Um demônio

Uma história de horror, de um tipo tão absurdo que, fosse um filme, você diria que uma situação como aquela só existisse mesmo no cinema.

12/05/2013 | Tempo de leitura: 5 min

Admitir que alguém possa submeter três garotas a este suplício, durante dez anos, é mostra de quão perversa pode ser a natureza da nossa espécie
Admitir que alguém possa submeter três garotas a este suplício, durante dez anos, é mostra de quão perversa pode ser a natureza da nossa espécie

‘A história é apenas uma série de crimes e desgraças’
Voltaire,
filósofo francês


Imagine uma história de horror, de um tipo tão absurdo que, fosse um filme, muito provavelmente você diria que uma situação como aquela só mesmo no cinema. O enredo é apavorante. Um homem, imigrante latino de 40 anos que vive numa cidade média dos Estados Unidos, mais ou menos do tamanho de Franca, ganha a vida como motorista de ônibus escolar. Separado da mulher com quem teve quatro filhos, transporta crianças de casa para escola e vice-versa já há dez anos. É quieto, mas não chega a ser estranho. Sua ficha criminal revela algumas passagens pela polícia por conta de brigas com sua mulher enquanto permaneceu casado, e mais algumas agressões depois que se separaram. Péssimo, mas não exatamente incomum.

O ano é 2002 e, sabe-se lá motivado por qual mecanismo doentio, o protagonista deste conto de horror dá início a uma sequência de atrocidades. Num período de dois anos, sequestra três garotas, com idades entre 14 e 21 anos, e as trancafia no porão de sua casa. Nos dez anos seguintes o trio, cujo grande pecado foi ter aceito, em momentos diferentes, a carona oferecida pelo protagonista da história, será submetido a todo tipo de tortura física, psiquíca, moral. Serão estupradas, espancadas, acorrentadas, humilhadas e isoladas do mundo. A mais velha delas terá sua face desfigurada a poder de pancada por ter ‘engravidado’ do seu algoz. Além de apanhar, ainda abortou cinco vezes. A do meio também fica grávida, mas recebe ‘autorização’ para dar a luz. Dentro do porão fétido, numa piscina plástica e recebendo como única assistência a misericórdia de suas duas companheiras de cativeiro.

Durante esta década de horrores, o monstro-protagonista continuará vivendo sua dupla jornada, num inacreditável simulacro de Jackyl e Hyde, o médico e o monstro. Numa, torna-se o simpático e orgulhoso avô de cinco crianças, continua a transportar alunos no ônibus que dirige, participa de churrascos com os vizinhos e toca baixo numa banda. Na outra, mantém suas três vítimas presas dentro de casa, submetidas a uma rotina de abusos e violências, e torna-se pai de uma menina concebida num estupro. Numa coincidência inacreditável, seu filho da vida ‘normal’, candidato a jornalista e alheio às atrocidades cometidas pelo pai, prepara uma matéria para um jornal local sobre o sumiço de duas das três sequestradas. ‘Você acha que elas morreram?’, ironiza ao discutir o caso com o filho, que nem imagina que as personagens de sua reportagem estão trancafiadas no porão.

Infelizmente, nada disso é delírio ou ficção. Muito pelo contrário, são fatos tristemente reais, acontecidos em Cleveland, cidade de 400 mil habitantes no estado americano de Ohio, e cujos detalhes só são conhecidos por todo mundo agora porque uma das sequestradas, Amanda Berry, 27, conseguiu fugir do cativeiro na segunda-feira da semana passada, dia 6 de maio. O nome do monstro é Ariel Castro, 52 anos, nascido em Porto Rico e residente nos Estados Unidos desde a infância.

Amanda aproveitou um descuido de Castro - que ao sair para comer um sanduíche numa lanchonete próxima trancou a porta, mas deixou uma abertura inferior, muito comum nos Estados Unidos, vedada apenas com tela de proteção contra mosquitos - para gritar por socorro. Seus apelos foram ouvidos por dois vizinhos, que arrebentaram a porta a chutes. Amanda, a sequestrada que engravidou do monstro, deixou o cativeiro com sua filha. Sua ligação telefônica para a polícia pedindo socorro é emocionante. ‘Me ajudem. Sou Amanda Berry... Fui raptada e estou desaparecida há dez anos. E estou aqui, estou livre agora’.

A polícia chegou rápido, liberou as outras duas garotas - Michelle Knight, 32 anos, e Gina de Jesus, 23 - e, obviamente, prendeu Ariel Castro, além de dois de seus irmãos. As primeiras investigações e os depoimentos iniciais das vítimas revelaram que o monstro agia sozinho e seus irmãos acabaram liberados. Ariel confessou seus crimes em detalhes. Lembra-se até da roupa que vestia quando raptou cada uma das garotas. Sórdido e louco, comemorava com um bolo, anualmente, o ‘Dia do Sequestro’ de cada uma. Impassível, só tem um arrependimento: ter sido capturado. Numa carta, escrita por ele em 2004 e encontrada pela polícia durante buscas na casa, Ariel detalha seus crimes, se define como um ‘predador sexual’, justifica seu comportamento em função de supostos abusos que teria sofrido na infância e diz que não havia qualquer preparação prévia ou lógica nas escolhas de suas vítimas. Ela foram sequestradas, segundo Ariel, porque aceitaram entrar no carro de um desconhecido.

Histórias como esta parecem inverossímeis. Admitir que alguém possa submeter três garotas a este tipo de suplício, durante dez anos, sem que ninguém percebesse, é uma mostra de quão dissimulados podem ser os seres humanos, e do quão perversa pode ser a natureza da nossa espécie. Ariel é a prova cabal do nível de maldade e dissimulação a que alguém pode chegar: por trás de um motorista de ônibus escolar que trabalhou por 22 anos na mesma função e que gostava de ouvir salsa e comer costela assada, havia um psicopata e maníaco sexual capaz de submeter três meninas a barbaridades impensáveis, tudo isso enquanto comemorava no Facebook a chegada da primavera ou o nascimento de um neto.

Ariel segue preso e, para responder em liberdade, teria que pagar oito milhões de dólares, fiança arbitrada em sua primeira audiência na Justiça, quinta-feira, quando permaneceu cabisbaixo, e algemado, inclusive enquanto assinava documentos. Como ele não tem uma fração desta quantia, vai seguir atrás das grades até o julgamento que, no estado de Ohio, pode resultar numa condenação à pena de morte. Melhor assim. O planeta Terra não é lugar para demônios como Ariel Castro.

CORRÊA NEVES JÚNIOR
é diretor-responsável do Comércio da Franca jrneves@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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