Perigosa

Nunca me vi como excêntrico. Pelo menos, até semana passada, quando a minivaca Perigosa entrou na vida de minha família

02/06/2013 | Tempo de leitura: 5 min

Nunca me vi como excêntrico. Pelo menos, até a semana passada. O que me consola é que há muita gente esquisita. Na Bélgica, uma mulher cria uma mula. Num apartamento
Nunca me vi como excêntrico. Pelo menos, até a semana passada. O que me consola é que há muita gente esquisita. Na Bélgica, uma mulher cria uma mula. Num apartamento

‘Os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais que outros’
George Orwell,
escritor e jornalista inglês


Sábado, 25 de junho, foi o dia do leilão União de Forças - Quem dá Mais?, promovido pela Apae de Franca. A renda, integralmente revertida para a entidade, tem sido fundamental para ajudar na dispendiosa manutenção. Quem participa não busca exatamente um bom negócio, como seria o normal num leilão, mas essencialmente ajudar. Isso não implica dizer que as prendas ofertadas não sejam boas, interessantes ou divertidas.

Infelizmente, não pude comparecer, basicamente por conta desta Gazetilha, cuja produção consome meus sábados. Como estava interessado no casal de pavões pedi a um amigo, Rodrigo Henrique, que fizesse um lance por mim. Fixamos limites, combinamos tudo e fiquei à espera de novidades. Fui massacrado. O valor que havia estipulado para o teto da oferta não deu nem para o primeiro lance. Tony Salloun, empresário e um dos embaixadores da Apae, destruiu as ilusões de quem desejava as metidas aves e levou os bichos para sua fazenda.

Foi então que o destino interveio. Rodrigo me escreveu dizendo que eu havia perdido as aves. Completou avisando que leiloariam uma minivaca. Era uma brincadeira. Comentei em voz alta e o meu filho, atento como sempre, me condenou ao ridículo. ‘Eu quero, papai. Eu gosto de vaca’. Sem muita convicção, liguei para o Rodrigo e pedi que ele fizesse um lance pelo animal. Rindo muito, perguntou. ‘Você tem certeza?’. Olhei para o meu filho e mandei ver. ‘Tenho’.

Uma hora depois, o telefone toca. ‘Parabéns. Você é o feliz proprietário de uma minivaca’, provocava o Rodrigo. Expliquei o que havia acontecido para o João. ‘Muito bom, papai. Bom demais’. Rodrigo queria saber onde entregar o bicho. ‘Aqui em casa’, falei. Meu amigo trucou. Queria saber onde eu iria colocar o animal. ‘No canil’. De casa, ouvia o Rodrigo chorar de tanto rir. Seis dias depois, ele continua rindo.

A semana de estreia da vaquinha na família foi divertidíssima. A entrega do animal foi uma comédia pastelão. Os homens do frete se recusavam a aceitar, compreensivelmente, que alguém havia decidido manter uma vaca, ainda que em miniatura, numa casa localizada no bairro São José. Quem mora ou trabalha aqui também gargalha sem parar desde segunda-feira, quando o bicho chegou. A principal provocação é me perguntar, a cada manhã, de quanto vai ser o adicional pela tarefa de ordenhar. Há ‘disputa’ também para saber de quem vai ser a missão de passear com a minivaca. Ninguém ainda se arriscou, mas essa eu pagava para ver. Imaginem a cara dos vizinhos.

Esse, aliás, é um ponto que tem me intrigado. Batizada de ‘Perigosa’ pelo João, que se assustou com uma pequena investida que fez em sua direção, a vaquinha até que é discreta. Só que de manhã, em que pese sua personalidade recatada, os mugidos são inevitáveis. Fico imaginando o que pensam meus pacientes vizinhos sobre o despertar diário ao som do ‘muuuuuuuuuuuuu’. É curto, mas intenso. Não sei como ainda não me processaram.

‘Perigosa’ virou atração. Todo mundo quer conhecê-la. Boa parte da família já veio se apresentar, inclusive minha mãe, inconformada com a aquisição. Amigos apareceram para dar uma olhada e, nesta sexta-feira, João recebeu seus colegas de escola para exibir seu bichinho de estimação. As crianças ficaram encantadas, mas a recíproca nem de longe foi a mesma. Até onde já deu para perceber, ‘Perigosa’ não gosta de criança. É só uma chegar perto que ela refuga e começa a mugir.

Outra coisa de que a vaquinha não gosta é injeção. Descobrimos isso também na sexta-feira. Foi no final da manhã que meu sogro, um fazendeiro forte acostumado a lidar com bois e vacas, resolveu dar um jeito num problema. Desde o início da semana ele estava incomodado com a falta de vacina na ‘Perigosa’. Resolveu tratar do caso à sua maneira. Pediu ajuda a um primo que está passando uns dias aqui em casa e foi vacinar o bicho. Pessoalmente.

Partiu com a experiência de quem lida com pecuária há mais de trinta anos. Só não contava com a fúria de ‘Perigosa’, que fez jus ao nome, nem com a imperícia do primo que o ajudava, expert em uísque e pôquer mas absolutamente ignorante no trato de animais. Numa refugada violenta, meu sogro foi atirado longe. Bateu a cabeça na parede e esborrachou-se no chão. Pelo menos, caiu no macio. É claro que, como nem tudo é perfeito, o que amenizou o impacto foi o estrume. A experiência foi toda filmada pela minha mulher, que pretendia registrar a primeira vacinação da ‘Perigosa. Tentei convencê-los a me deixar postar o vídeo no nosso portal, mas fui vencido. Temporariamente. Ainda não desisti. É impagável.

Nunca me vi como alguém excêntrico, capaz de comportamentos que ruborizam os familiares, constrangem os amigos e fazem as pessoas se dividirem entre os que acham que você é louco e aqueles que têm certeza. Pelo menos, é o que eu pensava até a semana passada. O que me consola é que, ainda que seja um pouco esquisito, não estou sozinho no mundo. Vi no noticiário, nesta semana, que na Bélgica uma mulher foi denunciada por criar uma mula. Num apartamento, no primeiro andar, em plena Bruxelas. Fiquei imaginando se ela usou o elevador ou subiu de escadas. Admiro a ousadia da mulher. Perto dela, sou um conservador.

De qualquer forma, a vaquinha vai embora. Chegamos à conclusão de que no rancho ela vai estar melhor acomodada, principalmente porque suspeitamos que ela esteja prenhe. O duro é que todos se afeiçoaram ao animal. A pressão agora é para que eu dê um jeito de comprar também seu namorado, o miniboi, que ficou para trás. O lobby é forte, liderado pelo João. Pelo andar da carruagem, essa vaquinha ainda vai me custar caro.

CORRÊA NEVES JÚNIOR
é diretor-responsável do Comércio da Franca jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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