A raposa

Neste Brasil em que a falta de vergonha na cara é tida como virturde, a pressão da opinião pública não surtiu efeito sobre Marco Feliciano

31/03/2013 | Tempo de leitura: 5 min

Neste Brasil em que a falta de vergonha na cara é tida como virtude, a pressão da opinião pública não surtiu qualquer efeito sobre Feliciano
Neste Brasil em que a falta de vergonha na cara é tida como virtude, a pressão da opinião pública não surtiu qualquer efeito sobre Feliciano

‘Os preconceitos são a razão dos imbecis’
Voltaire,
escritor francês


Adultos recorrem, desde sempre, a parábolas para incutir nas crianças conceitos e princípios fundamentais. É uma forma lúdica - e eficiente - de ensinar, através de analogias, sobre questões elementares. Difícil encontrar quem não tenha ouvido dos pais ou de alguma professora, nos seus primeiros anos de vida, uma dessas histórias.

A mais famosa é, muito provavelmente, a da raposa que convence as galinhas de que ela e suas companheiras estão regeneradas e que, portanto, não oferecem mais riscos. Envolvente, a raposa ainda oferece seu grupo para cuidar e proteger galos e galinhas em troca de abrigo. Os moradores do galinheiro se dividem mas, depois de muitas discussões, aceitam a oferta da raposa. Os primeiros dias são tranquilos, mas a paz dura pouco. Numa noite, enquanto todos dormem, as raposas atacam com fúria e comem tantas penosas quanto conseguem. Um galinho garnizé, que havia sido um dos mais veementes defensores do acordo, pergunta à líder das raposas, apavorado, por que elas faziam aquilo se tinham sido tão bem acolhidas. ‘Ora, ora, seu bobinho, porque simplesmente não podemos negar nossa natureza de raposas’, responde, enquanto lambe os beiços e olha fixamente em sua direção.

É uma grande fábula, capaz de ensinar que nenhuma confiança deve ser irrestrita ao mesmo tempo em que ilustra como mudanças profundas são difíceis, já que há instintos primitivos que não se alteram porque pertencem à natureza de cada um. Corretamente assimilada, proporciona lições que serão importantes vida afora.

Aparentemente, na Câmara dos Deputados, em Brasília, poucos dos 513 homens e mulheres eleitos para representar milhões de brasileiros no Legislativo federal tiveram contato com a fabúla da raposa na infância. Ou, tanto pior, se tiveram, não assimilaram nada. Só isso é capaz de explicar a imbecilidade da decisão de fazer de Marco Feliciano (PSC), pastor evangélico que acredita que a Bíblia é uma convenção de condomínio que deve ser seguida ao pé da letra, o todo poderoso presidente da Comissão de Direitos Humanos e das Minorias.

Homofóbico e racista, Marco Feliciano acredita que gays têm sentimentos ‘podres’ que levam ‘ao ódio e ao crime’. Ignorante, defende que negros foram amaldiçoados ‘por Noé’ e ainda sustenta que isso ‘é um fato’. Inconsequente, propaga nas redes sociais que a eventual adoção de crianças por casais homossexuais levará à ‘destruição da família’ e à extinção das palavras ‘mãe e pai’. Sem noção, diz que ‘quem deve mostrar ao mundo o certo e o errado (...) são os líderes de fé, não a política’.

Tudo isso não é interpretação do que pensa Marco Feliciano, mas suas próprias palavras expressas através da conta que o indigesto deputado mantém no Twitter, ambiente que costuma usar para destilar sua visão de mundo. É exatamente este o sujeito que, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, tem como missão fundamental a defesa daqueles que, explicitamente, rejeita e despreza. Impossível não pensar na parábola infantil. Marco Feliciano é a própria raposa cuidando do galinheiro. Seria ridículo, não fosse também trágico.

Neste Brasil em que a falta de vergonha na cara é tida mais como virtude do que como defeito pela absoluta maioria dos políticos, as críticas e a pressão da opinião pública não surtiram qualquer efeito sobre Feliciano. O deputado se segura no cargo tentando convencer os brasileiros, como fizeram as raposas com as galinhas, de que seus preconceitos não afetam a sua atuação na presidência da Comissão existente para defender as minorias das injustiças e, principalmente, de preconceitos. Difícil não se indignar.

A Câmara dos Deputados tem hoje 21 comissões permanentes. Cada qual reúne um grupo de deputados que se dedicam a estudos e propostas de legislações e ações aplicáveis a um setor específico. Há comissões de Agricultura, de Desenvolvimento Econômico, Desenvolvimento Urbano, Finanças e Tributação, Meio Ambiente, Minas e Energia, Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, Relações Exteriores e outras tantas nas quais Marco Feliciano até poderia contribuir de alguma forma. São áreas onde sua concepção de mundo não gera um vício de origem, uma contradição flagrante, e onde suas opiniões sobre credo, raça e sexualidade não teriam maior relevância. Ficariam circunscritas à categoria das idiotias individuais. Mas, na Comissão de Direitos Humanos, a presidência de alguém como Marco Feliciano tem potencial explosivo.

Há duas grandes infelicidades nisso tudo. A primeira é que, regimentalmente, não há nada que os demais deputados, os ministros do Supremo Tribunal Federal ou a presidente Dilma Roussef possam fazer para tirar Marco Feliciano de onde ele está - e nem para impedi-lo de dizer as besteiras que diz. Como deputado, ele tem imunidade parlamentar sobre suas palavras. E, eleito presidente de uma comissão, não há qualquer brecha no regimento da Câmara dos Deputados para tirá-lo de lá contra sua vontade. Os brasileiros podem protestar à vontade - e é muito importante que o façam - mas Feliciano só sai se quiser.

A segunda - e maior - infelicidade é que Marco Feliciano quer ser presidente do Brasil. Não, não é piada. Foi através do mesmo Twitter que usa para nos brindar com sua estupidez que o deputado anunciou seus planos. ‘PSC discute a possibilidade de ter em 2014 candidato a Presidente da República. Eu disse q (sic) sou a favor e me coloquei a disposição’, avisou em 24 de novembro de 2012. É melhor a gente subir para um puleiro mais alto. A raposa vem chegando. Sorrateira, dissimulada e, apesar de ridícula, também perigosa.

CORRÊA NEVES JÚNIOR
é diretor-responsável do Comércio da Franca jrneves@comerciodafranca.com.br

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