais partidos políticos só se livraram de idêntico tratamento por terem noção do ridículo. Aceitaram que não eram bem-vindos. Evitaram a vergonha - e a surra.

As faíscas que colocaram fogo no pavio foram os protestos contra os aumentos nas tarifas de ônibus em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os governos e suas polícias, num primeiro instante, reagiram mal. Bateram, ao invés de conter. Foi o mesmo que sovar massa de pão. A polícia rapidamente encontrou um ponto de equilíbrio melhor, mas as multidões já estavam grandes demais para que os tumultos inexistissem. Afinal, no meio de tanta gente, sempre há uma minoria de espíritos de porcos. É assim em partidas de futebol, em shows e, fica óbvio, também em passeatas. São vândalos. Apesar de ser uma minoria que raramente ultrapassa 2% do total de participantes, tem potencial para deixar um rastro de destruição por onde passa. Carros queimados, gente machucada, prédios públicos depredados, lojas saqueadas... É o ponto fora da curva desta impressionante explosão de cidadania.

Franca também não ficou imune ao vandalismo. Depois de um manifesto lindo que reuniu mais de 10 mil pessoas na última quinta-feira, um grupelho de 200 radicais barbarizou no Centro. A Polícia agiu sem excessos ou violência. Lançou bombas de gás lacrimogêneo, ocupou e retomou a praça. Ninguém me contou. Eu estava lá, junto com meus amigos e colegas de trabalho Leandro Vaz e Edson Arantes. Vimos tudo, acompanhamos de perto, entrevistamos policiais e manifestantes, narramos ao vivo, postamos videos. Outras equipes do Comércio, da Difusora e do portal GCN fizeram o mesmo.

É claro que o saldo de uma batalha campal nunca é positivo. Lixeiras foram queimadas, orelhões destruídos, paredes pichadas e algumas lojas saqueadas. Dado o contexto, ficou de bom tamanho. Poderia ter sido bem pior. Diferente de Ribeirão Preto, onde até morte aconteceu, por aqui os danos foram apenas materiais. Não houve um único ferido ao final dos protestos. Quem reclama da ‘repressão’ é porque quer demonizar a polícia. Ou, então, tem interesse na arruaça. Manifestante interessado em melhorar o país é que não é.

Quanto aos protestos pacíficos, a reclamação quanto ao preço da tarifa de ônibus deixou de ser o grito único ainda no início. Corrupção, impunidade, falta de recursos para saúde e educação, a PEC 37 e as limitações que impõe às investigações do ministério público, os serviços públicos de péssima qualidade, a ‘cura gay’ proposta pelo deputado-pastor Marco Feliciano, os recursos destinados pelo governo para realizar a Copa do Mundo, o tamanho dos impostos que penalizam a população... A lista é extensa. Por todo o Brasil, revoltas específicas de cada comunidade se somaram ao gritos gerais. Na manifestação que tomou as ruas de Franca, sobrou para o prefeito Alexandre Ferreira (PSDB) e a polêmica que cerca o viaduto Dona Quita; para a tarifa da São José e para os vereadores e alguns posicionamentos vergonhosos.

A reação dos governos frustra. Alexandre Ferreira tenta se comunicar com os manifestantes pelas redes sociais, mas falha no conteúdo. Ninguém está interessado nos seus ‘parabéns’. Ou o prefeito anuncia ações concretas, como a redução da tarifa de ônibus e a suspensão da construção de um novo e milionário viaduto, ou é melhor nem desperdiçar seu tempo. No plano estadual, tanto o governador tucano Geraldo Alckmin quanto o prefeito petista da Capital, Fernando Haddad, já perderam o timing. Reduziram a tarifa do ônibus, em vão. Os protestos continuam.

Em Brasília, a presidente Dilma Roussef fez um pronunciamento pífio, frio, quase infantil. Pediu ‘carinho’ com os estrangeiros que nos visitam por causa do futebol. Falou em ‘pacto pela mobilidade urbana’. Não exigiu prisão de político condenado, não se comprometeu com reforma política ou tributária, não anunciou novos investimentos em saúde e educação.

Por enquanto, é impossível prever o desfecho desta onda de protestos. Sabe-se que o principal instrumento de articulação da massa de descontentes, as redes sociais, está plenamente ativo - e assim vai continuar. Sabe-se também que o velho panis et circenses dos romanos, convertido em ‘bolsa-tudo’ e Copa do Mundo no Brasil contemporâneo, simplesmente não funciona mais.

Políticos demais riram por muito tempo da cara dos brasileiros. A população, de saco cheio, exige mudanças imediatas. Quem não assimilar e agir corre o risco de perder o poder muito antes do que seria razoável supor. Não é impossível que um ou outro perca também a cabeça. A História é pródiga em exemplos. Que os líderes de hoje não repitam os erros do passado. Este seria o pior - e mais burro - cenário possível.

CORRÊA NEVES JÚNIOR
é diretor-responsável do Comércio da Franca jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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